Carreguei a primeira palavra que pronunciei em dez anos como se fosse uma oferenda sagrada, pronta para surpreender o homem que salvou minha vida.
Mas, pela fresta da porta do escritório, ouvi Jonas dizer ao seu Subchefe que eu não passava de uma corda no pescoço dele.
- A Grazi é um fardo - disse ele, com a voz gelada. - Não posso me tornar o Don sendo babá de uma fantasma muda. A Letícia traz poder. A Grazi não traz nada além de silêncio.
Ele escolheu se casar com a Princesinha da Máfia pelas rotas comerciais do pai dela, me descartando como se eu fosse entulho.
Mas a verdadeira traição não aconteceu naquele escritório. Aconteceu na mata, durante uma emboscada.
Com balas voando e a lama deslizando sob nossos pés em direção a um barranco, Jonas teve que fazer uma escolha.
Eu estava ferida, presa no fundo. Letícia gritava no topo do cume.
Ele olhou para mim, murmurou "Sinto muito" e virou as costas.
Ele puxou Letícia para a segurança para garantir sua aliança. Ele me deixou para morrer sozinha na lama congelante.
Fiquei deitada lá no escuro, percebendo que o homem que jurou um pacto de sangue para me proteger havia trocado minha vida por uma cadeira política.
Ele achou que o silêncio finalmente me engoliria por inteira.
Ele estava errado.
Eu rastejei para fora daquela cova e desapareci do mundo dele completamente.
Três anos depois, voltei para a cidade, não como sua protegida quebrada, mas como uma artista de renome mundial.
Quando Jonas apareceu na minha galeria, parecendo destruído e implorando por perdão, eu não usei a língua de sinais.
Olhei no fundo dos olhos dele e falei.
- A garota que te amava morreu naquele barranco, Jonas.
Capítulo 1
Ponto de Vista da Grazi
Carreguei a primeira palavra que falei em uma década na ponta da língua como uma oferenda sagrada.
Era frágil, pronta para ser presenteada ao homem que havia salvado minha vida.
Mas então, através da fresta na porta, ouvi ele dizer ao Subchefe que eu não passava de uma corda no pescoço dele.
A porta da sala de terapia estava entreaberta, apenas uma fração de centímetro.
Era espaço suficiente para a verdade deslizar e me destruir por dentro.
O Dr. Esteves tinha acabado de sair pela porta dos fundos, com o rosto radiante de orgulho profissional porque minhas cordas vocais estavam finalmente obedecendo aos comandos do meu cérebro.
Ele me disse para ir surpreender o Jonas.
Ele disse que o herdeiro dos Vitiello ficaria orgulhoso.
Eu tinha praticado a palavra por semanas.
*Jonas.*
Apenas o nome dele.
Eu queria que fosse a primeira coisa a quebrar o silêncio que me aprisionava desde que o carro-bomba levou meus pais e roubou minha voz quando eu tinha oito anos.
Fiquei parada no corredor da mansão Vitiello, apertando a bainha do meu vestido até meus nós dos dedos ficarem brancos.
Minhas mãos tremiam.
Arrastei-me para mais perto do feixe de luz que cortava a fenda.
Jonas estava lá.
Ele estava sentado na beirada da mesa de mogno, desmontando uma Glock 19 com a graça letal e treinada de um homem nascido no sangue.
Marcos, seu segundo em comando, servia uísque.
- O Don está perdendo a paciência, Jo - disse Marcos, o copo tilintando contra a garrafa. - Ele quer a expansão do território finalizada, mas está preocupado com suas... distrações.
Eu sorri.
Eu era a distração.
Eu era a protegida que ele tirou dos destroços em chamas.
Eu era a garota que ele jurou proteger com um pacto de sangue.
Eu estava prestes a empurrar a porta.
- Não é uma distração, Marcos. É um fardo - corrigiu Jonas, com a voz monótona.
Minha mão congelou na madeira.
A voz dele não soava como o estrondo gentil que eu ouvia quando ele lia para mim à noite.
Era fria.
Era a voz de um Capo em espera.
- A Grazi é uma corrente no meu pescoço - continuou Jonas, passando um pano sujo de óleo pelo cano da arma. - Não posso me tornar um Homem Feito enquanto sou babá de uma fantasma. O Don acha que sou fraco porque estou amarrado a uma muda que nem consegue gritar por socorro.
O ar no corredor desapareceu.
Meus pulmões bombeavam, mas nada entrava.
- Então corte a corda - disse Marcos, tomando um gole lento. - Mande-a para uma clínica na Suíça. Case com a Letícia Moretti. O pai dela controla o porto.
Eu esperei.
Esperei que Jonas desse um soco nele.
Esperei que ele dissesse que eu era família.
Jonas remontou o ferrolho na armação.
*Click-clack.*
- Estou considerando - disse ele. - A Letícia é uma dor de cabeça, mas traz poder. A Grazi... A Grazi não traz nada além de silêncio.
Ele riu.
Foi um som curto e seco.
- Às vezes olho para ela e só vejo os destroços - disse ele, inspecionando a mira. - Estou cansado de olhar para destroços.
Dei um passo para trás.
Meus saltos não faziam som no tapete felpudo.
Eu era a Fantasma, afinal.
Toquei minha garganta.
A palavra *Jonas* ainda estava lá, pesada e inútil na minha língua.
Eu a engoli.
Tinha gosto de cinzas.
Virei-me e caminhei pelo longo corredor vazio, passando sob os retratos de homens mortos que mataram por lealdade.
Não chorei.
As lágrimas que guardei para minha recuperação secaram instantaneamente.
Percebi que o Dr. Esteves estava errado.
Eu não ia falar com o Jonas hoje.
Eu não ia falar com ele nunca mais.
O Passarinho Quebrado de quem ele reclamava estava morto.
Ela morreu naquele corredor.
E a mulher que se afastou era alguém que ele nunca conheceu.