Capítulo 2 2. Homem Misterioso

Algumas horas tinham se sucedido, só nos demos conta quando sol já não estava mais no céu. A noite soprava um vento frio, estrelas dançam perfeitamente sincronizadas, assim como eu fizera algum tempo atrás.

- Senhor Collins, estes saltos estão me matando - digo tirando-os, vendo a expressão de negação vinda de meu tutor. Só por que sou a princesa tenho que deixar os sapatos machucarem meus pés?

Caminho lentamente até as escadas que dá acesso aos dormitórios. Jogando meus saltos em um canto qualquer, sinto meus pés inchados. Novamente uma parte que eu detestava na realeza, a ideia de que tudo era perfeito, que nós nascemos lindos e sempre prontos para comandar uma nação. Chegando ao meu quarto, peço para as criadas encherem minha banheira com água morna e pétalas de rosas brancas, meu momento de relaxamento e concentração.

Estava processando tudo o que acontecera e aconteceria, então para isso, precisava urgentemente ficar sozinha. Nunca me passou pela cabeça que ser rainha seria tão entediante, apenas acenar, sorrir e ser atalho para um futuro herdeiro. Afundo meu corpo na banheira, sentindo as pétalas grudarem em mim, conto mentalmente alguns segundos e logo volto ao estado normal.

Suspiro pesadamente e saio, pego meu roupão, andando lentamente até me sentar na cama.

Chamo apenas Camila, que avidamente entra em meus aposentos que sem dizer uma palavra, seca meus cabelos com uma pequena toalha felpuda, os escovando e trançando. Enquanto trabalhava em mim, eu a encarava.

- Nunca teve a vontade de ser livre, Camila? - Pergunto de súbito, gostaria de saber a quão entediada ela estava, assim como eu.

- Alteza? - Questiona visivelmente abalada com a minha pergunta. Camila suspira pesadamente algumas vezes antes de voltar a escovar meus longos cabelos loiros - Estou nesse reino a tanto tempo, que não me vejo mais distante daqui!

Comprimi os lábios por incontáveis minutos, menos uma para me ajudar a sair desse inferno tedioso. Preciso achar algum ser minimamente inteligente ou então definharei até a morte.

- Perdão Camila! - Digo com os olhos arregalados, torcendo para que ela não comunicasse meu papai sobre a minha vontade de ir para longe.- É que às vezes ao mesmo tempo em que quero ir embora, me sinto na obrigação de ficar, de ser melhor do que sou nesse momento. E mesmo assim, sinto que não sou boa o suficiente para continuar ocupando o cargo de maior importância dentro de um país, é que... eu já entendi desde que nasci que esse é o meu dever, e diga-me você, como fugir

de algo na qual você já é predestinado?

Pergunto a Camila, logo saindo da banheira. Me apoio no corpo de Camila e logo me sento na cama, enquanto outra criada me prepara para a longa noite que terei de enfrentar com papai, apenas para conhecermos mais pretendentes ao trono de Bethiryn, ou de qualquer outro que eu vá herdar em um futuro não muito distante!

Camila amarra meu cabelo em um meio rabo-de-cavalo, deixando boa parte cair pelas minhas costas, optamos por um vestido vermelho dessa vez, longo, porém não esvoaçante, algo mais compacto, já que eu teria de me mover mais rapidamente dessa vez.

Descendo as escadas que davam acesso ao salão principal, vejo algumas pessoas passarem por mim, como o Rei Manoel que governava Pakroryn, um reino próspero ao leste do Mar Mediterrâneo, ou era pelo menos isso que eu tinha conhecimento.

O nosso rei logo me avista e anda tranquilamente em minha direção.

- Você está belíssima, Alicia - papai me elogia, logo entrelaçando nossas mãos, me guiando para o salão - Lembre-se, terás de dançar com todos os pretendentes, independente se gosta ou não deles.

Apenas concordo com a cabeça, dando um longo suspiro logo em seguida. Estou mais apreensiva do que comemorativa. Quem comemoraria a própria queda? A própria desgraça? Eu não. Caminhando por entre as pessoas, consigo observar atentamente dois guardas posicionados estrategicamente na porta de entrada do salão.

Vejo um jovem se aproximando de mim, de altura mediana, moreno, cabelos pretos e olhos cor de mel, aparentemente não tão feios quanto os demais que infelizmente tive o desprazer de ver. Provavelmente um dos milhares de candidatos que terei de dançar nessa noite horrenda.

- Princesa Alicia! - faz uma breve reverência - A senhorita está muito bonita. -Terminando de falar, me lança um sorriso um tanto quanto, atrevido. Provavelmente pensando que terá algo a mais que uma simples dança de salão. Quem diria que um dia eu teria que passar por algo tão desagradável assim?

- Príncipe Ryan, certo? - Pergunto retribuindo sua reverência, porém a minha foi o mais rápido e sutil que o meu vestido me permitira no presente momento.

Ryan sorri confirmando minha pergunta, se aproxima e me puxa para bailarmos a atual valsa. A melodia era lenta, que me obrigava a ficar colada em seu corpo. Dançamos duas valsas, conversamos e até que ele não era alguém ruim, o único problema é que eu não estava procurando um rei para mim, pelo menos ainda não.

Depois de Ryan, dancei com mais alguns convidados, findando em uma caminhada solitária pelo castelo olhando para o chão. Estou me sentindo mais perdida do que nunca. Por que dói tanto tomar uma decisão, o que fazer quando tal ato machuca quem se ama, o que fazer quando tudo o que você tem a dar é a sua ausência?

Eu me sentia totalmente presa a todas as obrigações que tinha dentro de casa, mas ao mesmo tempo não me sentia em casa. Era como se eu visse monstros, todos os monstros me sugavam para o fundo do poço, para a escuridão, o medo, a dor, o esquecimento.

Debruçada na janela, chorando de desespero e pedindo aos Deuses por ajuda, olho para o mar, as ondas batiam forte sobre o enorme paredão rochoso que protegia o castelo. Queria ser como as ondas, revoltas! Consumir tudo e todos ao meu redor e mesmo assim continuar intacta.

Só me dei conta que estava fora da festa por muito tempo quando Daisy, minha dama de companhia, me chama. Tocando suavemente em meus ombros.

- Alteza?- Daisy me chama, se aproximando enquanto observa os meus olhos - O Rei Philippe solicita vossa presença ao salão principal com o máximo de urgência!

Concordo sem prestar atenção em suas palavras, dando uma última olhada para o mar revolto, novamente me sentindo sufocada. Enquanto descia as escadas, sinto como se alguém ou algo me pudesse olhar analisando minuciosamente, vendo cada passo meu, os detalhes, mas principalmente os meus deslizes, minhas falhas. Por instinto, me viro, prestando atenção ao topo da escada.

Eu não sei se era o efeito de alguns copos de vinho ou se eu realmente estava ficando paranoica, mas eu poderia jurar que havia alguém ou algo no topo daquela maldita escadaria.

- Sim, Dayse?- Respondo-a, entrelaçando nossos braços, a preocupação era palpável. Minha respiração estava acelerada e descompassada, como se eu tivesse corrido os arredores do castelo três vezes.

- O rei Philippe solicita sua presença novamente ao salão, para nos despedimos dos convidados. - Dayse se expressa, gesticulando gentilmente as mãos.

Eu sem muitas opções, apenas concordo e continuo andando com os meus braços entrelaçados aos dela, desde que eu era apenas uma criança de sete anos, Dayse me segue para onde vou. Ela com toda a certeza do mundo ela é a minha irmã já que

mamãe morreu sem engravidar novamente.

Descendo as escadas pela quinta vez em um único dia, me sinto esgotada mentalmente. Como isso era possível? Fisicamente eu sentia que podia fazer qualquer coisa que a guarda real seria preparada em anos, com alguns minutos, mas, mentalmente eu estava pedindo socorro. Ninguém era capaz de me entender.

Assim que os meus pés tocam o salão principal, o Rei de Bethiryn vem ao meu encontro, sorrindo suavemente, estendendo a mão esquerda para que eu a pegasse, assim o faço retribuindo com leveza o sorriso que me foi dado.

- A princesa nunca deve se ausentar por muito tempo, Alicia!- Repreende meu pai, como se eu fosse uma criança. Tentando evitar o máximo uma nova discussão, eu apenas concordo com a cabeça, entrelaçando meus braços nos dele.

- Perdoe-me meu pai, estava investigando um aviso de um dos guardas, também é função dos monarcas protegerem o reino em que regem certo?

- Há algum intruso em nossa festa? Alguém desconhecido? - A alteração na voz do rei era notável, provavelmente ele estava me escondendo algo que acontecera na manhã de hoje.

- É por isso que o senhor ordenou para que reforçassem a guarda no portão principal essa manhã?

- Não! - Philippe rebate com arrogância em seu tom de voz. Mas de imediato suaviza suas feições e me corteja para uma valsa, onde começa a me rodar pelo salão aproveitando cada rodopio para observar os convidados, procurando alguém que não deveria estar em nossa celebração.

Eu o encaro, revirando os meus olhos, comprimindo os lábios para que eu não pronunciasse nenhuma palavra, mas não pude evitar.

- Não adianta vasculhar o salão inteiro papai, ninguém desconhecido está aqui. Eu mesma verifiquei tudo, mais de uma vez!

- Como pode ter tanta certeza de que não há ninguém diferente em nosso baile? Afinal, algumas pessoas decidiram vir de máscara! - Meu pai exclama, ficando ligeiramente vermelho e a testa franzida, sinal de que ele estava remoendo alguma coisa que acontecera no passado.

Cansada de tanto dançar, girar e interpretar um papel que estava mais do que explícito que não era para mim, caminho corajosamente ao trono de meu pai, sentando-me logo em seguida. Ergo a cabeça, focando meu olhar em todos que se faziam presente nessa noite não tão agradável.

- Boa noite a todos - digo suavemente, gesticulando as mãos gentilmente para que a valsa se cessasse - É com muita alegria que recebo todos os que aqui estão presentes nesta bela noite! - Suspiro um pouco e questiono mentalmente "Para que isso tudo? Meu pai não poderia simplesmente escolher logo o meu futuro marido e poupar-me de tamanha humilhação?- O baile de hoje foi com o propósito de encontrar um futuro rei consorte de Bethiryn, como já devem ter tomado conhecimento. - Papai me olha completamente indignado, mas continua parado ao meu lado, sem dizer uma única palavra. - Reuniremos o conselho, averiguaremos nossas condições, tradições e discutiremos novas datas para um possível baile, agora, meus caros e inestimáveis amigos, se me derem a licença, o dia foi demasiado cansativo e necessito ar para meus aposentos.

Termino meu discurso dando uma última olhada para a multidão, tentando encontrar alguma movimentação suspeita, algum olhar ou alguém que não deveria estar em nossa comemoração.

Foi então que percebi que alguém ao longe me devorava com apenas um olhar, algo tenso que fez os pelos de minha nunca se arrepiarem sem motivo algum. Caminhei até a pessoa que me observava intensamente, porém quanto mais eu tentava me aproximar para iniciar uma conversa mais ela sumia, indo para a escuridão longe de todo o barulho e tédio do baile que prosseguia mesmo após meu discurso.

- Por favor, espere! - Eu implorava correndo atrás da figura que se misturava com o breu da noite.

Estava completamente intrigada com aquele olhar intenso que se distinguia dos demais, era fato que nesse olhar tinha muito mais do que só um mero sentimento de adoração para com a princesa e os seus súditos. Totalmente embriagada pelo mistério que corria em minhas veias, avanço na noite nebulosa que se formava em minha frente, mal não conseguia correr muito mais do que estava agora, não com um sapato com um salto tão alto como aquele que eu usava nessa noite perturbadora.

O Jovem apenas ignorou o meu pedido e entrou no labirinto feito de arbustos com galhos longos e rigorosos. Mesmo com medo, adentrei por entre os galhos, bagunçando meus cabelos, desfazendo o penteado completamente conforme avançava em meio ao verde vívido das folhas.

Entrando no labirinto, me deparo apenas com o vazio, a noite fria e a angústia de não saber quem era aquela pessoa que eu havia perseguido por vários minutos, me sento no chão gélido abraçando minhas pernas.

- Princesa?- Ouço uma voz masculina me chamar ao longe, antes de apagar completamente na escuridão assustadora.

                         

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