Peguei minha mochila gasta e desci, inspirando o ar gelado da manhã. O frio aqui era diferente - cortante, como se tentasse arrancar um pedaço de mim.
Nova cidade, nova escola, nova chance de recomeçar.
Ou pelo menos era isso que eu tentava acreditar.
A Sierra Creek High School se erguia à frente, um prédio de tijolos escuros cercado por árvores altas.
Parecia saída de um filme antigo.
Os alunos se aglomeravam na entrada, rindo, conversando, e... me observando.
A nova garota sempre chama atenção, mesmo quando tenta desaparecer.
- Você é a nova, né? - perguntou uma menina de cabelo loiro trançado. - Sou a Maya. Se precisar de ajuda, é só me chamar.
Sorri, aliviada por um pouco de gentileza naquele mar de estranhos.
Mas antes que eu pudesse responder, a conversa morreu no ar.
Um silêncio leve, quase imperceptível, espalhou-se entre os alunos.
Foi então que eu o vi.
Ele atravessava o portão devagar, como se o tempo se curvasse ao redor dele.
Jaqueta preta, mochila pendurada em um ombro só, e olhos cinzentos - frios, mas hipnotizantes.
Por um segundo, juro que o ar pareceu mudar.
- Esse é o Noah Blackwood - sussurrou Maya, inclinando-se perto de mim. - Ele chegou faz poucos dias... ninguém sabe muito sobre ele.
Noah.
O nome ficou preso na minha mente como uma canção que a gente não consegue parar de ouvir.
Quando ele passou por mim, seus olhos cruzaram os meus.
Foi rápido, mas intenso o suficiente para fazer meu coração tropeçar.
E, por um instante, eu tive certeza de que já o tinha visto antes... talvez em um sonho, talvez em algum lugar que minha memória não alcançava.
Mas o que mais me assustou não foi o olhar.
Foi a sensação que veio depois.
Como se algo dentro de mim - algo que eu nem sabia que existia - tivesse despertado.
Noah
Ela chegou.
Eu senti antes mesmo de vê-la.
O cheiro suave, o som leve dos passos... como se a floresta tivesse sussurrado o nome dela para mim antes que ela cruzasse o portão.
E quando nossos olhares se encontraram, meu controle vacilou.
A lua ainda não estava cheia, mas a fera dentro de mim rosnou baixo, inquieta.
Eu não podia me deixar envolver.
Não de novo.
Lívia Monteiro.
A nova garota de Sierra Creek.
E, sem saber, o maior perigo que eu já conheci.
- Você está ficando descuidado, Blackwood - murmurou Dylan, meu primo, que caminhava ao meu lado. - Quase deixou os olhos mudarem de cor.
Respirei fundo. Controle. Sempre controle.
- Eu sei o que estou fazendo - menti.
Mas eu não sabia.
Desde que minha família me mandou pra essa cidade esquecida, tudo que eu queria era passar despercebido.
Só mais um aluno comum.
Sem caçadas, sem sangue, sem lembranças da noite em que tudo deu errado.
E então ela apareceu.
A garota com cheiro de jasmim e medo.
A única capaz de fazer o lobo em mim acordar.
Lívia
As aulas passaram devagar.
Entre cadernos novos e olhares curiosos, eu tentava me concentrar, mas a imagem dele não saía da minha cabeça.
Noah não falava com ninguém. Sentava no fundo da sala, perto da janela, sempre com fones de ouvido e o olhar perdido lá fora.
Mas toda vez que eu olhava sem querer na direção dele...
ele já estava olhando pra mim.
Na hora do intervalo, decidi ir até o bosque atrás da escola - um lugar que os alunos pareciam evitar.
O ar ali era diferente, mais úmido, cheio de cheiro de terra molhada e folhas.
Pisei em um galho, e o estalo ecoou alto demais.
Foi quando ouvi.
Um uivo.
Distante, mas intenso.
Assustador, e ao mesmo tempo... bonito.
Meu coração disparou. E, por um segundo, eu achei ter visto uma sombra entre as árvores. Grande. Ágil.
Mas quando me virei, Noah estava lá.
- Você não devia estar aqui - disse ele, a voz rouca, firme.
- Eu só queria um lugar calmo pra pensar - respondi, sem entender por que minhas mãos tremiam.
Ele deu um passo à frente.
Seus olhos estavam diferentes - mais escuros, quase prateados.
Por um momento, pensei ter visto algo impossível refletido neles... como o brilho de um animal selvagem.
Mas quando piscou, já era só o garoto misterioso outra vez.
- Sério, Lívia. É perigoso andar por aqui sozinha. - Ele abaixou o tom de voz. - Principalmente à noite.
Como ele sabia meu nome?
Antes que eu pudesse perguntar, ele se afastou, desaparecendo entre as árvores.
E eu fiquei ali, com a respiração acelerada, o coração batendo alto demais e uma certeza que não fazia sentido:
Aquele garoto escondia algo que podia mudar tudo.