Eu fiquei ao lado dele naquela época, engolindo a humilhação e os avisos das minhas amigas. Eu até o perdoei pelo aborto espontâneo que seu surto de violência causou. Ele jurou que tinha acabado, que nosso futuro, nossa família, era tudo o que importava.
Mas enquanto eu assistia ao vídeo dele a arrancando do altar, suas promessas ecoavam como uma piada cruel. Ele me abandonou de novo, à beira do nosso sonho, pela mesma mulher.
Meu amor por ele, uma constante por quinze anos, finalmente secou. Isso não foi apenas mais uma traição; foi o fim.
Peguei o telefone, minha mão firme. "Gostaria de cancelar minha consulta para a fertilização in vitro", disse à clínica. "E agendar um aborto. O mais rápido possível."
Capítulo 1
Audra Viana POV:
O cheiro de açúcar queimado encheu a cozinha, mas não era a pior coisa queimando naquele dia. Meu celular vibrou, depois vibrou de novo, um ritmo insistente e desesperado contra a bancada de mármore impecável. Eu estava mexendo o delicado crème brûlée, preparando a sobremesa favorita do Heitor para comemorar nosso próximo ciclo de fertilização in vitro. Uma refeição especial para uma ocasião especial.
A primeira mensagem foi da Sara, um print de um vídeo viral. "Audra, você já viu isso? É o... Heitor?"
Antes que eu pudesse abrir, outras dez mensagens inundaram meu celular. A tela explodiu com notificações, cada uma delas uma pontada aguda na minha calma tarde de domingo. Havia links para notícias, prints de comentários e uma enxurrada de mensagens de "Você está bem?" das minhas amigas. Todas apontavam para a mesma coisa.
Toquei no link do vídeo, meu coração batendo surdo contra minhas costelas. A filmagem granulada mostrava uma igreja, um casamento. E então, Heitor. Meu noivo, Heitor Dantas, um homem que amei por mais de uma década, invadindo o corredor como um louco, arrancando uma mulher no meio dos votos. Kiera Matos. A artista incompreendida de quem ele sempre dizia ter "pena". A mulher cujo casamento ele acabara de invadir.
Os comentários abaixo rolavam sem parar. "Não é o Heitor Dantas, o gênio da tecnologia? O que ele está fazendo?" "Meu Deus, é a Kiera Matos! Ele não fez algo parecido por ela antes?" "Isso está me dando um déjà vu. Três anos atrás, ele literalmente espancou um cara por ela."
Três anos. O número ecoou na minha cabeça, frio e preciso. Três anos atrás, Heitor, a estrela em ascensão do mundo da tecnologia, tornou-se infame da noite para o dia. Não por suas inovações, mas por uma briga pública. Ele havia agredido um homem, violentamente, na frente de uma galeria de arte, tudo porque alguém supostamente insultou a arte de Kiera. Foi um espetáculo, transmitido em todos os canais de notícias, dissecado em todas as redes sociais. Meu Heitor. Meu polido e charmoso Heitor, reduzido a uma besta primitiva e furiosa por ela.
Lembrei-me das manchetes: "CEO de Tecnologia em Surto Violento por Musa Artista". O público se dividiu. Alguns o chamaram de herói, um protetor apaixonado. Outros o chamaram de desequilibrado. Eu apenas o chamava de meu.
Alguém no feed de comentários ao vivo até citou sua declaração apaixonada e bêbada daquela noite: "Ninguém toca na Kiera! Ela é minha! Minha responsabilidade! Meu anjo sofredor!" Eu fiquei ao seu lado então, convencida de que era uma loucura passageira, um ato equivocado de cavalheirismo. Minhas amigas me avisaram. Meu instinto gritou. Mas meu amor por ele, aquele amor profundo e enraizado, silenciou tudo.
Minha mão, ainda segurando a colher, tremeu violentamente. A delicada tigela de cerâmica escorregou dos meus dedos, estilhaçando-se no chão de porcelanato. Minha mão nua instintivamente se esticou para me firmar, pousando direto na boca ainda quente do fogão. Um chiado agudo. O cheiro de pele queimada encheu o ar, misturando-se com o aroma doce do açúcar caramelizado. Mas eu não senti nada. Nenhuma dor. Apenas uma dormência profunda e sufocante que começou no momento em que vi Heitor naquele vídeo.
Minha visão embaçou, não por lágrimas, mas pelo peso de tudo aquilo. Eu precisava ligar para ele. Eu tinha que ligar. Meu polegar desajeitadamente percorreu a tela, encontrando seu contato. O telefone tocou uma, duas vezes, e então a voz feminina familiar e distante: "O número para o qual você ligou está indisponível no momento. Por favor, deixe uma mensagem."
Uma risada seca e engasgada escapou da minha garganta. Era um som oco, vazio como as promessas que ele havia feito esta manhã. Apenas algumas horas atrás, ele estava nesta mesma cozinha, me abraçando forte, sussurrando sobre nosso futuro. "Desta vez, Audra", ele prometeu, seus lábios roçando meu cabelo, "desta vez, é de verdade. Nossa família. Tudo." Ele disse isso com tanta convicção, seus olhos espelhando minha própria antecipação esperançosa.
Ele jurou por nossa década de história, por nossos sonhos compartilhados, pelo próprio amor que nos unia. Ele me prometeu que tinha acabado com Kiera, que ela era um erro, um fantasma de pena mal colocada. Eu acreditei nele. Tolamente, desesperadamente, eu acreditei nele.
Agora, enquanto a voz robótica repetia sua mensagem fria, senti uma estranha sensação de clareza. Minhas emoções, antes um oceano tumultuado, recuaram, deixando para trás uma costa árida e silenciosa. Não havia mais raiva, nem lágrimas, nem a dor familiar no peito. Apenas um esgotamento tão profundo que parecia que minha alma havia sido arrancada. Isso não era raiva; era o desespero silencioso de um poço que secou completamente. Não era a primeira vez que ele me decepcionava, longe disso. Mas esta era a última.
Com calma, enxaguei minha mão queimada em água fria, observando a pele formar bolhas. Era uma ferida pequena, quase insignificante em comparação com o abismo aberto no meu peito. Meus movimentos eram lentos, deliberados. Limpei a cerâmica quebrada, varri os cacos para o lixo. O crème brûlée, agora esquecido, esfriava na bancada, um monumento trágico a um futuro que nunca seria.
Meus dedos, ainda um pouco dormentes, encontraram o número da clínica nos meus contatos. Eu disquei. A voz alegre da enfermeira atendeu.
"Sim, aqui é Audra Viana. Gostaria de cancelar minha consulta de fertilização in vitro agendada para a próxima semana." Minha voz estava firme, uniforme.
Houve uma pausa do outro lado da linha. "Ah, Sra. Viana, está tudo bem? Talvez possamos reagendar? Você esperou tanto por isso."
"Não", ouvi a mim mesma dizer, a palavra seca e final. "Não precisa reagendar. E... eu gostaria de agendar um aborto. O mais rápido possível."
Outro silêncio atordoado. "Sra. Viana, tem certeza? Nós podemos-"
"Sim, tenho certeza", cortei-a, minha voz ganhando um tom gélido de aço. "Apenas... acabe com isso."
A linha ficou quieta por um momento longo demais. "Claro, Sra. Viana. Vou ver o que posso fazer para amanhã de manhã."
Amanhã. Um novo dia. Um novo começo, forjado das cinzas de uma vida que eu não suportava mais.