Isadora
O vento da costa era tão gelado quanto o vazio que eu carregava no peito.
Estacionei o carro velho na entrada da propriedade. O portão de ferro rangia, e a casa no alto do morro parecia me observar. Não era uma construção bonita - era uma fera adormecida, esperando ser acordada.
Meu corpo inteiro hesitou. Talvez eu devesse voltar. Fingir que essa carta, essa herança maldita, nunca tinham existido.
Mas não voltei.
Abri a porta do carro. Respirei fundo o cheiro salgado do mar misturado ao mofo antigo. Cada passo que eu dava em direção à casa parecia ecoar séculos de histórias enterradas.
Quando toquei a maçaneta, a porta se abriu sozinha com um rangido baixo, como um convite. Ou um aviso.
Dentro, tudo era poeira, sombras e silêncio. Quadros antigos nas paredes, móveis cobertos por lençóis, memórias esquecidas em cada canto. Eu me sentia como uma estranha invadindo o lar de fantasmas.
Subi devagar os degraus rangentes até a sala principal. Meus dedos roçaram um velho piano, minhas botas afundaram em tapetes empoeirados.
Foi então que ouvi o som.
Passos.
Virei depressa, o coração disparando.
E vi ele.
A luz da tarde atravessava as janelas rachadas e desenhava no chão a silhueta de um homem.
Alto. Ombros largos. Tatuagens sombreadas nos antebraços nus. Barba por fazer. Cabelos escuros bagunçados. Um jeans velho e uma camiseta justa que parecia prestes a rasgar nos músculos dos braços.
Ele me olhou.
Não como um desconhecido.
Mas como se já me conhecesse.
Como se visse algo que nem eu sabia que existia em mim.
- Você é a nova dona da casa? - a voz dele era grave, arranhada como veludo rasgado.
Tentei falar. Não consegui. Minha garganta seca e o pulso disparado denunciavam o que minha boca não conseguia.
Ele sorriu de canto. Um sorriso perigoso.
- Bem-vinda à sua nova vida, pequena.
Pequena.
Nem meu ex me chamava assim.
O calor subiu pelo meu corpo tão rápido que fiquei tonta. Desviei os olhos, envergonhada, mas não consegui impedir a sensação de que, naquele instante, alguma coisa dentro de mim - algo adormecido, esquecido - começava a acordar.
E pela primeira vez em anos, percebi: eu não estava tão sozinha quanto pensava.
Não aqui.
Não com ele.