Mas, dias depois, a polícia ligou. As imagens da câmera de segurança do incidente foram misteriosamente apagadas. Não havia provas, não havia caso.
Naquela noite, Aline mandou me sequestrar. Enquanto os homens dela rasgavam minhas roupas na traseira de uma van, eu consegui ligar para o Heitor.
Ele rejeitou minha chamada.
Eu pulei da van em movimento. E enquanto corria pela minha vida, sangrando no asfalto frio, eu fiz uma promessa.
Desta vez, não haveria um 39º casamento.
Desta vez, eu iria desaparecer.
Capítulo 1
Hoje é nosso quinto aniversário de casamento.
Heitor Bastos, meu marido, está parado na minha frente. Ele é tão lindo quanto no dia em que o conheci, com olhos penetrantes e um nariz reto. Mas as palavras que saem de sua boca não são o que se espera em um aniversário.
"Vamos nos divorciar."
Eu não sinto choque. Não sinto tristeza. Apenas olho para ele, meu coração uma linha reta e calma.
"Você sabe que este é o nosso 38º divórcio?", eu pergunto.
Um toque de impotência cruza seus olhos. Ele desvia o olhar.
"Aline Wolf está ameaçando pular do telhado", ele diz, com a voz baixa. "Ela disse que não vai descer a menos que eu me divorcie de você. Você sabe que ela tem crises de ansiedade..."
Eu o interrompo. "Hmm, eu sei."
Eu sei há cinco anos. Eu sei através de trinta e sete divórcios anteriores.
"Então, quanto tempo este vai durar?", pergunto, minha voz neutra.
Ele parece surpreso, como se esperasse lágrimas ou gritos. Ele nunca mais recebe de mim o que espera.
"Assim que o humor dela se estabilizar, nós nos casamos de novo", ele promete. Ele estende a mão para tocar meu ombro, mas para no meio do caminho e a deixa cair ao lado do corpo. "Tudo bem?"
Eu olho para o rosto dele, para o conflito em seus olhos, e de repente acho engraçado. Terrivelmente, horrivelmente engraçado.
"Tudo bem", eu digo. "Afinal, nós devemos isso a ela."
Os funcionários do fórum já nos conhecem pelo nome.
"De volta?", a escrivã, uma mulher chamada Marta, ajeita os óculos no nariz. Ela pega os formulários familiares sem nem olhar. Ela é uma especialista em nossos divórcios.
"Ainda um divórcio amigável desta vez?"
Eu aceno com a cabeça e pego a caneta que ela me oferece.
Heitor assina seu nome ao lado do meu. A caneta arranha o papel, um som agudo e decisivo. Ele já fez isso trinta e sete vezes. Ele é bom nisso.
Quando chega a minha vez, a caneta paira sobre o papel. Sinto uma breve pausa dentro de mim, um lampejo de algo antigo.
Esta é a 38ª vez.
Na primeira vez, eu chorei até não poder mais. Eu não conseguia respirar.
Na segunda vez, eu perguntei a ele: "Por quê, Heitor? Por quê?"
A terceira, a quarta... um borrão de dor e confusão.
Na nona vez, eu já conseguia entrar aqui e rir com a Marta. "Por favor, ande logo", eu dizia, "Temos planos."
Eu respiro fundo. Eu assino meu nome meticulosamente, Aurora Campos. Desta vez, escrevo com um cuidado incomum. Cada letra é perfeita, final.
Quando saímos, Aline está esperando. Não em um telhado, mas ali mesmo nos degraus do fórum, parecendo frágil e vitoriosa.
Ela passa por mim correndo e se joga nos braços de Heitor.
"Heitor! Eu sabia que você me escolheria! Eu sabia que você me amava mais!"
O corpo de Heitor fica rígido. Ele olha para mim por cima do ombro dela, seus olhos cheios de algo que não consigo nomear. Culpa? Desculpa? Não importa.
Ele tenta afastá-la gentilmente. "Aline, já chega."
Ela apenas se agarra mais forte, ignorando-o completamente. Ela arranca os papéis do divórcio da mão dele e os agita na minha cara como um troféu.
"Está vendo isso, Aurora? Ele é meu agora. Sempre foi meu."
Eu não digo uma palavra. Apenas os observo. Estou tão cansada.
"Aline!", a voz de Heitor é ríspida de irritação. "Pare com isso."
Ela muda de tática imediatamente. Seu rosto se contrai e ela começa a soluçar contra o peito dele. "Me desculpe, Heitor. É que estou tão feliz. Vamos comemorar! Por favor?"
Então, ela olha para mim, um brilho malicioso em seus olhos cheios de lágrimas.
"Por que não convidamos a Aurora? Para celebrar nosso novo começo. E o fim dela."
Heitor olha para mim, sua expressão cheia de desculpas. Ele está me pedindo com os olhos para apenas entrar no jogo. Só mais uma vez.
Por uma razão que eu mesma não entendo, eu aceno. "Claro."
Todos nós entramos no carro dele. Aline senta na frente, encostada em Heitor, a mão dela repousando possessivamente em sua perna. Eu sento atrás, um fantasma na minha própria vida.
Eu observo os dedos dela traçarem padrões em sua coxa. Eu o observo segurar o volante, os nós dos dedos brancos, mas ele não a impede. Ele nunca a impede.
Silêncio. Indulgência. Concessão. Essa tem sido sua resposta a Aline por cinco longos anos.
Começa a chover lá fora, as gotas escorrendo pelo vidro como lágrimas. A cena me leva de volta no tempo.
Cinco anos atrás. O dia do nosso casamento.
Heitor e eu éramos o casal de ouro da faculdade. Ele era o brilhante estudante de administração, e eu, a promissora artista. Nos apaixonamos rápido e intensamente. Ele era tão gentil naquela época. Ele segurava minhas mãos, as que seguravam os pincéis, e dizia que eram as mãos mais lindas do mundo.
Aline estava sempre lá, nos bastidores. Sua amiga de infância. A garota que era obsessivamente apaixonada por ele, que o seguia por toda parte.
"Ela é como uma irmã para mim", ele dizia, minimizando minhas preocupações. "Não se preocupe, Rory. É você que eu amo."
Eu acreditei nele.
No dia do nosso casamento, enquanto eu estava em meu vestido branco, o celular dele vibrava sem parar. Era a Aline.
"Não atenda, Heitor", eu disse, um nó de desconforto se apertando em meu estômago. "Hoje não. Hoje é nosso."
Ele sorriu, beijou minha testa e silenciou o celular. Foi o melhor dia da minha vida, por algumas horas.
Mais tarde, descobrimos o que aconteceu. Enquanto dizíamos nossos votos, Aline, bêbada e histérica, bateu o carro. O acidente foi grave.
Ela foi levada às pressas para o hospital. Seu corpo estava quebrado. Os médicos nos disseram que ela nunca mais poderia ter filhos.
A culpa esmagou Heitor. Ele se sentiu responsável porque havia ignorado as ligações dela.
A partir daquele dia, uma dívida foi formada. Uma dívida que ele sentia que ele, e por extensão, eu, tínhamos que pagar.
As feridas físicas de Aline cicatrizaram, mas sua mente não. Ela foi diagnosticada com ansiedade severa e depressão. Ela começou a usar sua fragilidade como uma arma.
Sempre que Heitor e eu estávamos felizes, ela tinha um colapso. Um ataque de pânico. Uma ameaça de suicídio.
E todas as vezes, Heitor cedia.
Para acalmá-la, ele concordava com suas exigências. E sua maior exigência era sempre a mesma: "Divorcie-se da Aurora."
Então nós nos divorciamos. Na primeira vez, ele me abraçou enquanto eu chorava e prometeu que era apenas de fachada.
Depois de algumas semanas, quando Aline estava "estável" novamente, ela vinha até nós, chorando e se desculpando. Heitor a perdoava. E nós nos casávamos de novo.
Então o ciclo se repetia.
E se repetia.
Trinta e oito vezes.
Eu passei da agonia para a dormência, para um cansaço profundo que se instalou em minha alma. Meus pincéis acumularam poeira. As cores vibrantes do meu mundo desbotaram para o cinza.
No carro, observo o perfil de Heitor enquanto ele dirige. Ele ainda é lindo, ainda é o homem por quem me apaixonei. Mas ele também é um estranho que permitiu que outra mulher arruinasse nossas vidas.
Ele simplesmente a deixou tocá-lo. Ele a deixou sentar no meu lugar. Ele está nos levando para comemorar meu divórcio.
Uma decisão, fria e clara, se forma em meu coração.
Esta é a última vez. Não haverá um 39º casamento.
Pego meu celular e envio uma mensagem para meu irmão.
[Mãe e pai estão em casa?]
Ele responde quase instantaneamente. [Sim. O que foi?]
[Chego em uma hora. Precisamos conversar.]
Então eu mando uma mensagem para meus pais. [Vou deixá-lo. Desta vez, para sempre. Quero me mudar. Para bem longe. Vocês vêm comigo?]
A resposta da minha mãe é uma série de emojis preocupados. A do meu pai é simples e direta.
[Estamos aqui por você. Sempre.]
Uma lágrima que eu não sabia que tinha em mim escorre pelo meu rosto. Eu a enxugo rapidamente. Já chorei lágrimas suficientes por este homem. Não vou chorar mais.
Chegamos a um restaurante chique. Aline insiste em sentar ao lado de Heitor, agarrada ao braço dele como uma criança. Ele tenta se afastar, mas ela começa a choramingar.
"Heitor, você me odeia agora, não é? Depois de tudo que eu passei..."
Ele suspira, derrotado, e a deixa ficar. Ele corta o bife para ela, serve seu vinho. As pessoas em outras mesas olham para eles, sorrindo. Parecem um casal profundamente apaixonado.
Eu me sinto invisível. Uma peça sobressalente.
Minha bolsa está no assento ao meu lado. Ela escorrega e um pequeno caderno de esboços cai. Eu não o uso há meses.
Aline o vê. Seu rosto muda.
"O que é isso?", ela estala. "Está tentando se exibir? Tentando lembrá-lo do que você costumava ser?"
Ela se lança sobre a mesa, seus olhos selvagens.
Antes que eu possa reagir, ela pega a tigela de sopa quente na frente dela e a joga diretamente no meu rosto.