Ivy Duran
O ar pesado da capela parecia apertar meu peito, como se cada respiração custasse mais que a anterior. No centro da sala, o caixão da minha mãe estava cercado por flores que pareciam chorar junto comigo. Havia rosas brancas, lírios, algumas margaridas - todas vibrando numa tristeza que eu não conseguia processar. Meu olhar percorreu a sala lotada, tentando achar alguém que pudesse me dar algum conforto, algum ponto de apoio, mas tudo o que via eram rostos conhecidos e desconhecidos misturados em olhares de pesar e curiosidade.
No fundo da capela, meu pai, Vitorio Navarro, estava ali. Rígido, imóvel, com os braços cruzados como se sua postura pudesse proteger alguém - ou talvez a si mesmo. Ao lado dele, Miranda, minha madrasta, esbanjando aquele sorriso calculado que sempre me irritou, mesmo só de imaginar. E claro, o filho dela, Ezdra, que eu não queria nem olhar, mas meus olhos insistiam. Ele estava encostado na parede, mãos nos bolsos, cabelo perfeitamente bagunçado como se nada pudesse tocá-lo. Mas eu sabia: ele estava me observando. Sempre me observando.
A sensação de abandono me esmagou. Mãe, por que tu foi morrer agora? Por que me deixou sozinha com ele? Com eles? Com essa família que não me quer, que eu não quero. Meu coração gritava palavras que não consegui dizer em voz alta.
- Ivy. - A voz de meu pai cortou meu turbilhão de pensamentos. - Vem cá, filha.
Eu engoli o nó na garganta, ignorando o calor que subia às minhas bochechas. Não, eu não iria. Não agora. Não queria me aproximar do homem que havia se afastado de mim durante anos, que deixou minha mãe sozinha e agora tentava se portar como se nada tivesse acontecido.
- Pai... - minha voz saiu baixa, quase sussurro. - Por que você não fez nada quando ela precisou? Por que não esteve lá?
Ele franziu a testa, o olhar firme me atravessando, e eu senti cada palavra dele vir antes mesmo de sair:
- Ivy... eu tentei.
Eu dei um riso amargo, cheio de dor e desprezo.
- Tentou? Tentou o quê? - minhas mãos tremiam, mas eu não deixei que ele visse. - Onde você estava quando ela estava doente? Quando ela precisava de você? Você nem ligava!
O silêncio se espalhou pela capela. Alguns olhares se voltaram para nós. Eu não me importava. Não podia me importar. Meu pai respirou fundo, lentamente, tentando manter a calma.
- Eu... sei que falhei. Mas agora precisamos... - ele pausou, procurando palavras que pareciam não existir - ...precisamos nos apoiar. Um pelo outro.
Eu o encarei, incrédula, sentindo uma mistura de raiva, desgosto e uma pontada de saudade que não queria admitir.
- Apoiar um pelo outro? - repeti, com a voz mais firme agora. - Você quer dizer... apoiar você mesmo enquanto eu fico aqui sozinha?
Ele fechou os olhos por um instante, como se cada palavra minha tivesse cravado uma lâmina em seu peito. Mas ele não recuou.
- Não... não quero que fique sozinha. - Sua voz falhou por um instante. - Eu quero que esteja comigo. Que... a gente tente.
Eu respirei fundo, sentindo as lágrimas começarem a cair, quentes, ardendo na pele. Mas antes que pudesse responder, Ezdra se aproximou, passos lentos, arrogantes, mas curiosos. Parou ao meu lado, apoiando-se no parapeito do caixão, e soltou um comentário tão casual que me cortou como lâmina:
- Então essa é a mãe de quem todo mundo fala tanto...
Meus olhos se arregalaram. Olhei para ele, a boca aberta, mas nenhuma palavra saiu. Meu pai lançou um olhar de censura para o filho, mas ele apenas sorriu, desafiador.
- Não é engraçado. - eu disse, finalmente, tentando controlar a voz trêmula. - Ela era minha mãe. E você... você não sabe nada sobre isso.
Ezdra deu de ombros, aquele sorriso irritante de quem acha tudo divertido.
- Claro que sei. Todo mundo sabe. Mas... você está bem? Quer que eu... - ele fez um gesto vago, como se pudesse oferecer qualquer tipo de conforto - ...ajude de algum jeito?
Eu não sabia se ria ou chorava de raiva. O garoto era irritante, mas havia algo nele que me desarmava, algo que me dizia que ele não era apenas um idiota qualquer. Mas, ainda assim, eu não podia ceder. Não agora.
- Não preciso da sua ajuda. - Falei, afastando-me levemente. - E você não tem nada haver com isso.
Ele apenas me encarou, olhos escuros e profundos, como se estivesse lendo cada pedaço da minha alma. Então se virou, sem dizer mais nada, e se afastou, deixando-me ainda mais sozinha com meu próprio luto.
Meu pai suspirou, e finalmente falou, mais baixo, quase para si mesmo:
- Ivy... eu sei que errei. Mas agora... precisamos recomeçar.
Eu apenas balancei a cabeça, sem conseguir pronunciar uma única palavra. Como se "recomeçar" pudesse significar alguma coisa agora, depois da perda, depois de tudo que sentimos.
As flores ao redor do caixão pareciam mais pesadas do que nunca, e cada rosto que olhava para mim era uma lembrança de que nada mais seria igual. Eu sentia que o mundo inteiro havia mudado - e que, naquele instante, eu precisava decidir se iria lutar contra ele, ou simplesmente me deixar afogar na dor.
E enquanto meu coração sangrava, eu percebi que o pior ainda estava por vir.
Porque a convivência com eles - meu pai, a madrasta e o filho dela - não seria apenas difícil. Seria uma guerra. E, eu sabia, em algum lugar entre raiva e curiosidade, Ezdra seria meu maior problema... e talvez, meu maior desejo.
{...}