O que ainda não tinha conseguido aceitar completamente era a constante luta econômica que me perseguia. Vivia no limite, mal cobrindo minhas necessidades básicas com o salário que ganhava nesta empresa. Dívidas, contas acumuladas, pagamentos atrasados... o dinheiro sempre faltava, e a cada mês parecia uma montanha ainda mais íngreme para escalar. Meus sonhos de uma vida tranquila haviam se dissipado na rotina e na resignação.
Daniel sabia disso, embora nunca tivesse mostrado o mínimo interesse em ajudar. Era o típico homem que nunca parava para olhar para os outros, especialmente se esses "outros" não fossem capazes de lhe oferecer algo valioso ou necessário. Frio, controlador e um completo mulherengo. Toda semana eu o via trocar de acompanhante, e todos na empresa sussurravam sobre suas intermináveis aventuras e sobre seu caráter intocável, como se fosse um deus que ninguém podia recusar. Para ele, eu era apenas uma sombra em seu escritório, alguém eficiente que resolvia seus problemas sem que ele sequer precisasse pedir.
Naquela tarde, no entanto, algo havia mudado. A última reunião tinha sido mais tensa do que o habitual, e a figura dominante de sua mãe, Isabel, parecia exercer uma pressão implacável sobre ele. Daniel não era o tipo de homem que costumava demonstrar fraqueza, mas até mesmo eu, à distância, pude ver como a tensão o esmagava. Estava cansado, e em seu rosto se podia ler a frustração de não poder fazer as coisas à sua maneira.
Logo após a reunião, recebi uma ligação no meu telefone de mesa. Sua voz soava estranha, como se algo mais sério do que o trabalho habitual estivesse em jogo.
- Clara, preciso que venha ao meu escritório. Agora.
Não era um pedido; era uma ordem, como sempre. Suspirei, guardei alguns documentos na pasta que carregava e me dirigi ao seu escritório, sem esperar que, desta vez, algo fosse diferente.
Abri a porta com uma mistura de resignação e curiosidade. Daniel estava atrás da mesa, mas, em vez da pose arrogante que costumava exibir, parecia... sério. Sua expressão era uma mistura de preocupação e algo que eu não conseguia identificar.
- Precisa de algo em particular, senhor Altamirano? - perguntei, mantendo o tom formal que havia aprendido a usar com ele.
Ele me olhou, e por alguns segundos, duvidei que realmente quisesse me dizer o que estava pensando.
- Clara, sente-se - disse, apontando para a cadeira à sua frente. Algo em seu tom me fez saber que aquela não era uma conversa comum.
Sentei-me e esperei que falasse, mas ele permaneceu em silêncio por mais alguns segundos, como se estivesse buscando as palavras certas. Finalmente, decidiu-se.
- Preciso de uma esposa - soltou, sem rodeios, como se estivesse segurando aquelas palavras e precisasse liberá-las de uma vez.
Olhei para ele, piscando várias vezes. Eu não podia ter ouvido direito.
- Perdão? - perguntei, ainda processando.
Ele me observava sem um traço de humor no olhar.
- O que você ouviu. Preciso de uma esposa... e preciso disso rápido.
Uma risada involuntária escapou dos meus lábios. Ele, o grande Daniel Altamirano, procurando uma esposa de repente? Aquilo parecia saído de uma daquelas novelas que eu havia me obrigado a parar de assistir há muito tempo.
- Daniel, isso é... eu não entendo. O que...? - tentei dizer algo coerente, mas ele levantou a mão, indicando que eu esperasse.
- Sei que isso soa absurdo, Clara. Mas preciso de alguém em quem possa confiar para que essa situação não saia do controle. - Seu tom era firme, quase desesperado, e foi isso que me fez compreender que ele falava sério.
Olhei para ele, tentando entender o porquê de tudo aquilo.
- E por que exatamente você precisa de uma esposa? - perguntei, tentando soar neutra, embora sentisse que minhas palavras carregavam um tom de sarcasmo.
Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo, uma das raras vezes em que se permitia parecer desconfortável.
- Minha mãe... Isabel - disse, e apenas o nome parecia provocar uma mudança em sua expressão, como se uma sombra escura caísse sobre ele. - Está determinada a me casar. Ela não confia que eu possa liderar a empresa sem estabilidade, sem um compromisso que me faça amadurecer, segundo suas palavras. Acha que sou incapaz de tomar decisões estáveis.
Senti uma leve pontada de pena por ele, embora não quisesse admitir. Todo mundo sabia que Isabel exercia um controle quase absoluto sobre o filho e, mais ainda, sobre a empresa. Daniel sempre quis romper essa dependência, mas, ao que parecia, nunca teve as ferramentas para conseguir.
- E você acha que eu sou a solução para seus problemas? - perguntei, quase incrédula.
- Justamente porque confio em você, Clara. Você não se aproveitaria da situação e tem uma imagem estável e profissional. Não faria perguntas desnecessárias nem me procuraria por outra razão além do acordo. Sei que precisa do dinheiro tanto quanto eu preciso de alguém confiável.
Meus olhos se arregalaram um pouco mais com suas palavras. Então ele também sabia da minha situação econômica?
- E você acha que um simples contrato vai resolver todos os seus problemas com sua mãe? - disse, cruzando os braços.
- Não apenas com ela. Isso vai além dos problemas com minha mãe - respondeu, em um tom sombrio. - É o futuro desta empresa, Clara. Isabel acha que sou incapaz de liderar sozinho, e eu... preciso que ela confie em mim.
Sua voz quase me fez sentir algo parecido com compaixão, mas não me permiti fraquejar.
- Então, tudo o que você precisa é... de uma fachada? - disse, tentando entender a verdadeira natureza de sua proposta.
Ele assentiu, seus olhos intensos fixos nos meus.
- Exatamente. Um casamento de conveniência, Clara. Duraria o tempo que eu precisasse para me consolidar e provar que posso liderar sem interferências. Depois, cada um seguiria seu caminho. E, acredite, você seria bem recompensada.
Minhas mãos tremiam ligeiramente quando ele deslizou uma pasta à minha frente. Ao abri-la, vi os detalhes da sua proposta: o tempo de duração do acordo, a quantia de dinheiro que eu receberia ao final do contrato, as condições de convivência e, acima de tudo, as cláusulas de confidencialidade.
- Recompensada? - murmurei, sem conseguir esconder minha surpresa diante do valor oferecido. Aquela quantia era suficiente para quitar minhas dívidas, garantir uma vida estável e me permitir parar de me preocupar com dinheiro, pelo menos por um tempo.
- Por que eu, Daniel? - perguntei em voz baixa, olhando diretamente em seus olhos. - Há centenas de mulheres que aceitariam isso. Mulheres que atendem ao que sua mãe considera adequado.
Ele sustentou meu olhar e sorriu levemente, um sorriso que não reconheci nele.
- Justamente por isso - disse suavemente. - Porque você é a única pessoa em quem posso confiar para manter isso sob controle.
Fechei a pasta e a segurei entre as mãos, olhando para ele uma última vez.
- Deixe-me pensar - disse finalmente, sem conseguir esconder um leve tremor na voz.
Ele assentiu.
- Claro, tome o tempo que precisar. Só espero que tome a decisão certa... para ambos.
Antes de sair, me virei para olhá-lo uma última vez.
- Só para que saiba, Daniel, não sou alguém fácil de comprar.
- Eu sei, Clara. Por isso te escolhi.
Saí de seu escritório sentindo que acabava de entrar em um jogo perigoso.