Ela, com olhos que desafiavam a ordem que eu impunha ao mundo. Uma força da natureza em meio ao caos que eu criei. Não deveria importar, mas importou. Porque pela primeira vez, encontrei algo que não podia controlar. Alguém que não abaixava a cabeça diante do peso do meu nome. Ela me enfrentou de frente, sem hesitação, sem medo.
E isso me destruiu.
O som de passos ecoa no silêncio, pesados, precisos. É o aviso de que meu tempo de reflexão acabou. O aroma metálico do sangue é interrompido pelo cheiro sutil de jasmim. Ela entrou na sala, silenciosa, mas presente como uma tempestade prestes a explodir.
O que faremos aqui hoje será escrito com sangue, desejo e segredos. Porque no nosso mundo, ninguém é inocente.
Mas no final, será ela quem me salvará... ou me destruirá.
Eu não sei se sairei vivo desta guerra, mas uma coisa é certa, vou queimar o mundo por ela, se for preciso.
Capítulo 1: "O Rei Sem Coroa"
(Narrado por Raffaele Valentini)
A escuridão da noite era interrompida apenas pelo brilho da lua que se refletia nos jardins da Mansão Valentini. Meu escritório, com suas paredes de madeira de carvalho escuro e o aroma do couro dos móveis, era o único lugar onde eu podia pensar sem interrupções.
Inclinei-me contra a janela, o copo de uísque na mão direita enquanto o charuto queimava lentamente na esquerda. A fumaça subia em espirais preguiçosas, misturando-se ao ar pesado do ambiente. Do lado de fora, o mundo parecia calmo, mas eu sabia que, por baixo daquela tranquilidade, o caos fervilhava.
As paredes carregavam segredos, e cada objeto naquela sala, desde a coleção de livros até a estante com compartimentos ocultos, era testemunha silenciosa das decisões que moldaram meu império.
Não havia lugar para fraquezas aqui. Meu nome era lei, meu comando, absoluto. E, no entanto, lá estava eu, forçado a considerar uma decisão que ia contra tudo o que acreditava.
Um casamento.
Respirei fundo, o gosto amargo do uísque escorrendo pela minha garganta, enquanto minhas mãos se fechavam em punhos involuntariamente.
O dilema queimava dentro de mim como o final incandescente do charuto que segurava. Internamente, a raiva me consumia. Aceitar essa imposição do conselho era como ceder a uma fraqueza que eu não tinha.
Eles ousaram desafiar minha autoridade?
Leonardo, meu consigliere, havia deixado claro que essa decisão não era negociável. Um casamento com a família Corsini garantiria que certos territórios permanecessem sob nosso controle, mas isso era irrelevante para mim. Eu já tinha o poder. Não precisava de alianças para proteger meu domínio.
A ameaça externa vinha de rumores crescentes sobre uma aliança entre dois grupos rivais. Um deles, os Marchetti, estava expandindo suas operações no Norte, um território que era meu por direito.
Eu não podia ignorar as movimentações ao redor, mas ser forçado a um casamento para solidificar alianças era uma afronta que ainda precisava ser resolvida.
O som de passos firmes interrompeu meus pensamentos. Leonardo entrou sem bater, o único homem que ousava tal coisa.
- Precisamos conversar - disse ele, fechando a porta atrás de si.
Olhei para ele por cima do ombro, o charuto ainda entre os dedos.
- Então fale - minha voz era baixa, mas carregava a ameaça velada de um homem que não gostava de interrupções desnecessárias.
Leonardo hesitou por um segundo, um gesto raro, antes de se aproximar. Ele depositou um envelope sobre a minha mesa.
- O conselho foi unânime. Você precisa se casar com Bianca Corsini.
Meus olhos caíram no envelope, mas não fiz menção de tocá-lo.
- Bianca Corsini? - repeti, minha voz carregada de desdém. - A filha de um traidor?
Leonardo permaneceu firme.
- Ele não é um traidor. Apenas um homem que... escolheu o lado mais lucrativo.
Inclinei-me, esmagando o charuto no cinzeiro de cristal com um movimento brusco.
- Não existe neutralidade na minha família, Leonardo. Você sabe disso.
- Sei, Raffa, mas essa aliança é necessária.
Por um momento, o silêncio caiu pesado no escritório. O único som era o tique-taque do relógio de parede e o eco das minhas próprias decisões na mente.
- Ela não será mais do que um peão - disse finalmente. - E farei questão de deixá-la ciente disso.
Depois de uns breves segundos disse:
- Descubra quem tomou essa decisão no conselho - ordenei a Leonardo antes de ele sair. - Quero ver seus rostos antes de destruí-los.
Quando Leonardo saiu, minha atenção foi atraída pelo envelope ainda intocado sobre a mesa. Meu olhar fixou-se nele como se fosse um inimigo que precisava ser derrotado.
Relutantemente, abri o lacre. Dentro havia uma única fotografia.
Uma mulher de olhos âmbar e cabelos castanhos ondulados. Seu sorriso era um misto de desafio e mistério, como se soubesse algo que eu não sabia.
Bianca Corsini.
Observei a foto por longos segundos antes de jogá-la sobre a mesa.
- Vamos ver se você é digna de carregar meu nome - murmurei, mais para mim mesmo do que para qualquer outra pessoa.
O cheiro do charuto ainda impregnava o ar enquanto eu ponderava sobre as implicações desse casamento. Não era apenas uma questão de poder, era uma questão de controle.
Se Bianca Corsini pensava que poderia entrar na minha vida e agir como se fosse uma igual, ela estava enganada.
Ao mesmo tempo, não podia negar a sensação incômoda que aquela fotografia provocou. Não era atração, era curiosidade. Algo em seu olhar parecia desafiador demais para uma mulher criada dentro das regras do submundo.
Eu tinha que descobrir quem era Bianca Corsini. E se ela se tornasse um problema... Bem, problemas podem ser resolvidos.
O ambiente ao meu redor parecia refletir meu humor. O escritório estava mergulhado em sombras, com a luz suave da luminária projetando formas distorcidas nas paredes. A chuva batia contra a janela em um ritmo constante, como uma melodia sombria que combinava perfeitamente com meus pensamentos.
A textura áspera do charuto entre meus dedos contrastava com a suavidade do uísque que deslizava pela minha garganta. Cada som, cada cheiro, parecia amplificado, como se o mundo ao meu redor conspirasse para intensificar minha raiva contida.
O charuto esmagado representava minha decisão de não permitir que ninguém, nem mesmo uma mulher prometida, interferisse no meu controle. A chuva lá fora simbolizava os conflitos que estavam por vir, uma tempestade inevitável que eu teria que enfrentar.
Enquanto segurava de novo a fotografia de Bianca pela última vez, um sorriso frio surgiu nos meus lábios.
- Espero que esteja pronta para jogar, cara mia - sussurrei, antes de deixar a foto cair no cinzeiro ao lado do charuto.