Quando os confrontei, Jade me empurrou escada abaixo. Enquanto eu sangrava no chão de mármore frio, senti uma dor aguda e agonizante. Eu estava perdendo nosso bebê.
Ricardo olhou para mim com nojo.
- Você é patética, Helena. Fique aí e apodreça.
Ele saiu, me deixando para morrer.
Mas eu não morri. Minha família me encontrou. E enquanto eu, lenta e milagrosamente, aprendia a andar de novo, a esposa quebrada que ele conhecia desapareceu.
Eles levaram minhas pernas, meu filho e minha confiança. Agora, eu tiraria tudo deles.
Capítulo 1
Meu mundo havia encolhido para os limites desta mansão, uma gaiola dourada onde a única liberdade que eu conhecia era o virar das páginas de um livro. Por sete longos anos, minhas pernas foram inúteis, lembranças de um acidente do qual eu mal me recordava, um borrão de pneus cantando e dor lancinante. Ricardo, meu marido, tinha sido minha rocha, meu cuidador devoto, ou assim eu acreditava. Ele me alimentava, me dava banho, me carregava, seus braços fortes uma presença constante. Ele era a única janela para o mundo exterior, minha única conexão com uma vida que eu havia perdido.
Então Jade Tavares chegou. Ela era a nova assistente pessoal de Ricardo, que passaria a morar conosco, um furacão de eficiência e charme. Ela se movia com uma graça estranha, quase perturbadora, seu sorriso um pouco largo demais, seus olhos um pouco brilhantes demais. Havia algo nela, um brilho em seu olhar, um certo ângulo de sua mandíbula, que fisgava um canto esquecido da minha mente. Era uma dor fantasma, um sussurro de pavor que eu não conseguia identificar.
- Ela é excelente, não é, Helena? - Ricardo dizia, sua voz calorosa de aprovação enquanto Jade navegava sem esforço pela casa, me trazendo chá, organizando a agenda caótica de Ricardo. - Tão capaz. Uma verdadeira aquisição para a empresa.
Eu tentava expressar meu desconforto.
- Tem algo nela, Ricardo. Não consigo explicar, mas ela... ela me lembra alguém.
Ele descartava, com uma mão gentil na minha testa, uma risada desdenhosa.
- Você só não está acostumada com rostos novos, meu amor. Ficar presa aqui pode te fazer imaginar coisas.
Suas palavras, que deveriam acalmar, apenas amplificavam a suspeita que roía minhas entranhas. Eu odiava me sentir impotente, odiava ser ignorada.
Comecei a observá-la. Não abertamente, mas com a intensidade silenciosa de alguém cuja única moeda era a observação. Notei como ela às vezes se encolhia quando a buzina de um carro soava lá fora, um tremor sutil em sua mão quando servia água. Coisas pequenas, insignificantes para qualquer outra pessoa, mas para mim, eram pixels em uma imagem borrada lutando para ganhar foco. Uma tarde, enquanto ela estava ocupada no escritório de Ricardo, consegui manobrar minha cadeira perto o suficiente para espiar seu notebook aberto. Uma foto piscou para mim no papel de parede: uma jovem Jade sorridente, de braços dados com um homem. Minha respiração engasgou. Foi apenas um relance, uma imagem fugaz, mas foi o suficiente. O rosto do homem era mais velho, com rugas, mas inconfundível. Minha mente gritou. Horácio Tavares. O retrato falado do antigo arquivo da polícia, aquele que eles ainda não haviam fechado, aquele que Ricardo sempre se certificava de que eu nunca visse. O motorista que me atropelou e fugiu.
Uma onda quente de náusea me invadiu. Minhas mãos formigaram, depois ficaram dormentes. Minha visão embaçou, o quarto girando ao meu redor. Isso não era mais uma suspeita vaga. Era uma verdade concreta e aterrorizante. Meu corpo, já uma prisão, agora parecia estar me traindo ativamente, tremendo com uma mistura de choque e fúria incandescente. Eu queria gritar, quebrar o silêncio elegante desta casa, mas o som ficou preso na minha garganta, um suspiro doloroso.
Eu tinha que agir. Eu tinha que agir. Meu coração martelava contra minhas costelas, uma batida furiosa de desafio. Isso não era mais apenas sobre mim. Era sobre justiça. Meu primeiro pensamento foi confrontá-los, expor a mentira que havia apodrecido por tanto tempo. Afastei-me do notebook, as rodas da minha cadeira raspando suavemente no chão polido, um som que, em meu estado de alerta, parecia ensurdecedor. Agarrei os apoios de braço, meus nós dos dedos brancos, uma resolução feroz endurecendo meu olhar. Eu os faria pagar.
Manobrei-me em direção ao escritório de Ricardo, minha respiração saindo em arquejos irregulares. Cada curva parecia um esforço monumental, cada centímetro para frente uma batalha contra meu próprio corpo falho. Assim que cheguei à porta entreaberta, um murmúrio de vozes me parou. Era Ricardo. E Jade. Minha mão congelou no metal frio da minha cadeira.
- Tem certeza de que ela está acomodada, Jade? - A voz de Ricardo estava carregada de uma ansiedade frenética que eu nunca o ouvira dirigir a mim. - Não quero que ela crie problemas. Não agora.
- Ela está bem, Ricardo - Jade ronronou, sua voz escorrendo falsa preocupação. - Acabou de tomar sua vitamina da noite. Logo estará apagada.
Meu sangue gelou. Vitamina? Aquela que ele insistia que eu bebesse todas as noites para "recuperação". Recuperação que ele vinha sabotando o tempo todo?
- Você tem certeza disso, Ricardo? - outra voz, mais rouca, mais velha, interveio. Era o Sr. Medeiros, o parceiro de negócios de longa data de Ricardo, que costumava passar por aqui. - Manter a Helena sedada... É um jogo perigoso. E trazer o pai da Jade para o quadro, mesmo que apenas para escondê-lo... E se alguém descobrir?
- Ninguém vai descobrir! - Ricardo retrucou, sua voz agora um rosnado baixo e perigoso. - Eu cobri todas as pistas. E o Horácio está perfeitamente seguro, escondido. Ele não será um problema.
Horácio. O nome ecoou em minha mente, um toque de finados para minha sanidade.
- Mas por quê, Ricardo? - Sr. Medeiros pressionou, parecendo genuinamente perturbado. - Por que passar por tudo isso pelo pai da Jade? Você arriscou tudo.
Um suspiro, pesado de autopiedade e um senso arrepiante de possessividade, escapou dos lábios de Ricardo.
- Porque a Jade era... é o meu verdadeiro amor. A pessoa com quem eu deveria estar desde o início. O acidente... foi uma oportunidade. Horácio aleijou a Helena, sim, mas isso significava que a Jade precisava de mim. Ela estava tão perdida, tão vulnerável. Eu não podia deixar o pai dela ir para a cadeia, não se isso significasse perdê-la. A Helena foi apenas... um dano colateral.
O mundo inclinou. O ar saiu dos meus pulmões em um suspiro silencioso e agonizante. Meu verdadeiro amor. Dano colateral. As palavras ricocheteavam no meu crânio, um tango macabro de traição. Minha memória voltou ao seu toque terno, suas promessas sussurradas ao meu lado da cama. Tudo mentira. Cada uma delas. Ele não me protegeu; ele me usou. Ele não me curou; ele me aprisionou.
- E as vitaminas - continuou o Sr. Medeiros, sua voz mal um sussurro. - Você tem dado sedativos a ela? Para impedi-la de se recuperar?
- Ela estava ficando curiosa demais - disse Ricardo, com uma indiferença plana e aterrorizante em seu tom. - Sempre perguntando sobre o acidente, sempre tentando recuperar a mobilidade. Tornou-se um incômodo. Eu precisava dela quieta, previsível. Eu precisava que ela ficasse exatamente onde eu a coloquei.
Minhas mãos se fecharam, as unhas cravando em minhas palmas. Sedativos. Todas as noites. Todas as noites, por sete anos. A névoa em meu cérebro, o cansaço constante, o ritmo lento e agonizante da minha "recuperação" - tudo se encaixou com uma clareza doentia. Ele não estava apenas escondendo um criminoso; ele estava envenenando ativamente sua esposa.
- Não acredito em você, Ricardo - murmurou o Sr. Medeiros, sua voz cheia de nojo. - Você mudou. Você costumava ser honrado.
- Honra não constrói impérios, Medeiros - Ricardo zombou. - A Helena era... uma distração. Um rosto bonito com um corpo frágil. A Jade, por outro lado, sabe apreciar de verdade o que eu faço. Ela entende o sacrifício. - Ele fez uma pausa, uma risada cruel escapando dele. - A Helena sempre foi muito mole. Fraca demais. Uma boneca quebrada.
Meu peito se apertou, uma dor lancinante irradiando pelas minhas costelas. Fraca. Quebrada. O mesmo homem que jurou me proteger, que se apresentou como meu salvador, me via como nada mais que um inconveniente, um fardo. Todos aqueles anos, todas aquelas palavras de amor sussurradas, os beijos gentis, os abraços reconfortantes - eram uma performance. Uma ilusão meticulosamente elaborada para me manter dócil, dependente e totalmente inconsciente.
Um barulho repentino me fez pular. Minha cadeira raspou no chão novamente, e as vozes lá dentro pararam abruptamente. Tarde demais.
A porta do escritório se abriu. Jade estava lá, emoldurada na porta, um sorriso astuto e triunfante brincando em seus lábios. Seus olhos, aqueles olhos perturbadoramente brilhantes, encontraram os meus. Não havia mais pretensão de preocupação, apenas uma malícia fria e aberta.
- Ora, ora, veja o que temos aqui - ela arrastou as palavras, seu olhar percorrendo minha cadeira de rodas, um escárnio torcendo suas feições. - Ainda se agarrando à vida, queridinha?
Minha respiração engasgou. O termo desrespeitoso, entregue com tanto veneno, foi como um tapa na cara.
Ricardo apareceu atrás dela, seu rosto uma máscara de falsa preocupação, substituindo rapidamente a raiva que eu acabara de ouvir.
- Helena, o que você está fazendo aqui fora? Você sabe que não deve se esforçar demais.
Seu braço deslizou pela cintura de Jade, puxando-a para mais perto, um gesto possessivo destinado aos meus olhos. Jade se inclinou para ele, seu olhar nunca deixando o meu, uma declaração silenciosa de vitória.
Tentei falar, mas minha voz era uma coisa frágil, presa em minha garganta trêmula. Agarrei os apoios de braço da minha cadeira, meus nós dos dedos brancos, uma tentativa desesperada de me ancorar em um mundo que acabara de ser irrevogavelmente virado de cabeça para baixo.
- Ah, não se preocupe com ela, Ricardo - disse Jade, sua voz escorrendo uma doçura sacarina, seus olhos ainda fixos em mim. - Ela só está com ciúmes. Sempre esteve, não é? Presa na cadeira dela, nos vendo viver. - Ela soltou uma risada pequena e zombeteira. - Deve ser difícil, saber que você é apenas um fardo, enquanto alguns de nós realmente contribuem. - Ela fez uma pausa, seu sorriso se alargando. - Qual é o problema, Helena? Perdeu o apetite? Ou talvez a capacidade de se alimentar? Que pena, não é?
Suas palavras eram punhais, cada uma se torcendo na ferida fresca da traição de Ricardo. Ela estava gostando disso, se deleitando com minha dor. Sem outra palavra, ela se virou, puxando Ricardo gentilmente para seu escritório, a porta se fechando com um clique atrás deles, me deixando sozinha no corredor silencioso e ecoante.
Eu fiquei lá, congelada, o peso de suas palavras me esmagando. As imagens passavam em minha mente: os sorrisos enganosos de Ricardo, o olhar zombeteiro de Jade, a imagem do rosto de Horácio Tavares. A mansão, antes meu santuário, era agora um túmulo de mentiras. Meu quarto, com seus tapetes felpudos e iluminação suave, parecia sufocante. Eu precisava de ar. Eu precisava escapar.
Manobrei-me de volta para o meu quarto, o silêncio da casa grande pressionando sobre mim. Olhei para a foto na minha mesa de cabeceira – uma Helena mais jovem, vibrante e cheia de vida, ao lado de um Ricardo sorridente no dia do casamento. Um eco doloroso de uma vida que nunca foi real. Ele nunca me amou. Ele cobiçou meu nome, meu legado oculto, e então, achando-me convenientemente incapacitada, ele simplesmente me substituiu, tudo isso enquanto mantinha a farsa.
Cada ato de bondade, cada palavra amorosa, cada momento de suposto cuidado era uma performance, uma manipulação. Minha respiração engasgou. Ele me drogou. Ele sabotou minha recuperação. Ele planejou isso, meticulosamente, cruelmente. Sua ambição, seu cálculo frio, superava qualquer coisa que eu pudesse ter imaginado. Eu tinha sido um peão, um substituto, um adereço conveniente em sua peça distorcida.
Uma resolução fria e dura se instalou em meu coração, substituindo o desespero. As lágrimas pararam. O tremor diminuiu. Não havia mais dor, apenas um vazio arrepiante. Eu tinha sido tola. Eu tinha sido fraca. Mas não mais. A Helena Monteiro que eles conheciam, a herdeira quebrada e dócil, estava morta. O que restava era algo muito mais perigoso.
Minha mão alcançou o compartimento secreto na escrivaninha antiga, um segredo conhecido apenas por mim e minha família. Meus dedos se atrapalharam com o fecho, meu coração batendo com um ritmo novo e feroz – não de medo, mas de determinação. Era hora de tirar o disfarce, de reivindicar o que era meu.
Puxei meu telefone via satélite, uma relíquia da minha vida passada, mantido carregado em segredo. Meus dedos, enferrujados pelo desuso, discaram um número que eu não tocava há anos. Tocou uma, duas vezes, então uma voz familiar e autoritária atendeu.
- Helena? É você mesmo? - Meu irmão mais velho, Artur, sua voz embargada de emoção.
Minha voz, quando veio, era firme, fria e desprovida da vulnerabilidade que se agarrou a mim por tanto tempo.
- Sou eu, Artur. Preciso de você. Preciso da família. Chegou a hora.
Uma pausa, então sua voz, afiada e decisiva.
- Considere feito. Do que você precisa?
- Preciso sair. Agora - ordenei, meu olhar fixo nas paredes da mansão, cada uma agora um símbolo da minha libertação iminente. - E então, preciso de vingança.