O vento gelado me abraça assim que saio do aeroporto. Respiro fundo. Aquela cidade estranha - tão longe de tudo que eu conhecia - agora é meu novo lar.
Confiro no celular o endereço do hotel, ergo a mão e paro um táxi. No exato instante em que abro a porta, a do lado oposto se abre também.
- Rua das Acácias, por favor. - A voz masculina, firme, preenche o carro.
Viro, franzindo a testa.
- Esse táxi já está ocupado. - Minha voz sai firme... mas trêmula.
Ele me encara, e por um segundo, o ar some dos meus pulmões. Olhos negros, intensos, frios. Maxilar marcado, cabelos escuros desalinhados. Nada nele se abala.
- Ok. - Dá de ombros, olhando pro motorista. - Estou com pressa. Pode seguir.
Cerro os punhos. A audácia. Como se eu já não tivesse passado o suficiente nas últimas horas.
- Se está com tanta pressa, sugiro que encontre outro táxi. Esse já tem dona. - corto, amarga.
Ele acende um cigarro, jogando os fios de cabelo pra trás com um movimento irritantemente elegante. Me lança um sorriso torto, cínico... e, de algum jeito, perigosamente bonito.
- Isso é tudo?
Prendo a respiração, unhas cravando nas pernas. Eu deveria estar chorando, implorando por uma trégua da vida... Mas não. Estou discutindo por um táxi.
- Eu não vou a lugar algum com você nesse carro. - solto, amarga.
Ele ri. E aquele som... deveria me irritar, mas em vez disso, me arrepia. Tem algo nele que provoca e, ao mesmo tempo, alerta. Um sorriso limpo, insinuante... Mas os olhos? Sombras puras.
- E o que você tá esperando? - traga, soltando a fumaça. - Desce.
Abro a boca, pronta pra despejar nele tudo que me sufoca desde... Desde que encontrei meu noivo na cama com a minha própria irmã. A cena pulsa como uma ferida aberta. As promessas, as mentiras, tudo implodiu em questão de minutos. Ele me acusou. Disse que eu o traí. Quando, na verdade, foi ele quem destruiu tudo.
Fugir foi tudo que me restou. Antes que aquela cidade me destruísse também.
- Calma! - o motorista se mete, nervoso. - Dá pra resolver. Moça, pra onde você vai?
Respiro fundo, engolindo o orgulho.
- Grand Palace Hotel.
O motorista sorri, aliviado.
- Ótimo, é caminho do nosso amigo aqui. Levo os dois.
Cruzo os braços, bufando, olhando praquele homem. Ele traga o cigarro, olhando pela janela, indiferente. A decisão é minha.
Cedo.
- Tudo bem. - Minha voz sai mais rouca do que queria.
O táxi arranca. Observo a cidade pela janela, estranha, desconhecida... e, de repente, tudo o que eu sou também me parece estranho.
- E você, senhor? - o motorista pergunta, quebrando o silêncio. - Vai pra onde?
Ele joga a bituca pra fora.
- Cemitério das Flores.
Me viro pra ele, surpresa. E só então percebo os detalhes. Terno preto, impecável. Expressão dura. Olhar vazio. Está indo pra um funeral.
Meu peito aperta.
- De quem...? - escapa, sem que eu consiga evitar.
Ele me olha, como se não esperasse a pergunta.
- Isso não soa inconveniente?
- Estar nesse táxi também é. - rebato.
Por um segundo, quase vejo um sorriso. Mas evapora rápido.
- Minha esposa. - A voz vem seca, cortante.
Sinto meu corpo enrijecer.
- Eu... sinto muito. - murmuro, sincera.
Ele me observa por longos segundos. Então, seus lábios se curvam. Não em tristeza. É algo mais... sombrio.
- Não sinta. - abre a porta, já saindo. - Estou aliviado que ela finalmente morreu.
Congelo.
Antes que eu processe, ele desce e desaparece, caminhando na direção do cemitério. Deixa pra trás o cheiro de cigarro... e um rastro de mistério que me arrepia até os ossos.
Viro pra janela, tentando entender o que acabou de acontecer, quando algo no banco me chama atenção. Um brilho prateado.
Pego. Um isqueiro elegante, pesado, com iniciais gravadas em baixo relevo: J.B.
Olho pra fora. A silhueta dele some entre os portões do cemitério.
E, no fundo, algo me diz que esse encontro... não foi acaso.