O cheiro de feno e terra molhada era a única coisa que a mantinha sã.
Isabela passou a mão pela crina sedosa de Eclipse, o puro-sangue castanho que era seu xodó, sentindo a familiar textura sob seus dedos. Fora ali, no haras de seu pai, que ela construiu sua vida - um mundo de trabalho duro, paixão incondicional e um amor simples pelos animais. Mas agora, esse mundo estava à beira do precipício. Uma dívida impagável, um trato que ela nunca imaginou fazer, um casamento arranjado.
Ela sabia que devia ir. Seu pai já havia chamado três vezes, a voz carregada de uma urgência que ela raramente ouvia. "Isabela, o Dr. Medeiros está esperando. Não podemos nos atrasar."
O Dr. Medeiros era, na verdade, o advogado do avô de Rafael. Para ela, essa formalidade só reforçava a distância. Tudo era frio e calculista, desde o acordo até o homem que o havia concebido.
Jogou o feno restante na cocheira e respirou fundo, tentando controlar a raiva que subia à garganta. Era injusto. Ela, recém-formada em Medicina Veterinária, com um futuro brilhante e um sonho de montar seu próprio santuário, sendo forçada a um acordo por causa de um erro que nem sequer foi dela.
"Isabela!" a voz de seu pai ecoou, mais perto desta vez. Ela se virou para encará-lo, o olhar firme.
"Estou indo, pai. Já entendi que meu futuro foi leiloado para o herdeiro de uma família que nem conheço."
A dor e o cansaço no rosto dele eram evidentes. "Não fale assim, filha. É um sacrifício. Para nós. Para a fazenda."
Ela assentiu, a teimosia em seu olhar. "Um sacrifício, sim. Mas só para um lado."
O escritório na Avenida Faria Lima era como um mausoléu de vidro e aço. Silencioso, frio e com um ar tão opressor que Isabela sentiu falta do cheiro de esterco e suor dos cavalos. A sala de reunião era ainda pior. Uma mesa enorme de mogno, cadeiras de couro preto e, na ponta oposta, um homem que parecia ter sido esculpido em mármore.
Rafael Albuquerque era a personificação da palavra "impecável". O terno de alfaiataria cinza escuro, a camisa de seda, os cabelos negros perfeitamente penteados e a barba cerrada que delineava um queixo quadrado e inflexível. Seus olhos castanho-escuros pareciam analisar cada centímetro dela, sem emoção alguma, como se ela fosse apenas mais uma cláusula no contrato.
Isabela, com seus jeans surrados, a camiseta branca e as botas de montaria, sentiu-se completamente deslocada. O contraste era tão gritante que era quase cômico.
O Dr. Medeiros pigarreou, quebrando o silêncio. "Isabela, este é o senhor Rafael Albuquerque. Rafael, esta é a senhorita Isabela Monteiro."
Rafael mal assentiu com a cabeça, seus olhos fixos em uma pasta à sua frente. "Podemos ir direto ao ponto?" Sua voz era grave e monótona, sem um pingo de cordialidade.
O pai de Isabela, nervoso, começou a explicar a situação, as dívidas, o legado da família. Mas Rafael o interrompeu sem cerimônia.
"Não perca nosso tempo, Dr. Pereira," ele disse, referindo-se ao advogado de Isabela. "O contrato já está redigido. A cláusula principal é simples: para assumir o controle do conglomerado, preciso de um casamento de, no mínimo, um ano."
Isabela se mexeu na cadeira, a irritação crescendo. Ele falava dela como se fosse uma peça de xadrez.
"E por que um ano?", ela questionou, sua voz firme, surpreendendo a todos.
Rafael finalmente levantou o olhar. "É o prazo estipulado no testamento de meu avô. Acredito que ele queria garantir que eu não me casasse por um motivo puramente financeiro e que a aliança fosse duradoura."
Uma aliança. Era isso. Uma aliança forjada com desespero.
Isabela o encarou, seus olhos verdes encontrando a frieza dos dele. "E o que eu ganho com isso? Uma cláusula para me livrar depois de um ano?"
Um leve sorriso, quase imperceptível, surgiu nos lábios de Rafael. "Você ganha a liquidação de todas as dívidas de sua família. E, após o período, um capital para construir o seu haras. Mas a cláusula que a liberta depende de uma cláusula de fidelidade de sua parte. Eu não quero escândalos."
A audácia dele a chocou. Ele não apenas a comprou, mas exigia que ela agisse como se fosse um produto de sua propriedade. O "gênio forte" de Isabela falou mais alto.
Ela se levantou abruptamente, as mãos na mesa, inclinando-se para frente. "Escute aqui, senhor Rafael Albuquerque. Eu não sou um item na sua lista de tarefas. E se o senhor acha que pode me controlar, está muito enganado. Eu entro nesse circo por causa do meu sonho e da minha família, mas não me venha com papo de fidelidade ou escândalos. Eu não serei sua marionete."
O silêncio na sala foi tão pesado que se podia cortar com uma faca. Os advogados e o pai de Isabela ficaram petrificados. O rosto de Rafael, pela primeira vez, parecia ter perdido a máscara de frieza, uma surpresa quase invisível em seus olhos.
Ele a olhou por longos segundos, medindo a sua teimosia, a sua força. E então, sem que ninguém esperasse, ele fez a única coisa que poderia abalar o mundo dela de verdade. Ele sorriu. Não um sorriso amigável, mas um de predador, que sabe que tem o controle da situação.
"Interessante," ele disse, a voz ainda grave, mas com uma nova camada de desafio. "O acordo é este. Tome seu tempo para pensar. Ou não. Já está selado."