A rua principal parecia menor. As casas coloridas, as sacadas floridas, os lampiões antigos acesos - tudo parecia preso no tempo, como se a cidade tivesse esperado por ela.
Era início do Festival da Colheita - uma tradição antiga que misturava barracas de comida, dança folclórica, e histórias que atravessavam gerações. A cada esquina, risadas ecoavam, crianças corriam com pipas, e os sinos da igreja anunciavam mais um ano de abundância.
Maria apertou o passo, tentando ignorar as lembranças que explodiam em sua mente a cada loja, a cada cheiro, a cada som. Quando criança, ela corria por aquelas ruas ao lado de João - seu melhor amigo, seu cúmplice, seu... tudo.
João.
O nome sussurrou em sua mente como uma prece antiga e esquecida.
Ela soube, no momento em que leu o convite para o festival - assinado pela mãe dele, dona Cecília -, que inevitavelmente o encontraria. E mesmo que seu orgulho ainda a fizesse hesitar, seu coração queria vê-lo.
Queria saber se ele também tinha mudado.
Queria saber se ele ainda lembrava.
João, por sua vez, estava encostado no balcão de madeira da cafeteria local, sorvendo lentamente seu café preto, sem açúcar. Usava uma camisa de linho azul claro, a barba por fazer, e os cabelos bagunçados pelo vento frio.
Ele já ouvira os sussurros: "Maria voltou."
Meia cidade já sabia, e em cidade pequena, notícias corriam mais rápido do que o vento entre as árvores.
Ele tentou agir naturalmente, como se a notícia não tivesse mexido com ele. Mas mexeu.
Mexeu de um jeito que o deixou inquieto, como se todos os anos entre eles nunca tivessem existido.
Com um suspiro, ele largou a caneca na bancada e decidiu sair.
Era tolice, disse para si mesmo. Ela provavelmente só queria passar despercebida, curtir o festival, e ir embora.
Ele, no entanto, sabia que não conseguiria evitar o encontro. Nem queria.
Maria caminhava entre as barracas do festival quando a viu.
A velha árvore de carvalho no centro da praça, imensa e majestosa, cheia de laços coloridos pendurados pelos moradores.
Naquele lugar, aos quinze anos, ela e João haviam feito uma promessa.
"Promete que nunca vai me esquecer?" ele dissera, com olhos ansiosos.
"Prometo", ela sussurrara, e seus dedos se entrelaçaram pela primeira vez.
Ela fechou os olhos por um instante, perdida na memória, até sentir um arrepio percorrer sua espinha.
Não era apenas o vento frio. Era a sensação inconfundível de estar sendo observada.
Virando-se lentamente, seus olhos encontraram os dele.
João permaneceu imóvel a poucos metros de distância.
Seus olhos castanhos, profundos e silenciosos como um lago no final do verão, pareciam atravessar cada camada de defesa que Maria tentara construir nos últimos anos.
Por um momento, o tempo parou.
As vozes, as luzes, a música - tudo se dissipou, deixando apenas os dois, como no passado.
Maria abriu a boca para dizer algo - qualquer coisa - mas apenas um leve sorriso escapou.
João, com seu jeito simples, apenas ergueu uma sobrancelha e deu um passo na direção dela.
- Você mudou - ele disse, sua voz grave e arrastada, com aquele sotaque interiorano que Maria tanto amava e odiava ao mesmo tempo.
Ela riu, um som nervoso e doce.
- Você... não tanto assim.
O sorriso dele se alargou, revelando a covinha na bochecha esquerda - a mesma que fazia o coração dela tropeçar quando eram crianças.
- Que bom que voltou, Maria. - ele disse, com sinceridade brutal.
Ela engoliu em seco.
Voltar nunca tinha sido parte do plano. Ela fora embora para se esquecer dele, para construir uma vida nova. Mas ali, diante dele, percebeu uma verdade que jamais conseguira admitir: nunca realmente o esquecera.
E talvez... talvez nem quisesse.
A noite avançava, e a praça principal foi se enchendo ainda mais de pessoas, luzes e música.
Maria e João caminhavam lado a lado, sem pressa, como se redescobrissem o caminho até o outro através dos passos.
Ele contava como assumira a fazenda do pai, como abrira uma pequena vinícola.
Ela falava da cidade grande, do trabalho como ilustradora de livros infantis - um sonho que realizara, mas que agora parecia tão distante, tão sem cor.
As horas passavam como minutos.
E, pela primeira vez em muito tempo, Maria se sentia... em casa.
Perto da meia-noite, pararam diante da ponte velha de madeira que atravessava o riacho da cidade.
O luar dançava sobre as águas, e o vento frio trouxe consigo o perfume das flores silvestres.
João virou-se para ela. Seus olhos diziam mais do que mil palavras.
- Promete que, dessa vez, não vai embora sem se despedir? - ele murmurou, quase como um pedido.
Maria hesitou, sentindo as lágrimas ameaçando cair.
Dez anos se passaram.
Dez anos de saudade, de silêncios, de palavras não ditas.
Ela respirou fundo, tentando encontrar sua voz.
E quando falou, foi apenas um sussurro:
- Eu prometo.
João sorriu, aquele sorriso lento, seguro, que parecia aquecer até as partes mais geladas do seu peito.
Então, sob o céu de outono, a história deles - adormecida por tanto tempo - começou a ser escrita novamente.
Não mais como crianças.
Não mais como promessas não cumpridas.
Mas como dois corações que, apesar de tudo, nunca haviam parado de se procurar.