Voltar para a cidade onde cresci trazia uma mistura de sentimentos.
Havia deixado para trás mais do que memórias: antigas feridas, laços familiares frágeis, e uma vida que sempre pareceu ser uma constante busca por aprovação.
Morar fora, longe das sombras da minha madrasta e da minha meia-irmã, havia me permitido crescer e encontrar meu próprio caminho. Me tornei uma advogada de sucesso, construí uma carreira sólida trabalhando na empresa de advocacia no exterior que meu pai era socio, mas longe do passado que preferia esquecer.
Porém, o trabalho me trouxe de volta. Um projeto importante, uma parceria entre a empresa do meu pai e uma grande corporação que até então, eu só conhecia de nome: Aurum Enterprises. Aceitei porque sabia que seria uma oportunidade inovadora e desafiante, mas também porque meu pai, mesmo sem saber dos meus verdadeiros motivos, pediu pessoalmente para que eu liderasse a equipe. Ele sempre foi ausente nos momentos em que mais precisei, e mesmo amando-o, nunca consegui contar-lhe sobre os abusos que sofri em sua própria casa. Talvez, no fundo, eu estivesse buscando uma reconciliação silenciosa ao aceitar aquele trabalho.
Na noite em que tudo começou, eu mal tinha me acostumado com o fuso horário, mas Anne, minha melhor amiga de infância e a única constante em minha vida, insistiu para que saíssemos. Ela acreditava que eu precisava relaxar e me reintegrar à vida social da cidade. Aceitei o convite, ainda que com relutância, mais pela necessidade de distração do que pela real vontade de me divertir.
A boate era um reflexo da elite da cidade, sofisticada e exclusiva, repleta de pessoas que viviam em uma bolha de poder e riqueza. Não me sentia particularmente confortável naquele ambiente, mas já estava habituada com este ambiente, e a presença de Anne minha melhor amiga, ao meu lado me dava algum alívio. O plano era passar algumas horas, beber um pouco e depois ir para casa. Eu não esperava, de forma alguma, que aquela noite fosse mudar tudo.
Depois de algumas taças de vinho e de conversas superficiais, senti a necessidade de um momento de solitude. Deixei Anne na pista de dança e fui em busca do banheiro. A música abafada e o burburinho das conversas faziam com que meus pensamentos parecessem distantes, como se eu estivesse assistindo tudo de fora.