Mais tarde, depois de me acusar falsamente de machucá-la, ele arrastou meu corpo ferido até um tanque de hidroterapia gelado e me afundou na água.
Enquanto eu lutava para respirar, ele se inclinou sobre mim, sua voz um rugido de comando.
"Se você tocar nela de novo, eu vou arrancar seu nome e te transformar em uma Renegada."
Ver o homem que eu amava tentar me matar fez com que a última gota da minha esperança finalmente virasse cinzas.
Naquela noite, eu aceitei uma oferta para me juntar à Alcateia da Mata Prateada.
Então, caminhei até a forja e joguei cada lembrança que ele já me deu nas chamas, observando a garota que o amava queimar para sempre.
Capítulo 1
Ponto de Vista de Lia:
O aroma de ervas-da-lua e creme doce enchia minha pequena cozinha. Era um cheiro calmante, um que passei semanas aperfeiçoando. Esta era a noite anterior ao meu aniversário de dezoito anos, a noite antes da minha Primeira Transformação. Mas, mais importante, era a noite em que eu finalmente ofereceria meu coração, assado em um bolo, ao meu Alfa. A Caio.
Minha loba, ainda adormecida dentro de mim, ronronou de contentamento. Ela sabia, assim como eu. Caio era nosso. A Deusa da Lua havia entrelaçado nossas almas muito antes de nascermos. Eu sentia isso toda vez que ele passava, uma atração tão forte que era uma dor física no meu peito.
Coloquei o bolo finalizado cuidadosamente em uma caixa de transporte. A cobertura era da cor do céu da meia-noite, com delicados cristais de açúcar prateados espalhados como estrelas. Estava perfeito.
Minhas mãos tremiam um pouco enquanto eu caminhava em direção à ala principal da casa da alcateia, onde ficavam os escritórios do Alfa. Ele sempre trabalhava até tarde, gerenciando o vasto império corporativo que era a face pública da Alcateia da Lua Negra em Curitiba.
Ao me aproximar de seu escritório, um cheiro estranho atingiu meu nariz. Era fraco, mas inconfundível. Leite, talco de bebê e o cheiro doce e inocente de um filhote de lobo. Um bem novinho. A confusão me picou. Não havia novos filhotes na alcateia que eu soubesse.
Diminuí meus passos, meus ouvidos se esforçando. A pesada porta de carvalho de seu escritório estava ligeiramente entreaberta. Vozes saíam de lá - o tom profundo e autoritário de Caio, e a voz suave de seu Gama, Jairo.
"Você tem certeza disso, Alfa?" Jairo perguntou. "Parece... cruel."
Meu coração começou a martelar contra minhas costelas. Pressionei-me contra a parede de pedra fria, prendendo a respiração.
"É o único jeito de fazê-la entender," a voz de Caio era gélida, desprovida do calor que eu tantas vezes imaginava. "Ela precisa ver que eu tenho uma companheira. Uma família. Então ela finalmente vai se afastar."
Um sentimento de vazio se abriu em meu estômago. Ele estava falando de mim.
Então, um pensamento novo e frágil roçou minha mente. Não era um Link Mental completo, mais como um sussurro ao vento, um efeito colateral da minha iminente Transformação. Meus sentidos estavam se aguçando, quebrando barreiras que eu não sabia que existiam.
*O filhote Renegado está dormindo. A Sofia se saiu bem em encontrar um que não fizesse cena.* Era o pensamento de Caio, claro como o dia na minha cabeça.
*A Sofia é a pessoa certa para você, Alfa,* Jairo enviou de volta, sua voz mental cheia de lealdade. *Todo mundo sabe disso.*
A caixa do bolo de repente pareceu impossivelmente pesada. Sofia. A bela guerreira de alto escalão que ele sempre favoreceu. Eles estavam planejando encenar uma família falsa, usando um filhote Renegado emprestado, apenas para se livrar de mim. Para esmagar minha esperança para que ele pudesse ficar com ela.
E então veio o golpe final, um pensamento de Caio tão poderoso, tão cheio de emoção crua que pareceu um golpe físico. Seu lobo interior, uma fera lendária, rugiu em minha mente.
*Sofia é MINHA! Não vou permitir que uma Ômega fraca e patética seja minha Luna!*
A caixa escorregou dos meus dedos dormentes. Atingiu o chão de mármore com um baque suave e nauseante. O bolo lindo, meu coração, minha esperança - tudo se estilhaçou.
Uma dor diferente de tudo que eu já conheci me rasgou. Não era apenas meu coração se partindo; era meu corpo. Meus ossos pareciam estar em chamas, se torcendo e quebrando. Minha visão embaçou. A Primeira Transformação. Estava acontecendo agora, desencadeada pela força pura da minha agonia.
Eu não podia deixá-los me ver assim.
Ignorando a dor lancinante, eu me arrastei para longe, engolindo um soluço enquanto fugia da casa da alcateia e mergulhava na escuridão da floresta ao redor. Cada passo era uma tortura. Senti minha espinha se alongar, minhas articulações se deslocando e se encaixando em posições novas e desconhecidas. Um grito rasgou minha garganta, mas saiu como um uivo gutural e dolorido.
Na névoa de agonia, uma memória surgiu. Eu tinha dez anos, encurralada por um lobo Renegado. Caio, apenas um adolescente na época, apareceu como uma sombra, despachando o Renegado com eficiência brutal. Ele me encontrou chorando, meu joelho arranhado e sangrando, e colocou uma barra de chocolate da Garoto na minha mão. Seu toque enviou um choque através de mim, e seu cheiro - pinho e geada de inverno - acalmou minha alma aterrorizada. Aquele foi o momento. O momento em que eu soube.
Agora, aquela doce memória era veneno, transformando minhas entranhas em cinzas.
A transformação se completou. Caí no chão da floresta, minha respiração saindo em arquejos irregulares. Olhei para minhas patas. Eram enormes, cobertas por um pelo tão branco quanto a neve recém-caída. Uma loba ancestral. Uma loba branca. As lendas eram reais.
Um uivo lúgubre escapou dos meus lábios, um som de puro e absoluto coração partido. Meus novos e poderosos sentidos captaram a rede de Link Mental da alcateia. Eu me concentrei, empurrando através da dor, e encontrei meu irmão.
*Renan,* enviei, minha voz mental rouca e quebrada.
*Lia? O que há de errado? Eu posso sentir sua dor!* Sua preocupação era um cobertor quente no frio.
*Estou bem,* menti. *Diga ao Alfa... diga a ele que aceito a oferta de estudar fora. Vou para o território da Alcateia da Mata Prateada. Partirei assim que puder.*
Cortei o link antes que ele pudesse fazer mais perguntas. Voltar à forma humana foi igualmente doloroso. Nua e tremendo, manquei de volta para minha pequena cabana na beira das terras da alcateia.
Ao entrar, um som ressoou em minha cabeça. Uma mensagem formal de Link Mental do meu Alfa.
*Encontrei minha companheira. E nosso filho.* A mensagem era curta, profissional. Uma imagem brilhou em minha mente: uma pequena pata de lobo peluda. *Este é um convite para nossa Cerimônia de Acasalamento.*
Meus dedos se fecharam em punhos. Ele nem teve a decência de me dizer na minha cara. Ele estava tornando oficial. A mentira. A alcateia inteira veria.
Minha própria dor não importava mais. Apenas a sobrevivência.
Respirei fundo, compondo minha resposta, tornando-a tão vazia e obediente quanto ele acreditava que eu era.
*Sim, meu Alfa.*
Então, caminhei até a pequena forja que meu pai costumava usar. Um por um, juntei cada lembrança de Caio. A adaga de treinamento que ele me deu no meu décimo sexto aniversário. Uma velha camisa tática dele que eu havia roubado da lavanderia. A embalagem desbotada daquela primeira barra de chocolate.
Sem pensar duas vezes, joguei tudo nas chamas. Observei-os queimar até não serem nada além de brasas brilhantes, os últimos vestígios de uma garota que ousou amar um Alfa que nunca a amaria de volta.
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