Clarice estava no topo de uma escada de cinco metros, equilibrando-se com uma agilidade que desafiava a gravidade. Suas mãos, sujas de glitter dourado, prendiam as últimas esferas de cristal na árvore monumental que ocupava o centro do lobby do Grand Cavalcanti, o hotel mais luxuoso da Serra Gaúcha.
- Só mais uma, Clarice... não olhe para baixo, não olhe para baixo - sussurrou para si mesma, prendendo o lábio inferior entre os dentes.
Ela era uma explosão de vida em meio à sobriedade do hotel. Usava um macacão jeans manchado, o cabelo cacheado preso num coque bagunçado com alguns fios escapando para emoldurar o rosto corado pelo esforço. Clarice não apenas decorava; ela contava histórias com os enfeites. Para ela, cada luzinha era um desejo de alguém que buscava felicidade.
Lá embaixo, as portas automáticas de vidro se abriram, deixando entrar uma lufada de ar frio e uma presença que fez a temperatura do lobby cair dez graus, ou talvez subir, Clarice não sabia dizer.
Bento Cavalcanti caminhava como se fosse o dono não apenas do hotel, mas do mundo. O terno grafite, sob medida, realçava seus ombros largos e a postura impecável. O rosto era uma escultura de linhas duras: mandíbula marcada, nariz aristocrático e olhos que tinham a cor do oceano em um dia de tempestade - um azul profundo, frio e penetrante.
Ele parou no centro do lobby e franziu o cenho, olhando para cima.
- Quem permitiu que essa estrutura fosse montada agora? O check-in VIP começa em vinte minutos - a voz de Bento era um barítono rico, mas seco como um deserto.
Clarice, lá no alto, cometeu o erro de olhar. O impacto visual de Bento foi como um soco no estômago. Ele era absurdamente bonito, de uma forma que doía olhar por muito tempo.
- Sr. Cavalcanti, a gerência de eventos autorizou - explicou o supervisor, gaguejando. - É a Clarice, a melhor decoradora da região. Ela está terminando.
Bento estreitou os olhos, focando na figura feminina empoleirada na escada. Clarice sentiu o olhar dele percorrer suas pernas, a cintura marcada pelo cinto de ferramentas e parar em seu rosto. Ela não se intimidou. Abriu um sorriso largo, aquele que costumava desarmar até os clientes mais ranzinzas.
- Bom dia, Sr. Cavalcanti! Não se preocupe, o brilho extra não vai atrapalhar seus convidados. Na verdade, acho que o senhor está precisando de um pouco dele.
Um silêncio mortal caiu sobre o lobby. Ninguém falava assim com Bento. Ele deu dois passos à frente, parando na base da escada.
- Você está atrasada, senhorita...?
- Clarice. Só Clarice. E não estou atrasada, estou aperfeiçoando. O Natal não é uma linha de montagem, é um sentimento.
Bento soltou um som que poderia ser uma risada curta ou um bufo de desdém.
- O Natal é uma temporada de faturamento. E a sua "perfeição" está bloqueando a passagem. Desça agora.
- Só falta a estrela do topo - ela insistiu, esticando o braço com a peça de cristal.
Foi nesse momento que o destino resolveu intervir. O pé de Clarice escorregou no degrau de metal. O grito ficou preso na garganta. A escada balançou perigosamente.
- Cuidado! - Bento reagiu por instinto, movendo-se com uma velocidade surpreendente.
Clarice não caiu no chão frio de mármore. Ela caiu em algo muito mais firme e perigosamente quente. Os braços de Bento a envolveram, sustentando seu peso com uma facilidade irritante. O rosto dela ficou a milímetros do dele. O perfume dele - algo que lembrava sândalo, couro e poder - invadiu os sentidos de Clarice, deixando-a tonta.
Pela primeira vez em anos, Bento Cavalcanti sentiu um curto-circuito. A mulher em seus braços era macia, cheirava a baunilha e tinha olhos que brilhavam com uma intensidade que ele esqueceu que existia. A pele dela, encostada na dele, parecia queimar através do tecido fino de sua camisa.
- Você... - ele começou, a voz falhando por um segundo. - Você é imprudente.
Clarice, ainda recuperando o fôlego, não desviou o olhar. A proximidade era elétrica. Ela conseguia ver as pequenas partículas douradas nas íris azuis dele.
- E o senhor é muito firme, Sr. Cavalcanti - ela retrucou com um sussurro atrevido, sentindo os dedos dele apertarem involuntariamente sua cintura. - Pode me soltar agora. Ou vai me cobrar o aluguel por esse abraço?
Bento a colocou no chão imediatamente, recompondo-se e ajeitando o terno como se nada tivesse acontecido. Mas suas palmas das mãos ainda formigavam.
- Vá para o escritório da gerência após terminar. Vou descontar o risco de acidente do seu cachê - ele disse, recuperando a máscara de frieza.
- Vai ser um prazer discutir negócios com o senhor - Clarice sorriu, embora seu coração estivesse batendo como um tambor. - Mas saiba que meu "seguro contra CEOs mal-humorados" é bem caro.
Bento se afastou sem olhar para trás, mas pela primeira vez em muito tempo, ele não estava pensando em números. Estava pensando no calor daquela garota e em como o sorriso dela parecia mais brilhante do que todas as luzes do hotel.
Ele tinha um plano para aquele Natal. Precisava de uma noiva para convencer o conselho da empresa de que ele não era uma máquina fria. E aquela decoradora atrevida, com glitter no rosto e fogo no olhar, acabara de lhe dar uma ideia perigosa.