Miguel, meu irmão, estava na UTI, ligado a máquinas que apitavam assustadoramente.
O cheiro a antisséptico queimava as minhas narinas, e o frio do hospital envolvia-me.
Liguei ao meu marido, Leo.
A voz dele, impaciente, parecia falar do tempo, enquanto eu sufocava.
"O Miguel está no hospital," sussurrei.
Silêncio. Depois, um suspiro irritado.
Ele perguntou o que Miguel "fez desta vez", culpando-me por tê-lo deixado sozinho para viajar.
O apartamento de Miguel ardeu. Queimaduras em quarenta por cento do corpo. Os médicos não sabiam se sobreviveria.
Leo só pensou: "Merda! Isso vai custar uma fortuna. O seguro dele cobre isto?"
Ele veio ao hospital, mas não sozinho. Trouxe a irmã, Clara, que choramingava por causa do seu gato.
Clara confessou que Leo encontrou o gato dela em cinco minutos.
Cinco minutos que poderiam ter salvo o meu irmão.
Leo e a família dele defenderam Clara, culpando-me por não estar lá.
Depois, descobri que ele tinha esvaziado a nossa conta conjunta. Todo o dinheiro, transferido para Clara como "apoio familiar".
E a pior parte: a vizinha de Miguel viu Leo à porta do apartamento em chamas.
Ele tocou a campainha, olhou o telemóvel, encolheu os ombros e foi-se embora.
Ele mentiu. Ele esteve lá e escolheu abandoná-lo.
O choque transformou-se em raiva fria.
Como pôde ele escolher um gato e a sua irmã, em vez do meu irmão, que não consegue andar sem ajuda?
Na mediação, Clara, com o seu teatro de vítima, chamou Miguel de "peso morto" e disse que o incêndio foi uma "bênção disfarçada".
Leo ficou em silêncio.
E ali, soube. Não era negligência. Era uma escolha deliberada.
Voltei-me para a minha advogada.
"Não há acordo," disse. "Vamos a tribunal. Eu quero tudo."
Já não ia ser a gestora de recursos da sua irmã.
A minha vida estava prestes a mudar irrevogavelmente. E a dele também.