O carro de Kethlen parou com um rangido suave diante do portão de ferro já conhecido, aquele que demarcava a fronteira entre o mundo real e o santuário de suas memórias. A casa da avó, um casarão do século passado que teimava em resistir ao tempo, erguia-se imponente no fim do caminho de terra batida. A luz do fim de tarde, dourada e preguiçosa, banhava suas paredes de pedra e as madeiras já desgastadas pelo sol e pela chuva.
O jardim, outrora impecável, mostrava-se um pouco selvagem, com roseiras trepadeiras crescendo sem a disciplina de outrora, uma metáfora involuntária para o próprio estado de espírito de Kethlen. Ela desceu do carro, esticando o corpo cansado da longa viagem. O ar carregado do interior mineiro encheu seus pulmões, um cheiro de terra molhada, mato e uma pitada de nostalgia.
A chave deveria estar sob o grande vaso de cerâmica à direita da porta, como sempre estivera. A avó, mesmo na cidade, mantinha os rituais. Kethlen se agachou, a saia justa de linho branco tensionando contra suas coxas. Seus dedos finos, adornados apenas por um anho simples, reviraram a terra úmida sob o vaso. Nada. Uma leve frustração crepitou em seu peito. Talvez a senhora tivesse mudado o esconderijo, ou pior, esquecido de avisá-la. Ela se levantou, esfregando a terra dos dedos, e examinou a porta maciça de madeira. Foi quando o ruído metálico da tranca sendo girada de dentro a fez dar um passo para trás, o coração dando um salto inesperado no peito.
A porta se abriu com um rangido baixo, revelando não a figura frágil da avó, nem uma cuidadora qualquer, mas um homem. Um homem que preencheu completamente o vão da porta, bloqueando a luz interior. Kethlen sentiu o ar faltar por um segundo.
Era Gael.
Mas não o Gael que ela lembrava. O primo de infância, magricela e com jeito de garoto, havia se dissolvido no tempo. Em seu lugar, estava um homem de vinte e cinco anos, com os ombros largos e a postura descontraída de quem conhece bem o próprio corpo. Ele era mais alto do que ela imaginava, facilmente ultrapassando a marca de um metro e oitenta. O rosto perdera a suavidade juvenil, ganhando ângulos definidos: uma mandíbula forte, lâminas salientes e um queixo sulcado por uma covinha sutil. A boca, que ela lembrava ser sempre torta num sorriso fácil, agora parecia carregar uma promessa silenciosa. Seus cabelos escuros, outrora desgrenhados, estavam cortados com um estilo que era ao mesmo tempo casual e intencional, caídos de uma maneira que convidava a mão a penteá-los para trás. Ele vestia uma camiseta branca simples, que se moldava ao torso definido, e um jeans desbotado que assentava perfeitamente nos quadris e nas coxas musculosas. Nos braços, que cruzava diante do peito, serpenteavam tatuagens discretas – padrões geométricos e uma frase em uma fonte elegante que ela não conseguiu ler de onde estava.
Os olhos dele, da cor de um céu de tempestade, a observavam com uma intensidade que era quase física. Eles percorreram seu corpo num piscar de segundos, da ponta dos sapatos de salto baixo aos cabelos loiros presos num rabo de cavalo desleixado, passando pelos seios firmes sob o decote da blusa de seda e pela curva dos seus quadris sob a saia justa. Não era um olhar de primo. Era o olhar de um homem diante de uma mulher que ele não esperava ver.
- Kethlen? - a voz dele era mais grave do que a memória guardava, um baixo que parecia vibrar no próprio ar entre eles. - Achei que você não viria.
Kethlen forçou uma respiração estável, sentindo um calor subir por seu pescoço e colorir suas bochechas. A surpresa e uma atração imediata, proibida e potente, lutavam dentro dela.
- Prometi à vó que cuidaria da casa - ela respondeu, a voz ligeiramente mais rouca do que o normal. - E você? O que faz aqui?
Um sorriso torto, desafiador e irresistivelmente sexy, curvou os lábios dele. Era um sorriso que dizia que ele sabia coisas que ela não sabia.
- Preciso de um lugar pra ficar enquanto reformo meu apartamento - ele disse, os olhos faiscando com um misto de diversão e algo mais profundo, mais carnal. - Achei que teria a casa só pra mim.
Ele recuou um passo, abrindo espaço para ela entrar. A porta era estreita, um convite íntimo e perigoso. Kethlen hesitou por uma fração de segundo antes de avançar. Ao passar por ele, o mundo pareceu desacelerar. O espaço era mínimo. O algodão macio de sua blusa roçou no braço nu dele, e a calor do corpo de Gael irradiou em direção a ela como um convite. Seu quadril quase, quase tocou o dele. Ela sentiu o cheiro dele nesse instante de proximidade forçada – uma mistura limpa de sabão em pó, o amaciante que a avó sempre usava, e algo inerentemente masculino, um fundo terroso de suor seco e pele quente que era exclusivamente dele. Era um aroma primitivo, que lhe acordou algo adormecido nas profundezas do seu ventre, uma faísca que percorreu seu corpo como um choque elétrico de baixa voltagem.