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Entre Cadernos e Promessas do Amor

Entre Cadernos e Promessas do Amor

img Romance
img 5 Capítulo
img MariaAparecida
5.0
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Sinopse

Na pequena cidade de Vale Serena, onde as estações parecem seguir o ritmo das emoções adolescentes, Ana Clara e Miguel vivem universos paralelos - até que o destino os coloca na mesma sala, na mesma mesa, e, aos poucos, no mesmo coração. Ela, filha de uma professora exigente, sonha em ser escritora. Ele, o típico garoto que vive atrasado, mais preocupado com partidas de futebol do que com provas de química. Mas o que começa com implicâncias e bilhetes rabiscados nas folhas de um caderno, logo se transforma em uma conexão impossível de ignorar. Entre festas escolares, mensagens secretas e promessas feitas sob a luz suave do entardecer, eles vão descobrir que o amor pode ser simples, bobo, intenso - e real.

Capítulo 1 O Lugar da Janela

Aquela segunda-feira tinha cheiro de coisa nova. Era o começo do terceiro bimestre, mas para Ana Clara, parecia o primeiro dia de aula. Ela acordou cedo demais, como se o sol tivesse sussurrado no ouvido dela algo importante. Havia lavado o uniforme no dia anterior, separando cuidadosamente a camisa branca e a saia xadrez do colégio com um cuidado quase ritual. Não que ela gostasse da escola - gostava mesmo era do silêncio da biblioteca, da mesa no fundo da sala onde ninguém mais queria sentar, e de olhar pela janela como se o mundo lá fora fosse mais interessante que a lousa manchada de giz.

- Vai chegar cedo pra quê? - perguntou sua mãe, enquanto passava margarina no pão com movimentos distraídos. Era a professora de História da própria escola, o que significava que Ana Clara precisava manter sempre a postura de "filha perfeita". Um rótulo cansativo.

- Só quero um tempo antes da aula. Talvez... escrever um pouco - ela respondeu, sem encarar a mãe diretamente.

- Escrever o quê dessa vez? Aquela história de novo?

Ana Clara assentiu em silêncio. Ela vinha escrevendo uma história sobre uma menina que queria ser invisível - uma metáfora nada sutil sobre sua própria existência.

Na escola, o pátio ainda estava meio vazio quando ela chegou. Os corredores cheiravam a desinfetante, e o eco dos próprios passos fez com que se sentisse como uma personagem entrando num cenário ainda vazio, prestes a ser preenchido por figurantes barulhentos. Subiu as escadas até o terceiro andar e entrou na sala 203, a dela.

Sentou-se em seu lugar de sempre: a carteira junto à janela. De lá, dava para ver os galhos da árvore mais alta do pátio balançando suavemente ao vento. Ana Clara abriu o caderno e rabiscou os primeiros versos de um poema:

"Talvez o mundo fosse mais simples / se as janelas fossem portas / e os olhares, convites."

Ela sorria sozinha quando ouviu a voz do inspetor do colégio do lado de fora.

- Tem aluno novo na 203. Vê se alguém arruma um lugar pra ele.

Ana Clara não deu muita atenção, mas quando o garoto entrou, com a mochila jogada num ombro só e os cabelos desgrenhados caindo sobre a testa, sentiu uma espécie de interrupção na normalidade. Era como se o ar tivesse mudado. Ele não olhou para ninguém diretamente, mas seus olhos passearam pela sala até encontrar a carteira vaga ao lado de Ana Clara.

- Aqui tá vazio? - perguntou, com a voz grave e leve ao mesmo tempo.

Ela assentiu, surpresa com a pergunta. Quase ninguém escolhia sentar ao lado dela. Era como se houvesse uma aura de invisibilidade ao seu redor, como se as outras pessoas não a enxergassem realmente.

Ele se sentou sem cerimônia e ficou ali, sem dizer mais nada. Ana Clara voltou a escrever, mas a presença dele fazia as palavras parecerem deslocadas. Depois de alguns segundos, ele falou de novo:

- Meu nome é Miguel. Vim de São Vicente. Meu pai foi transferido.

Ela assentiu de novo, sem saber como responder. Até que disse:

- Ana Clara. Bem-vindo à Vale Serena.

- Nome bonito. Parece nome de personagem de livro.

Ela corou, como se ele tivesse lido sua alma.

- Eu gosto de escrever - murmurou, encarando o caderno. - Talvez eu seja uma personagem de mim mesma.

Ele riu, não de zombaria, mas como se tivesse entendido de verdade.

A aula começou. A professora de Matemática, dona Ivone, escreveu equações na lousa e pediu silêncio. Mas Ana Clara mal conseguia prestar atenção. Sentia a presença de Miguel como um campo magnético, e, ao mesmo tempo, se odiava por isso. Era só um garoto novo. Só mais um.

Mas naquele mesmo dia, no recreio, quando ela se refugiava como sempre na biblioteca, encontrou Miguel já lá, encostado numa estante de livros de geografia, como se procurasse por algo mais que mapas.

- Não sabia que vinha aqui também - ele disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

- Eu sempre venho. Fugir do barulho... ajuda a pensar.

- Eu também. Mas confesso que vim te procurar.

Ana Clara ficou paralisada por um segundo. Ninguém nunca dissera isso a ela. Não com aquela naturalidade.

- Por quê?

- Porque você tem cara de quem escuta com atenção. E eu... - ele fez uma pausa - preciso conversar com alguém que não fale só de likes e futebol.

Ela não sabia se aquilo era uma cantada ou só um desabafo, mas pela primeira vez em muito tempo, sentiu que alguém realmente estava vendo quem ela era.

Sentaram juntos à mesa do canto, entre prateleiras de livros antigos. Ele contou que sua mãe tinha ficado na cidade antiga, que sentia saudade da avó, que ainda estava se acostumando com o silêncio da casa nova.

- Parece que tudo ficou mais devagar aqui - ele comentou.

- Aqui o tempo anda no passo das folhas - ela respondeu, quase como poesia.

Ele a olhou de um jeito que ela não entendeu na hora, mas que mais tarde, naquela noite, repetiria várias vezes na mente antes de dormir.

Na semana seguinte, Miguel começou a chegar mais cedo também. Pegava o lugar ao lado dela e rabiscava desenhos no próprio caderno - rostos, paisagens, olhos que pareciam carregar histórias não ditas. Às vezes trocavam bilhetes durante as aulas, pequenas piadas ou perguntas como "Se você fosse uma cor, qual seria?" e "Você acredita que o destino tem rotas traçadas?"

Com o tempo, os colegas começaram a notar. Alguns cochichavam, outros zombavam. Mas Ana Clara e Miguel pareciam ter criado uma bolha invisível, onde só os dois existiam.

Numa sexta-feira de céu limpo, depois da aula de redação, o professor pediu que cada aluno lesse sua composição. O tema era: "O que me faz sentir vivo."

Ana Clara hesitou. O texto dela falava de encontros improváveis, de janelas que viravam portais, de olhares que acordavam partes adormecidas do coração. Quando terminou de ler, a sala estava em silêncio. Miguel foi o primeiro a bater palmas. E foi o único que não desviou o olhar dela.

Na saída, caminhavam lado a lado pelo corredor, como se aquele momento não pudesse acabar.

- Você escreve como se sentisse demais - ele disse.

- E você desenha como se quisesse entender o que sente - ela respondeu.

- Será que a gente sente a mesma coisa?

A pergunta ficou no ar. Ela não soube responder. Mas naquela noite, escreveu em seu diário:

"Ele me olha como se cada palavra minha fosse importante. E isso... me assusta."

Os dias se seguiram com uma rotina quase mágica. Mensagens trocadas à noite, promessas feitas em silêncio, mãos que quase se tocavam no intervalo. Até que, numa tarde de quinta-feira, o professor de arte pediu um trabalho em dupla. Miguel nem esperou o nome dele ser chamado.

- Eu fico com a Ana Clara - disse, encarando o professor e depois virando-se pra ela com um sorriso enviesado.

Foi naquele trabalho que se aproximaram de verdade. Passaram um sábado inteiro na casa dela, recortando revistas, ouvindo música e discutindo o tema: "Expressões da alma". A mãe de Ana Clara observava de longe, um pouco desconfiada, mas não disse nada. Miguel elogiava os livros da estante, fazia perguntas educadas e ajudava a lavar os pincéis. Um verdadeiro camaleão: parecia se adaptar a qualquer lugar.

No fim do dia, quando ele já se preparava para ir embora, ficou um momento parado no portão, com as mãos nos bolsos, olhando para o céu.

- Você acha que tudo isso vai durar? - ele perguntou, sem olhar diretamente para ela.

- O quê?

- Isso... nós. Esse clima. Essa... sintonia.

Ela sentiu o coração bater mais forte.

- Talvez a gente só precise deixar durar. Mesmo que dure pouco.

Ele sorriu. E disse:

- Então me promete que, se um dia tudo ficar confuso, você vai lembrar de hoje.

Ana Clara assentiu. Não disse nada, mas, por dentro, já sabia que estava presa ali. Naquele momento. Naquele olhar.

Naquele primeiro dia em que o mundo deixou de ser só seu - e passou a ser também dele.

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