Capítulo 3 3 - Cadê todo mundo

Elizabeth ficou estática ao ouvir o que sua amiga havia dito. Duas vezes seus olhinhos piscaram tentando, ao máximo, assimilar o que havia ouvido.

Seus pais iriam se separar?

Já era de seu conhecimento que os pais de Clara não estavam muito bem nos últimos meses e que a relação deles estava meio abalada, mas não lhe passou em momento algum pela cabeça que eles, chegariam ao divórcio. Até porque fazia tempo que não ouvia a amiga falar sobre brigas em sua casa, nem chorar pelo caos que viviam seus pais, então pensou mesmo que já estava superada a divergência entre o casal Molina.

Sem muito o que expressar, principalmente porque não sabia o que deveria ser expressado naquela situação, passou a pensar que certamente, Clara, iria sofrer muito com tudo aquilo. Bom, ela já estava sofrendo. Suas lágrimas caíam desenfreadas molhando por completo seu rosto alvo, e seu corpo tremia por conta dos soluços. Tão frágil, a dona dos olhos azuis parecia estar prestes a quebrar.

E Elizabeth desejou, com todas as forças, tirar dela aquela dor, mas não soube como, e isso a afetou. Abriu a boca para falar, mas rapidamente a fechou não sabendo mesmo o que lhe dizer. Abriu de novo, mas voltou a fechar. A boca secou, um nó se formou em sua garganta e sua respiração ficou pesada.

Então, sendo incapaz de dizer uma única palavra, Elizabeth a envolveu em um abraço tentando transmitir algum conforto. Não sabia se funcionava, pois a amiga ainda chorava copiosamente. Mas não havia nada mais de que se lembrasse, então, no abraço ficou.

De cabeça baixa, Clara não deixava que visse seu rosto, ou que observasse suas lágrimas. Estava cansada de ser a menina que sofria por culpa dos pais, estava cansada de parar na frente da amiga, despedaçada, como se só ela tivesse problemas na vida. Então nenhum som era emitido, mas a tremedeira em seu corpo, este sim era um forte indício de que de facto, chorava.

Elizabeth pensou em alguma coisa para lhe dizer, não era nada espetacular, mas demonstraria que sentia muito. Organizou as palavras em sua mente, mas quando decidiu externar, Clara subitamente se desvenciliou do abraço limpando as lágrimas com a mangas da camisa que havia tirado de seu armário nos cedo.

Clara estava triste, destroçada e cabisbaixa, sua família estava se desfazendo. Era uma adolescente de dezessete anos, mas ainda mantinha a fantasia de que os pais ficariam juntos até a eternidade...Mas não queria ficar triste, não queria que a vissem triste.

Fazia meses que estava triste e ansiosa, e não se importava que os outros vissem. Mas na noite anterior, quando seus pais se sentaram com ela, pensou que diriam algo bonito, que se desculpariam pelo caos que trouxeram até si, que sua mãe finalmente voltaria a sorrir como antes, que seu pai chegaria sempre a tempo e hora para o jantar, mas eles apenas disseram que não podiam continuar juntos e que estavam iniciando o processo de divórcio.

A decisão era unilateral, percebeu pela cara que fazia sua mãe enquanto ele explicava.

Clara não disse nada, apenas continuou em silêncio. Mas na madrugada, se sentiu sufocada e decidiu sair. Se achava desesperada, mas quando acordou, decidiu que teria esperanças, que se conversasse, seu pai não as deixaria. Que sua família não iria desmoronar... Então não mostraria mais tristeza.

- Não precisa ficar triste por mim Elizabeth, eu vou ficar bem. - Proferiu. Sua voz estava rouca e sua expressão neutra. Sempre tentava ser forte, Elizabeth sabia bem. Mas também se preocupava que se esforçasse demais.

- É impossível eu não ficar triste por você Cla, tudo o que te afeta me afeta também. - A moça de pela castanha, falou segurando as mãos da outra. Três anos sendo melhores amigas, era um laço tão puro quanto o da irmandade.

- Quem te ouve vai achar que está se declarando. - Clara brincou balançado o cabelo. Era um bom sinal, ou era apenas aquilo de que Elizabeth queria se convencer.

- Aonde é que você encontra tanta idiotice, Clara? - A filha do médico abanou a cabeça fingindo descrença. Tinha um meio sorriso no rosto, e já não sentia o ar tão pesado.

- Deve ser do tanto de tempo que passo contigo. - Clara respondeu provocando na amiga uma reacção teatral de pessoa ofendida e indignada. - Preciso ir agora, tenho algumas coisas para fazer e além do mais, tenho que ficar com minha mãe. - Checando as horas no relógio que carregava no pulso, e como se não tivesse chorado a bem pouco tempo, Clara se despediu. - Nos vemos depois. - Sentenciou pondo-se em pé. Retirou o relógio, porque não era o dela, e devolveu a amiga.

- Vai ficar bem? - Acompanhado seus movimentos, Elizabeth procurou saber.

- Sim, não se preocupe. Eu vou resolver. - Foi sua resposta acompanhada de um breve sorriso. Elizabeth tentou, realmente tentou acreditar no que ela acreditava, mas foi difícil. Então sorriu sem jeito antes de a levar até a porta e se despedirem com um breve abraço. Mas isso depois que Clara lhe prometeu que ficaria bem, e que ligaria se precisasse de alguma coisa.

Sozinha no espaço que era a sala, Elizabeth decidiu levar o telefone para carregar lá em seu quarto. Descalçando os chinelos, se jogou na cama e ficou olhando o nada, sem mais o que fazer, esperando que o sono viesse ao seu encontro.

E obediente, ele foi.

[...]

A propriedade da família Ramos era enorme e bem longe do centro da cidade, Theodor podia confirmar com clareza. Afinal era lá que sua namorada, e como ele mesmo, cheio de orgulho costumava dizer, futura esposa, vivia. Então era para lá que ia quando quisesse fazer uma visita. Levar presentes, almoçar com os sogros, ou simplesmente aparecer. Era um homem apaixonado, e nem ligava para a distância que tinha que percorrer para lhe ver.

Haviam se conhecido no ensino médio, tornaram-se amigos sem muito esforço, e pouco tempo depois engataram em um lindo romance . E não era uma aventura qualquer, um namorico da adolescência, era sério. Tanto que as famílias até se conheciam e esperavam pelo dia que começariam a organizar a festa de casamento dos dois.

Mariana, sua mãe, sonhava com os netos que teria e como deles cuidaria. Já Theodor, se via perdido idealizando a casa que projectaria para eles.

- Eu amo essa árvore aqui, parece mesmo que ela foi feita para mim. - Divertida, Kimberly comentou. Sentados no chão debaixo da árvore que há décadas lá vivia, ela tinha a cabeça apoiada no colo de Theo, e a mão erguida para o alto. Olhava o céu azul e se fascinava com a beleza da criação. O sol brilhava forte, atravessava as folhas, mas não lhes queimava.

- Deve ser isso mesmo, e você deveria pinta-la. - Theodor sugeriu. Fazia festinhas na cabeça dela enquanto que com a outra mão, quebrava um galho que estava por perto.

- Gostei dessa ideia. - Se levantando, a ruiva olhou para ele sorrindo animada. - Talvez eu até faça uma exposição depois que voltar da escola de arte. - Devolveu emocionada. Juntou as mãos e fez um biquinho fofo. Theodor teria sorrido, mas seu pensamento se prendeu em outra coisa naquela momento. Uma que estava lhe deixando inquieto.

- Mas você já pinta tão bem, não precisa ir para tão longe para melhorar. - Inconformado, Theo voltou ao mesmo de antes. E Kimberly por sua vez respirou fundo ajeitando o cabelo para trás da orelha.

- Porque eu quero ir para essa escola, melhorar minhas habilidades e voltar quando terminar o curso. - Calmamente, a ruiva cuja personalidade não fugia do doce e meigo, lhe lembrou. Tentava ser paciente, se colocar em sua pele imaginando como seria se fosse ele a se ausentar, mas também já começava a se desgastar com tal assunto.

- Kim, não tem necessidade de ir para tão longe. Você já é muito talentosa. - Replicou o filho de Mariana. Lhe disseram que precisava ceder, e ele sabia que para o bem dos dois, precisava mesmo. Mas não era fácil, mesmo que tentasse ser racional e lhe apoiar, não era fácil aceitar que ficariam tanto tempo longe um do outro.

- Theo, não tem necessidade de reagir assim. Nós já falamos sobre isso, eu vou para o curso, volto aqui duas vezes por mês, aproveitamos o máximo de tempo juntos, você vai quando tiver tempo, e assim aguentamos por dois anos. Eu sei que é difícil, eu também sinto muito, mas pense que Zintos não é tão longe assim.- Recapitulou observando suas feições. - Por favor, não vamos com isso de novo. Já é difícil que chegue ir para longe de casa, eu só preciso ir fiquemos bem. - Pediu com medo de se estressar por mais uma vez estarem voltando ao assunto que em sua cabeça, já havia sido encerrado, a bela jovem.

- E se não der certo, e se surgirem muitos contratempos e não conseguirmos nos visitar, e se passarem dias, ou meses, o que vamos fazer? Então será isso o que nos restará, a distância? - Disparou o menino de Mariana. Não queria ser complicado, parecer para ela uma pedra no sapato, mas a verdade é que temia pelo relacionamento deles. Não considerava haver falta de afecto, mas acreditava que não saberia lidar com as saudades que teria dela. - Kimy, eu quero que seja feliz, e que faça o que gosta, eu realmente não pretendo complicar a sua vida, mas eu não sei como lidar com a saudade que vou sentir. - Admitiu um pouco depois.

Kimberly o entendia, claro que o entendia. Havia demorado semanas para responder ao convite da escola de arte de Zintos por esta mesma razão, mas aquele era seu sonho, seu maior desejo na esfera académica, então também queria ser entendida. Não estava dessistindo do futuro que sonharam juntos, só queria alcançar aquilo que planejou sozinha.

- Querido, nada vai mudar. E sim, eu sei que teremos pouco tempo juntos e talvez surgirão coisas que atrapalhem nossas visitas, mas vão ser apenas por dois anos. Nós só precisamos manter o foco, então por favor acredite em mim, porque eu acredito em você. E sei que ficaremos bem. - Respirando ainda mais fundo, Kimberly voltou a se aproximar, mas desta vez sustentando o rosto masculino entre as mãos alvas. Colocava fé em suas palavras, e queria que ele também.

Theo nada disse, apenas a abraçou o máximo de tempo que conseguiu se sentindo ressentido com aquela boa oportunidade que havia surgido para ela. Não se considerava egoísta, e sabia o bem que lhe faria ir para lá, mas desejava, lá no fundo de seu âmago, que tal oportunidade nunca tivesse aparecido.

[...]

Elizabeth abriu os olhos lentamente sentido o pescoço meio dolorido devido a posição em que havia adormecido. E então resmunguou baixinho se sentindo injustiçada, havia se esforçado para não adormecer no sofá por conta do pescoço, que não queira que sofresse, e no final ele ficou dolorido enquanto estava na cama.

O mundo era mesmo injusto, pensou enquanto se espreguiçava. Balançando as pernas, colou os pés para fora da cama ao mesmo tempo que ouviu seu estômago roncar, denunciando que já havia passado da hora do almoço, mas optou pelo banho primeiro.

Cantarolando baixinho, porque não sabia cantar verdadeiramente, e não gostava de como ficava sua voz quando tentava, recolheu do armário uma muda de roupa e a tolha rosa. Foi até o banheiro, ligou o box na temperatura ambiente deixando a sujeira escorrer ralo abaixo.

Terminado o banho, parou em frente ao espelho e por momentos admirou seu próprio reflexo. Naquela época, usava os cachos no cabelo negro, seus olhos castanhos eram expressivos, e deixavam na dúvida se eram apenas gentis ou um pouco desconfiados.

Os lábios não eram muito volumosos, e assim como o restante da pele, tinham uma tonalidade de chocolate. Um pouco parecida com a mãe, Elizabeth era linda.

Já pronta, e dentro do vestido soltinho de alça, desceu as escadas encontrando a casa desértica. Não havia ninguém, apenas o bilhete de seu pai que repousava sobre a mesa de centro da sala.

"Precisei sair princesinha, volto logo."

Voltou a pô-lo no lugar e se encaminhou para a cozinha. Afinal sabia, seu pai deverei ter feito alguma comida.

Após estar devidamente alimentada, lembrou que havia esquecido o telefone no quarto, mas não se importou. Decidiu ficar longe da internet por alguns minutos, então rumou em direção a biblioteca tendo parado no meio do caminho para melhor perceber de onde vinha o "toc, toc".

Vinha da porta principal.

- Esqueceu a chave? - Perguntou meio afirmando para seu irmão após ter aberto a porta. Ele estava encostado no batente, e tinha a chave do carro do pai em mãos.

- É. - Admitiu assim que lhe foi liberada a passagem para dentro de casa. - Cadê todo mundo? - Theodor perguntou deitando-se sobre o sofá.

- Todo mundo? - Elizabeth inqueriu pensativa, para receber um aceno em concordância. - Oh sim... - Falou sorrindo de forma travessa, Theo lhe lançou um olhar avaliativo. - Estão espalhados pelas diversas áreas desse vasto planeta. - Completou de forma séria tentando não sorrir com a cara de indignação do outro.

- Idiota. - Theo resmungou lhe jogando uma almofada. Desta vez, Elizabeth deu um sorriso contido apertando a macia almofada contra seu peito.

- Como já sabe, Naninha tirou férias de você hoje mais cedo, mamãe está no tribunal ou na firma, não sei ao certo. - Falou dando de ombros, mas não esquecendo do tom de implicância para com o irmão em algum momento. - E Papai saiu, disse que não demorava. - Acrescentou apontando para o bilhete na mesa.

- Tá. - Theo respondeu levantando-se.

Novamente, Elizabeth estranhou seu comportamento. Parecia que seu irmão fora abduzido e trocado por um outro alguém. Um que não se ocupava com coisas que se ocupam os irmãos mais velhos... Chatear os mais novos.

Então o observou melhor. Dentro da jaqueta preta, os olhos pequenos porém expressivos, o brinco que seu pai tanto detestava que usasse, e rezava para que lhe passasse a moda, a barba rala que tanto preserva e o cabelo mediano negro em um corte moderno, mais uma vez, concluiu que seu irmão era bonito demais para não estar alegre.

Já ouviu algumas de suas colegas que por um motivo ou outro o conheciam, dizendo que ele tinha um ar perigoso com aqueles olhos, mas ela só considerava que ele era alguém que deveria ser e estar sempre feliz.

Fosse ele muito bonito, ou apenas perigoso.

- Está tudo bem? - Perguntou preocupada ao perceber o quanto seu semblante se mostrava abatido. Sem ironias, sarcasmos ou outra coisa parecida. Apenas preocupação genuína.

- Vai ficar. - Theo respondeu enigmático depositando um beijo no topo de sua cabeleira. - Vou estar no meu quarto, se precisar é só chamar - Falou subindo as escadas. Mão no corrimão e olhar voltado para frente, não se sentia muito em paz, mas também não queria compartilhar com sua "irmãzinha".

Confiava nela, mas não considerava que fosse entender.

E mais uma vez, e enquanto o via sumindo nas escadas, Elizabeth pensou o quanto estava sendo estranho ver seu irmão assim.

            
            

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