"O que almejamos nem sempre corresponde ao que o destino tem preparado para nós. E, mesmo que não acreditemos em fábulas encantadas, isso não impede que um final feliz surja em nossa jornada."
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"O que almejamos nem sempre corresponde ao que o destino tem preparado para nós. E, mesmo que não acreditemos em fábulas encantadas, isso não impede que um final feliz surja em nossa jornada."
Era uma vez uma menininha que, apesar de residir em uma rua chamada Floresta Encantada, não tinha fé no conceito de "felizes para sempre". Desde muito cedo, absorveu da história contada por sua mãe que os contos de fadas eram apenas narrativas para embalar o sono das crianças. Ela até cogitava a possibilidade de existirem Cinderelas em uma ou outra noite da semana, mas acreditava que, na maior parte do tempo, todas as garotas não eram nada além de gatas borralheiras. Afinal, mesmo sendo tão jovem, ela já havia percebido que a ideia de "viver felizes para sempre" poderia desmoronar assim que o príncipe encontrasse uma princesa mais jovem ou quando a primeira conta do cartão de crédito chegasse.
No final das contas, as vestes das princesas modernas não são confeccionadas por aves mágicas, mas sim pelas grifes Christian Dior, Louis Vuitton e Chanel. Hoje em dia, elas também têm uma queda por sapatos de Manolo Blahnik e bolsas da Fendi.
**PRÓLOGO**
Floresta Encantada, Brasil
julho de 1994
Eram 16 horas de uma tarde gelada de uma terça-feira. A sonhadora Allison aguardava, cheia de expectativa, na entrada da escola pela chegada de seu pai. Embora estivesse bem agasalhada, o vento cortante fazia seu rosto arder. Mesmo com a impaciência crescendo, ela se confortava na ideia de que o pai estava apenas atrasado. Ao olhar ao redor, notou que a escola estava deserta.
Cansada de ficar em pé, decidiu acomodar-se em um banco próximo. Depois de reler duas vezes o único livro que carregava na mochila, começou a observar as folhas dançando ao vento, até que a noite se instalou, sem que ela percebesse.
Ao longe, ela escutou uma voz familiar, mas carregada de desespero, chamando seu nome: era sua mãe. Allison não tinha a menor ideia de que horas eram, mas sentia que já passava das 19 horas, o horário em que sua mãe costumava voltar do trabalho.
- Desculpe, minha querida, eu não sabia que você estava aqui esperando; me preocupei tanto com você - disse a mãe, entre lágrimas e soluços.
Allison ainda não compreendia o motivo da presença da mãe, mas sentiu um alívio por não estar mais sozinha. A partir daquele momento, percebeu que o "felizes para sempre" da sua mãe havia chegado ao fim.
Os anos passaram, e sua mãe lutava como podia, dividindo-se entre dois empregos para sustentar a casa e a filha. De vez em quando, tentava se envolver em relacionamentos que não eram nada glamourosos.
Allison, que antes escrevia em seu diário, começou em blogs e, da faculdade, foi direto para revistas online. Aos 32 anos, ela foi contratada para uma grande revista online, onde tinha certeza de que sua vida mudaria. Seu sonho era criar matérias que transformassem a vida das pessoas, mas a jornada dela nunca havia sido fácil.
O que ela ignorava era que, tanto histórias inspiradoras quanto um amor genuíno, estavam apenas à espera do momento certo para surgir, mesmo quando perde a fé nos contos de fadas.
Você já se pegou pensando se um dia cruzaria o caminho da sua alma gêmea? Ou se viveria uma história de amor digna de conto de fadas? Pois é, após tantas tentativas frustradas, decidi deixar essas indagações de lado.
Talvez algumas almas estejam destinadas a navegar sozinhas, em uma existência sem brilho, ou a preencher o vazio de suas vidas com sucesso profissional. Isso me faz lembrar daquela velha frase: "sorte no jogo, azar no amor".
Mas calma, essa não é a minha realidade. Eu sou a Allison, tenho 38 anos e, há seis anos, faço parte da equipe da prestigiada revista online "Sinceros Segredos". Acredito que, de certa forma, me acomodei.
As disputas por matérias entre Joyce e eu sempre foram uma constante. Joyce, com seus 32 anos, é conhecida por sua "gentileza" com todos os homens da redação. Ela está conosco há dois anos e, de alguma forma, sempre consegue o que deseja; talvez porque não hesite em exibir seus decotes generosos na frente do chefe.
Se alguém me perguntasse se eu estava exausta, eu diria com toda a certeza: sim, estava saturada da mesmice e da monotonia das matérias sem graça, cansada da eterna competição com a Joyce. Sempre pensei que tinha as rédeas da minha vida nas mãos; ou, pelo menos, era essa a ilusão que eu cultivava.
Acostumei-me a uma existência sem surpresas e sem desafios, pois, de certo modo, isso era confortável. Mas, decidida a romper com essa apatia, fui em direção ao meu editor-chefe, um verdadeiro alpinista social: Peter, de 42 anos. Não que ele fosse um magnata ou algo do tipo, mas, por razões que me escapam, ele sempre aparece cercado por pelo menos dois seguranças. Talvez isso se deva ao conteúdo polêmico que publicamos. Frequentemente, recebemos cartas ameaçadoras na revista.
Temos a fama de revelar verdades, custe o que custar. Passei semanas tentando convencê-lo de que eu poderia criar algo mais vibrante, algo que realmente impactasse a vida das pessoas. Em cada visita ao seu escritório, era um verdadeiro jogo de cintura para desviar dos homens de preto que o acompanhavam. Não que isso fosse algo desagradável, pois, na verdade, todos eram incrivelmente bonitos, embora lembrassem os ciborgues do Exterminador do Futuro: frios e distantes.
Em uma segunda-feira gelada e chuvosa, às seis da manhã, saí para mais um dia de trabalho, mas, antes, precisava passar na casa do meu querido namorado, Noah.
Sim, eu tinha um namorado e, acreditem, nesse quesito eu acreditava ter me saído muito bem! Obrigada! Sempre gentil e atencioso, com seu corpo atlético e um sorriso encantador, Noah atraía olhares por onde passava.
Nos conhecemos há quatro anos; ele é um fotógrafo freelancer dedicado que trabalha para a "Sinceros Segredos". Contudo, raramente nos encontramos no ambiente de trabalho.
Ocasionalmente, trabalhávamos em seu apartamento. Mesmo não sendo os mesmos artigos, era comum eu deixar algo meu para trás em sua casa.
Apesar do vento forte e da chuva incessante, entrei em uma adorável confeitaria e comprei seu café da manhã favorito: bolo de chocolate e chocolate quente. Apesar de seu paladar ainda infantil, ele já era bem crescidinho, acreditem.
Duas quadras depois, e com um jeans encharcado, lá estava eu em frente ao seu prédio, segurando um molho de chaves e lutando contra o vento que tentava levar meu guarda-chuva. Como em todo dia chuvoso, este não seria uma exceção.
O velho elevador estava fora de serviço, então, após subir quatro lances de escadas, eu me esforçava para encaixar a chave na fechadura do seu apartamento.
- Noah! - chamei seu nome assim que entrei, mas o silêncio respondeu.
Colocando seu café na mesa de centro, fui direto ao quarto em busca do meu pendrive e, quem sabe, acordá-lo com deliciosos beijos matinais. Assim que atravessei a porta, fui surpreendida por uma cena nada agradável: Noah, que me prometera um conto de fadas, estava dormindo em sua cama com outra.
Eu queria gritar e arremessar tudo que estivesse ao meu redor contra eles; em vez disso, me forcei a correr, mesmo que em vão.
Meu desejo era escapar dali o mais rápido possível; entretanto, com o golpe do destino, acabei tropeçando e caindo em suas pilhas de roupas amontoadas no chão. O estrondo que fiz ecoou pelo quarto silencioso, despertando-os.
- Allison! - ele berrou, levantando-se e tentando esconder algo que não condizia com seu caráter.
- Fique longe de mim! - resmunguei, ainda no chão, segurando meu joelho esfolado, que com certeza doía menos do que a dor do meu coração despedaçado.
- Noah, quem é essa? O que está acontecendo?
A outra se sentou na cama, interrogando-o sem se preocupar em se cobrir. Com o que restava da minha dignidade, levantei-me, peguei o pendrive na mesa de cabeceira e, sem olhar para trás, afastei-me, enquanto ele corria nu, gritando meu nome em desespero.
Um dia chuvoso, um joelho esfolado e um encontro de amor arrasador deram início ao meu dia. E, pela primeira vez naquela manhã cinzenta, encontrei gratidão na chuva que escorria sobre mim, misturando-se com as lágrimas que deslizavam pelo meu rosto.
Com o pendrive em mãos e o coração em frangalhos, desci as escadas correndo, ignorando a dor no joelho e o frio que me castigava. Cada degrau era um eco da promessa quebrada de Noah, um lembrete da minha ingenuidade. A chuva, antes uma companhia melancólica, agora era uma aliada, lavando a sujeira da traição e disfarçando as lágrimas que teimavam em cair.
Chegando à rua, cambaleei até um ponto de ônibus, sentando-me no banco frio e molhado. As lágrimas já não eram mais discretas, escorrendo livremente pelo meu rosto, misturando-se à água da chuva. Eu me sentia exposta, vulnerável, como se o mundo inteiro estivesse testemunhando minha dor.
Enquanto esperava o ônibus, repassava cada cena em minha mente, tentando entender como Noah, o homem que eu amava e em quem confiava, poderia ter me traído daquela forma. As promessas, os planos, os sonhos que compartilhamos... tudo parecia uma grande mentira.
Finalmente, o ônibus chegou, e eu embarquei, procurando um lugar vazio no fundo. Encolhi-me no assento, tentando me proteger do olhar dos outros passageiros, que pareciam curiosos com minha aparência desolada.
Durante o trajeto, peguei o pendrive na bolsa e apertei-o com força. Ele continha o trabalho que havíamos feito para a "Sinceros Segredos", artigos aos quais havia dedicado horas para escrever. Era a minha forma de contribuir para a empresa, de mostrar meu valor. Mas, naquele momento, tudo parecia insignificante. Cheguei ao escritório da revista encharcada e com os olhos vermelhos.
Cerca de trinta minutos depois, na recepção da revista, lá estava Joyce, completamente impecável, sem um único sinal de imperfeição na maquiagem, exibindo um decote em V que quase revelava seu piercing no umbigo.
Isso me fez questionar: será que toda aquela tempestade era um capricho do destino, destinada apenas a mim e a alguns reles mortais? Não tinha como saber, mas tudo apontava para uma batalha acirrada: cérebro contra seios. Acreditem, essa competição não é nada justa quando seu chefe julga ser o próprio Giacomo Casanova. Sem querer perder tempo, fui direto para o elevador, quase implorando para que as portas se fechassem rapidamente. Eu precisava me secar e chegar à sala do Peter antes da "Srta. Seios".
- Segure a porta! - gritou ela com sua voz estridente, mas fiz de conta que não a ouvi.
Okay, não me julguem ainda. O que vocês não sabem é que ela adora esfregar na minha cara que sempre consegue as melhores pautas. O pior é que todos na revista conhecem bem o "talento" dela, e acreditem, não é escrever.
Antes que pudesse comemorar, as portas que estavam se fechando se abriram novamente; uma mão com um relógio de pulseira preta impediu que se fechassem.
O som dos saltos finos ecoando no piso de porcelanato e um "obrigada" exagerado me fizeram desejar subir as escadas. Assim que ela entrou, o príncipe encantado das donzelas atrasadas apareceu, deslumbrante, com seus grandes olhos negros e um perfume que poderia enlouquecer qualquer um. Um arrepio percorreu minha espinha. Era um dos seguranças de Peter, a quem eu apelidara internamente de "Ciborgue". Ele me encarou com aqueles olhos intensos, sem demonstrar qualquer emoção. Joyce, é claro, aproveitou a oportunidade para sorrir e acenar, como se o conhecesse intimamente.
"Preciso de um banho quente e uma dose cavalar de café", pensei, tentando ignorar a presença do segurança e a vibração de vitória de Joyce.
- Bom dia, Allison! Pensei que você tivesse me escutado quando pedi para segurar as portas - comentou ela ao entrar no elevador, destilando todo o seu veneno.
- Bom dia! Sim, ouvi você gritando, mas optei por não segurar - respondi, deixando um sorriso breve escapar.
Ela arregalou os olhos, fingindo uma falsa surpresa diante da minha sinceridade. Habitualmente, eu tolerava situações desconfortáveis e mantinha uma expressão forçada para evitar conflitos; no entanto, naquele dia, minha paciência parecia ter se ausentado. O elevador iniciou sua ascensão, e o silêncio era interrompido apenas pelo sutil zumbido do mecanismo.
- Nossa, Allison, que agressividade! - disse ela, finalmente, com um tom afetado. - Não sabia que você era tão... competitiva.
- Competitiva? - repeti, levantando uma sobrancelha. - Joyce, você transforma o ambiente de trabalho em um ringue de luta a cada nova pauta. Não venha com essa narrativa de "competitividade", como se eu estivesse inovando em algo fundamental.
- Você ainda está ressentida comigo por ter assumido a matéria que você desejava? Peço desculpas, mas o Peter acredita que possuo mais talento do que você - ela afirmou, lançando um olhar provocativo aos demais presentes.
- Joyce, não se preocupe com meus sentimentos pois, na verdade, não nutro nenhum por você. - Ela bufou e cruzou os braços.
O elevador, que parecia se mover em câmera lenta, finalmente chegou ao nosso andar. As portas se abriram, mas antes de me retirar, deixei minha última observação.
- Ah, e Joyce lembre-se: sabedoria e experiência são elementos que se adicionam ao currículo, mas, querida, os seios não, a menos que você esteja buscando uma carreira em um campo diferente.
- Uau, Allison, como você consegue dormir à noite com esse tipo de atitude? - perguntou ela, fingindo-se indignada.
Mesmo com o rosto manchado por duas faixas de lápis preto escorrendo sob meus olhos, respirei fundo e, soltando o ar com um sorriso, respondi:
- Como uma pedra. Tenham um ótimo dia!
Saí o mais rapidamente que pude, sentindo o olhar penetrante do Ciborgue em minhas costas. No corredor, deparei-me com Marcos, o estagiário, que se encontrava sobrecarregado por uma pilha de documentos que parecia prestes a desmoronar.
- Você precisa de ajuda? - indaguei.
Ele sorriu, visivelmente aliviado. - Por favor! Acredito que vou ter um colapso nervoso antes do almoço.
Enquanto organizamos os papéis, Joyce passou por nós, acompanhada pelo "príncipe encantado", rindo em voz alta e gesticulando, enquanto ele a ignorava completamente. Ela me lançou um olhar de lado, repleto de um sentimento de superioridade, com ele a ignorando totalmente.
"Que se dane", refleti. Eu tinha responsabilidades profissionais a cumprir e, pela primeira vez em um longo período, experimentava um certo prazer ao desafiar a dinâmica incômoda daquele ambiente. Talvez, apenas talvez, estivesse começando a apreciar uma postura um pouco mais agressiva. O dia parecia promissor.
Ao chegar à minha mesa, encontrava-me encharcada e desmotivada. A visão do meu computador e da pilha de papéis só piorou meu humor. "Preciso elaborar um plano", murmurei para mim mesma. Decidi que a estratégia mais eficaz seria recompor-me, secar minhas roupas e dirigir-me imediatamente a Peter.
Enquanto me trocava no banheiro improvisado da redação (um espaço pequeno com um espelho embaçado), escutei a voz de Joyce do lado de fora.
- Ah, Peter, você está ciente de que eu frequentemente apresento as melhores ideias! Além disso, estou plenamente disposta a dedicar-me arduamente a esta revista...
Revirei os olhos. A sua retórica era invariavelmente a mesma. Após concluir a troca de roupas, respirei profundamente e deixei o banheiro, preparada para enfrentar os desafios que se apresentavam.
Trinta minutos depois, com um misto de ansiedade e determinação, entrei no elevador em direção ao escritório dele. Ao chegar ao andar correspondente à sala de Peter, deparei-me com Joyce saindo de sua sala, exibindo um sorriso de triunfo. Ela lançou-me um olhar condescendente e sussurrou: "Boa sorte, querida. Você irá precisar." Em frente à porta, exercendo sua função de vigilância, encontrava-se ele, ereto, com uma postura profissional, o herói das donzelas atrasadas, o protetor do meu superior. Nossos olhares se entrelaçaram. Não sei se um sutil sorriso surgiu em seus lábios ou se foi apenas uma ilusão, dado que foi tão momentâneo.
É verdade que ele havia bagunçado meus planos no elevador? Sim, sem dúvidas. Contudo, devo ser franca: ele é o tipo de homem que qualquer mulher almejaria. A recepcionista já havia desabotoado três botões de sua blusa, na tentativa de atrair sua atenção, mas parecia que essa disputa a pobrezinha já havia perdido. Com tamanha beleza, não era qualquer mulher que conseguiria causar impacto naquele homem. Sem delongas, dirigi-me à reunião. Ao chegar à porta, não consegui resistir e lancei um olhar furtivo, pois a visão de perto é sempre mais cativante.
Por um breve momento, nossos olhares se encontraram; eu mal consegui mover as pernas; mesmo assim, fiz um esforço para adentrar a sala. Senti-me aliviada por não ter mais vestígios de lápis escorrendo pelos olhos. Engoli em seco e bati à porta.
- Entre!
Peter estava sentado em sua cadeira, com uma expressão fatigada. - Allison, o que a traz aqui?
- Peter, necessito da sua aprovação para uma nova matéria. Algo que realmente tenha impacto. Estou exausta de redigir sobre futilidades.
Ele me observou com desconfiança.
- E o que você tem em mente?
Respirei fundo e comecei a apresentar minha ideia. Falei sobre a necessidade de abordar temas relevantes, de dar voz a pessoas que não são ouvidas, de criar um impacto positivo na sociedade. Peter me ouviu atentamente, sem interromper. Quando terminei, um silêncio pairou no ar. Peter se levantou e caminhou até a janela, olhando para a cidade chuvosa lá embaixo.
- Allison, você sabe que nossa revista tem uma reputação a zelar. No momento, não podemos nos dar ao luxo de arriscar com matérias polêmicas.
- Mas é justamente o risco que nos torna relevantes, Peter! Se continuarmos fazendo o mesmo de sempre, vamos nos tornar irrelevantes.
Ele se virou e me encarou.
- Eu vou pensar no assunto. Deixe-me seu projeto e eu te dou uma resposta em breve.
Saí da sala de Peter com uma mistura de esperança e frustração. Sabia que a batalha seria difícil, mas estava determinada a lutar pela minha ideia. Enquanto voltava para minha mesa, esbarrei no "Ciborgue". Ele me segurou pelo braço para que eu não caísse.
- Você está bem?
Sua voz era surpreendentemente suave, diferente da imagem fria que ele transmitia.
- Sim, obrigada! - respondi, um pouco sem graça.
Ele me soltou e me encarou por um momento.
- Não desista da sua ideia - disse ele, antes de se afastar.
Fiquei chocada enquanto caminhava, surpresa com suas palavras. Talvez, por trás daquela armadura de frieza, existisse um coração.
O resto do dia passou lentamente. A cada hora que se arrastava, a ansiedade aumentava. Joyce não perdia a oportunidade de me provocar, mas eu me recusava a ceder.
No final do expediente, quando já estava quase desistindo, Peter me chamou em sua sala.
- Allison, eu pensei muito sobre sua proposta. E decidi lhe dar uma chance.
Um sorriso radiante surgiu em meu rosto.
- Sério? Peter, muito obrigada! Eu não vou te decepcionar.
No fim do dia, em minha baia, na minha pequena mesa desordenada, agendei minha primeira entrevista com um informante. A tela do computador brilhava, iluminando os papéis amontoados e as canetas espalhadas. O ar-condicionado zumbia fracamente, abafando o burburinho do escritório quase vazio.
Eu já possuía algumas informações sobre as redes ISLAND FARMACÊUTICAS, um legado que atravessa três gerações e que, nos últimos anos, parecia ter se expandido a passos largos desde que o mais recente herdeiro, Gael, assumiu o comando. Gael, que lidava com diversas acusações de tráfico de drogas, embora nenhuma tenha sido confirmada até agora, viu sua riqueza crescer rapidamente após assumir o controle da ISLAND. Aquele crescimento exponencial era o que me incomodava, o que me fazia cavar mais fundo. Algo não se encaixava.
O informante, um tal de "Corvo", era uma incógnita. Nenhuma foto, nenhum histórico, apenas um endereço de e-mail criptografado e a promessa de "informações que o mundo precisa saber". A entrevista estava marcada para o dia seguinte , em um restaurante pouco frequentado no centro da cidade. Um lugar sombrio, perfeito para encontros clandestinos e segredos obscuros.
Senti um frio na espinha. A ISLAND era poderosa, com tentáculos que se estendiam por toda a cidade. Mexer com eles era como cutucar uma colmeia de vespas. Mas a ideia de Gael, impune, lucrando com a miséria alheia, me dava forças para continuar.
As informações que eu tinha, por mais escassas que fossem, rodavam na minha cabeça. Gael, o herdeiro charmoso, com seu sorriso de galã e seus ternos impecáveis. A fachada perfeita para esconder a podridão por baixo.
Naquela noite, mal preguei os olhos, depois de descobrir a traição de Noah e conseguir a aprovação do artigo. A mente fervilhava, um turbilhão de emoções conflitantes. A alegria efêmera da conquista acadêmica era constantemente ofuscada pela amargura da traição. Cada vez que tentava relaxar, a imagem de Noah com outra pessoa em sua cama invadia meus pensamentos, como um filme em loop.
O sucesso do artigo, que antes me enchia de orgulho, agora parecia um prêmio de consolação, um pobre substituto para a confiança e o amor que eu acreditava ter. A ironia era cruel: no dia em que alcançava um marco importante na minha carreira, meu mundo pessoal desmoronava.
Revirei-me na cama inúmeras vezes, tentando encontrar uma posição confortável, mas o desconforto era interno, não físico. As lágrimas escorriam silenciosamente pelo meu rosto, molhando o travesseiro. A dor era lancinante, uma ferida aberta que pulsava a cada lembrança compartilhada com Noah.
A raiva também se fazia presente, um fogo ardente que me impelia a confrontá-lo, a exigir explicações, a gritar toda a minha frustração. Mas a exaustão emocional me paralisava, impedindo qualquer ação.
Finalmente, quando o sol começou a despontar no horizonte, um sono inquieto e fragmentado me envolveu. Mas mesmo nos meus sonhos, a sombra da traição pairava, obscurecendo qualquer resquício de paz. O dia que se anunciava prometia ser longo e difícil, um desafio a ser enfrentado com a força que eu mal conseguia reunir.
Naquela manhã, mergulhei de cabeça na pesquisa. Vasculhei registros públicos, notícias antigas, qualquer migalha de informação que pudesse me dar uma vantagem. Descobri que a ISLAND tinha uma história de acordos suspeitos, de licenças obtidas de forma duvidosa e de desaparecimentos misteriosos. Pequenos indícios, mas que, juntos, formavam um padrão perturbador.
A cada nova descoberta, a ansiedade aumentava. Sabia que estava me aproximando da verdade, mas também sabia que a verdade poderia ser perigosa. Gael não era um homem que deixaria alguém atrapalhar seus negócios.
O dia da entrevista chegou rápido demais. Fui com a sensação de que estava caminhando para uma armadilha. Mas a curiosidade e a sede por justiça eram mais fortes do que o medo. Peguei meu gravador, uma caneta e um bloco de notas, e saí em direção à zona portuária. O armazém me aguardava, e com ele, a promessa de desvendar os segredos obscuros da ISLAND FARMACÊUTICAS. Eu esperava que a verdade valesse o risco.
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