Marie (narrando)
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Marie (narrando)
O sol aquecia a cidade, que, há algumas semanas, sofria com o frio intenso. Naquela tarde primaveril, eu caminhava pela calçada enquanto uma brisa varria a rua, levantando poeira. A rajada repentina derrubou algumas folhas e arrastou-as pela rua.
Embora o cenário diante dos meus olhos fosse deslumbrante, eu estava absorta em pensamentos. Olhei para a tela do meu celular em vão. Ainda tinha esperança de que o meu marido recordasse do nosso aniversário de casamento.
Após ter deixado a minha filha na casa do avô, eu passei no mercado. Assim que chegasse, eu pretendia organizar uma surpresa para comemorar mais um ano de casado com o Lucca. A casa ainda estava silenciosa quando cruzei a porta. Isso me daria algum tempo para preparar o jantar romântico. Fui direto para a cozinha, onde coloquei as flores num jarro com água e em seguida, pus o vinho na geladeira.
Por diversas vezes, eu olhei o celular enquanto preparava a refeição e o doce favorito do meu marido. Lucca adorava ravioli à Fiorentina e tiramisu. Quando tudo estava pronto, coloquei o jarro com as papoulas brancas no centro da mesa. Retirei a travessa de ravioli do forno e pus juntamente com as louças organizadas sobre a mesa forrada por uma toalha vermelha. A atmosfera de suave intimidade me animou.
Ao voltar à sala, toquei na tela brilhante do meu celular, cheguei a ligar para Lucca, mas o telefone ainda estava desligado. Afastei as cortinas e ergui o meu rosto para contemplar o céu que enegrecia. Acreditava que ele não trabalharia até tarde como nos últimos meses, não naquela data.
"Ele deve estar ocupado no escritório", o meu subconsciente arrumou uma desculpa esfarrapada para me obrigar a me concentrar nos meus afazeres.
Em passos rápidos, percorri o corredor até o quarto. Os meus olhos vagaram pelo ambiente com móveis de madeira envernizada.
Ajeitei o travesseiro sobre a cama forrada com uma colcha florida. Queria ter certeza de que tudo estava perfeito até que avistei uma sacola branca sobre o assento da poltrona. Curiosa, peguei o embrulho e tirei a lingerie de renda vermelha.
Apesar de ser conservadora à moda antiga, eu queria fazer algo bastante diferente. Fui direto para o banheiro onde tomei banho e me perfumei. Vesti as roupas íntimas bem sensuais. O bojo do sutiã era menor do que os meus seios e a calcinha estava um pouco apertada.
Quando voltei para o quarto, escondi-me atrás das cortinas no instante em que ouvi os passos do outro lado do corredor.
- Tem alguém em casa? - A voz do meu marido ecoou.
Esbocei um sorriso ao ouvir o ranger da porta abrindo.
- Entre! A Marie está na casa do meu pai. Ela costuma preparar o jantar dele, - Lucca explicou.
"Será que ele trouxe um amigo?" Indaguei em meus pensamentos.
Continuei quietinha atrás das cortinas, eu tinha receio de ser vista com roupas íntimas. Tudo começou a ficar estranho quando ouvi os estalos de beijos. Eu conhecia bem aqueles risinhos femininos. Não demorou muito até que os pés da cama começaram a se mover, arrastando contra o chão. Tinha quase um ano que as molas do colchão não sacudiam daquela maneira.
- É desse jeito que você gosta, princesa? - Lucca perguntou.
- Sim, amore mio! - Respondeu, manhosamente.
Meu coração se partiu quando reconheci o timbre de voz de Susie. Minha melhor amiga estava na cama com meu marido. Furiosa, eu abri as cortinas.
- Estou atrapalhando? - A raiva me consumiu de tal forma que acabei esquecendo da lingerie que eu usava.
O homem de cabelos claros saiu de cima da Susie. Esperava isso de qualquer outra pessoa, menos da mulher que me chamava de amiga.
- O que faz aqui, Marie? - Lucca inquiriu rudemente.
Vê-los se enroscando sobre o meu colchão era devastador.
- Essa é a minha casa! - Tentei manter a segurança, mas havia um nó se formando em minha garganta. - Somos CASADOS! - Enfatizei aos berros.
- Saia daqui, Marie! - Ele ordenou. - Conversaremos depois.
Lucca pulou da cama e começou a se vestir enquanto Susie se enrolava nos meus lençóis.
- Por que fez isso comigo? - Questionei aos prantos.
Os braços de Lucca me seguraram antes que eu me aproximasse da mulher que não parava de rir debochadamente.
- Já chega, Marie! - Ele impôs toda a força quando me jogou na poltrona. - Não suporto mais olhar para você! - Lucca apontou para o meu corpo.
Cobri a minha barriga com as mãos. Por mais que fizesse dietas mirabolantes, não conseguia ser tão esguia e ter uma barriga tão reta como a de Susie. Ele sempre gostou de mulheres magras e compridas.
- Por que está usando a minha lingerie? - Susie ficou em pé e, mesmo envolta naquele lençol, desfilou graciosamente. - Não está vendo que isso não cabe em você! - Apontou para o meu corpo.
- É um presente de aniversário de casamento, - respondi.
- O Lucca me deu de presente ontem. Esqueci de pegar depois que fizemos amor nesta cama.
Foi por isso que ele insistiu para que eu fosse às compras com a Bella. Lucca cismou que eu deveria comprar roupas novas para a nossa filha. Lembro-me que ele me deu o cartão de crédito e insistiu para que eu passasse a tarde no shopping com a nossa filha.
Do outro lado do quarto, Susie deixou o lençol cair no chão. Sem pudor, ela passou o vestido sobre os ombros. O tecido liso preto deslizou por seu corpo.
- Há quanto tempo? - Com o rosto petrificado, eu fitei a fisionomia sombria do meu marido.
- Não importa! Eu já te disse que não quero continuar com esse casamento.
- Temos uma filha, Lucca!
- Nenhum homem quer ficar com uma mulher só porque tem uma voz bonita, - Susie desdenhou.
Ela sabia que pouco antes do casamento, eu costumava cantar em bares e festas. Deixei de lado o sonho de ser cantora quando descobri que estava grávida.
- O Lucca não ama você, - Susie disse, exasperada.
A fúria me atingiu de tal forma, que eu me desvencilhei do meu esposo e avancei. Antes que pudesse tocá-la, ele me conteve.
Slapt! A força da mão comprida atingiu a pele do meu rosto e, no mesmo instante, toquei na bochecha que ainda queimava.
- A culpa é toda sua! - Ele vociferou.
- O que eu fiz?
- Você não me respeita! - O Lucca esbravejou num tom irascível. - Está feia e relaxada desde que perdeu o nosso filho. - O tom acusador recordou de algo que eu ainda tentava esquecer.
Aquelas palavras me magoaram profundamente. Naquele instante, percebi que não tinha mais ninguém além da minha filha.
Anos atrás, eu confiava na minha melhor amiga de olhos fechados. Susie e eu crescemos num prédio inóspito em Giambellino, um bairro da periferia de Milão. Apesar de ficar próximo ao centro da cidade, era um lugar conhecido pelo tráfico, insegurança e pela sujeira.
Eu era órfã e, assim como Susie, fui entregue a uma mulher que cuidava de nós apenas para nos explorar. Éramos obrigadas a vender flores aos turistas que passeavam pelo centro da capital. Às vezes, nós tínhamos que limpar a casa de moradores do prédio para ganhar alguns trocados.
Certa manhã, a minha tutora parou na cozinha enquanto eu lavava louça e cantarolava. Desde aquele dia, tive de cantar pelas ruas com intuito de ganhar esmolas dos transeuntes.
Eu era muito jovem quando conheci o Lucca pelas ruas da periferia. Ele tinha uma sedução diabólica que sempre chamava atenção de qualquer garota. No momento em que os olhos dele encontraram os meus, acreditei que seria o príncipe encantado que me faria feliz. Um ledo engano.
Deveria ter desconfiado quando as dúvidas começaram a surgir, mas, ao invés disso, tornei-me refém da infelicidade. Algumas vezes, pensei que a amante de Lucca fosse a secretária, mas nunca imaginei que o meu esposo estivesse com a minha melhor amiga. A traição trouxe mais dor e tristeza.
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