/0/13488/coverbig.jpg?v=9f951d0eb2ab323582f8f9668182877e)
Como Joseph havia me dito, Lin aparece naquele mesmo dia em meu quarto, um pouco antes do sol se pôr atrás do horizonte. Apesar de ainda apresentar-se bastante abatido, já está mais rosado e sorridente, o que me acalenta o coração. Estava me sentindo culpado pelo que havia ocorrido mais cedo, e ainda me sinto, de tê-lo de fazer vir aqui, ao em vez de descansar.
- Tem certeza que está se sentindo bem? Caso ache melhor, pode descansar por hoje e amanhã conversamos. Joseph não precisa saber, e eu terei descansado também.
Ele fica surpreso com minha proposta, mas recusa de prontidão, parecendo temer por algo, ou talvez sentindo que não tinha esse direito:
- Não se preocupe comigo, mestre Sebastian. Estou sempre disposto a ajudar o senhor. - Com os ombros curvados, me encara submisso. Mais uma vez aquele olhar estranho, e, no fundo, bastante nebuloso. - No momento, Dr. Anastacius não lhe deu permissão para sair do repouso, então temo ter que adiar nosso passeio, no qual eu lhe apresentaria a mansão. Mas enquanto isso não for possível, estou aqui para responder o máximo de suas perguntas, da melhor forma que meu limitado conhecimento permitir... Talvez assim esta tua amnésia se dissipe.
Ele me dando carta branca, decidi não me restringir, e depois de um vago tempo, no qual me ocupo pensando, decidi começar meus questionamentos do começo:
- Primeiro, onde estamos? Como se chama esse lugar?
- Estamos nas margens do território norte do reino. Um pouco distante da cidade, e sem vizinhos próximos. Ouvi falar que era o desejo de seu pai, que sempre teve que lidar com a confusão e correria da cidade por quase toda sua vida.
- Meu pai?
- Sim, morreu a alguns anos atrás, antes de eu chegar na mansão. Chamava-se Alexei Whitehouse, um alfa como você, que partiu para lutar contra os rebeldes para nunca mais voltar. Sinto dizer, mas é tudo que sei sobre ele.
- É minha mãe?
- Também é falecida.
Sem pai, sem mãe, e odiado pelo cônjuge. Esse homem, Sebastian, parece ter tido uma vida difícil, e solitária, antes que eu me apoderasse de seu corpo. Talvez, eu possa fazer um favor para ele, e tentar consertar tudo isso. Talvez ele nem esteja aqui para ver, mas se estiver, é tudo que posso fazer, para agradecer essa nova chance de viver, que ele talvez sem saber acabou me dando. Quem sabe, na verdade seja Sebastian a resposta para que eu esteja aqui, em seu lugar, e não Alexander?
De uma forma ou de outra, eu teria de ter paciência, e primeiro tinha de esclarecer mais uma dúvida, que surgiu na fala de Lin. Uma palavra estranha, que no meu mundo nada mais servia nas redes sociais do que para dar significado a um tipo bem duvidoso de gente. Ou melhor, um tipo duvidoso de homem.
- Alfa? O que você quer dizer com ele ser alfa, como eu?
Lin arregala os olhos, como se eu perguntasse o maior dos absurdos. Deve ser um conhecimento muito básico nesse mundo, pensei. Inevitavelmente, sinto-me um pouco envergonhado, mas mesmo assim eu não teria deixado de perguntar.
- Até disso o mestre se esqueceu? Que quadro cruel é essa amnésia, que tenta tornar o mestre num bobo! - Fala ele, penalizado - Mas não se preocupe, continue a me perguntar tudo, que assim não haverá abertura para calúnias e fofocas, esse servo não permitirá!
A animação de Lin seria contagiante, para qualquer um que não fosse eu, que só senti-me humilhado perante aquelas palavras. Um bobo, foi isso que ele me chamou por causa de uma pergunta. Nunca me foi tão claro o sentimento daqueles que acham que tudo que podem responder para você é um não, mas são surpreendidos negativamente.
- Ah, bom... desculpe se foi uma pergunta muito est...
- Não, não se desculpe! - De repente, ele lança o rosto para perto de mim. - Não sinta vergonha de nada, mestre. Não há motivo para isso! É tudo culpa dessa maldita situação, em que te meteu esta maldita doença que tem.
Estou envergonhado por culpa sua, seu idiota! Ele coça a garganta, e com postura de professor, começa a dar uma aula para mim.
- Bom, para começar. Primeiro o mestre tem que estar ciente que nossa sociedade é classificada em gênero e subgênero. Quanto os gêneros, o senhor se lembra?
- Sim, são masculino e feminino, não é? - Disse, confiante. Isso não poderia estar errado.
- Está certo, é bom que a amnésia não tenha também lhe tirado isso... mas além de masculino e feminino, como eu falei, ainda somos divididos por dois subgêneros bem definidos, os alfas e os ômegas.Os alfas, como você e seu irmão mais novo...
- Eu tenho irmãos?
- Sim, mas primeiro peço que deixe-me terminar. Prometo lhe falar sobre ele depois - Esse meu irmão, deve ser Alexander, pensei ansioso. Mas mesmo assim me contive, como pediu encarecidamente Lin, e ouvi o resto de sua explicação. - Como eu estava dizendo, alfas são homens e mulheres que, naturalmente, nascem com maior força física, e feromônios intimidantes e dominadores. São líderes por natureza, e que carregam a responsabilidade de prover e proteger...
Por que esse discurso parece tanto com o de machistas do meu mundo? Boa coisa que não podia ser... Papéis muito bem definidos, para mim nunca foi boa coisa.
- Enquanto que nós, ômegas, como eu e mestre Joseph, também temos nossas próprias responsabilidades. Trabalhamos com assuntos mais domésticos e da família... São os ômegas que têm o dom de criar vida, e a responsabilidade maior de educar e cuidar das crianças, garantindo que nosso sangue permaneça através do tempo. - Eu levanto uma de minhas sobrancelhas. No final, está parecendo que esse mundo tem alguns problemas parecidos com o meu, e ainda mais agravados. Um discurso tão atrasado sendo dito tão facilmente, coisa assim não acontecia muito na minha realidade... - Mas, bom, tudo isso que eu falei, vale para uma família comum...
- O que você está querendo dizer com isso?
- Quero dizer que essa regra não vale para vocês, de nome Whitehouse. Vocês são uma exceção à regra. - Ele chega bem pertinho, e olha de um lado e pro outro, antes de continuar, fazendo igual quem está prestes a contar um segredo - Você ainda não teve tempo para conversar direito com Joseph, certo? Não sei se vai ter, mas já vou te avisando que ele... Ele é estranho. Acho que ele tem algum complexo... Mas ele age como um alfa, quer tomar os papéis de um alfa. O seu papel!
- E qual seria meu papel? - Digo, irônico. Mas Lin parece tomar como algo diferente. Uma oportunidade. São os olhos da ambição.
- Ora, qual mais seria se não o de líder dessa família? Ele, aproveitando-se de sua doença, tomou as rédeas de tudo! Da papelada, dos clientes e funcionários. Ele cuida de tudo! De todo o negócio e questões internas também. Ele age como um louco! Está 'alfagilizado'... Se quer ouvir um conselho, eu diria para o senhor não deixar que as coisas piorem, e não se preocupe, pois estou mais do que disposto a aju...
- Joseph faz o que tem que fazer. - Um discurso assim, não me é estranho, e acredito que a nenhuma pessoa que veio do mesmo lugar que eu o é. Um discurso depreciativo, e nesse caso, autodepreciativo. Lin se via como alguém inferior, e como Joseph não faz o mesmo, ele o vê como alguém louco. - Eu que deveria me envergonhar, estando todo esse tempo doente e inútil... Quantos problemas não devo ter causado a ele... e causado a todos vocês.
- Ah, bom... É... - Seu rosto é tomado pela decepção e surpresa. Percebendo que não chegaria ao lugar que queria, seja lá qual fosse, ele muda de assunto. - Ah...! Tem uma coisa importante, que quase deixei passar. Como o senhor não lembrava dos subgêneros, acredito que também não deve ser diferente quanto aos feromônios, não é? como imaginei. O senhor já deve ter percebido que todos aqui tem um perfume único, que exalam naturalmente. É esse cheiro individual de cada um que chamamos de feromônios.
- Mas o que você quis dizer mais cedo, quando disse que os alfas têm feromônios dominadores? Qual a diferença? - Tudo bem que o tempo que ainda faz muito pouco tempo que comecei minha nova vida, mas até agora não havia sentido muita diferença nesses perfumes, ou nenhuma sensação estranha ao senti-los, então queria mais detalhes quanto a essa classificação que deu Lin aos feromônios.
- Um alfa consegue controlar a intensidade e o sentimento que quer causar no outro a partir dos feromônios. Na verdade, todos nós podemos. Porém, em geral, os alfas têm mais poder de impor-se a partir deles, de intimidar. É isso que quis dizer.
- É como uma matilha de lobos...
- Uma matilha de lobos?
- Sim, os lobos não se organizam quase da mesma forma que a nossa? Se você parar para pensar, numa matilha o grupo se divide em alfa e ômega também... A única diferença é que eles ainda tem um terceiro grupo, que nós não temos... Os betas. Não é interessante?
Noto que assim que Lin ouve eu pronunciar 'beta' seu semblante se torna hostil por um segundo, antes de voltar a assumir o sorriso amistoso que sempre faz questão de carregar no rosto, feito tatuagem.
- Sim, é realmente bem interessante, mestre... Agora, o senhor queria saber a respeito de seu irmão, certo?
- Por favor... - Finalmente, chegou a hora de eu conseguir respostas a respeito de Alexander, pensei.
- O jovem mestre acabou de completar dezesseis anos, chama-se Julian. Não tenho muito a falar sobre ele, mas assim que você estiver recuperado, e liberado para participar das refeições à mesa, poderá conhecê-lo melhor.
Julian. Aquilo me surpreendeu. E quanto a Alexander?
- Só tenho Julian de irmão? - Pergunto, tendo dificuldades para aceitar. Estava tão certo de minha suposição...
- Sim, mestre. Julian é seu único irmão.
Um breve silêncio.
- E quanto a Alexander?
- O quê? Não o ouvi muito bem, pode repetir?
- Conhece algum Alexander Whitehouse?
Ele pensar por um longo tempo, até finalmente me responder.
- Não, nunca ouvi falar... É algum parente, o qual permaneceram as memórias? - Ele pergunta esperançoso.
- Eu não sei também. Eu apenas me lembro desse nome, mas não sei quem é... Na verdade, é a única coisa que lembro.
- Se quiser, posso procurar saber para o senhor. Não prometo nada, mas tenho minhas fontes. - Ele ri confiante, e eu sorrio de volta.
- Eu agradeceria.
Mas os dias foram se passando, até virarem uma semana, e nada de informações novas. E todos esses dias sem novidades e sem celular, fizeram-me afundar cada vez mais no tédio do ócio, e eu não consigo guardar isso só para mim. Eu queria sair, conhecer a mansão... compartilhei essa vontade com Lin, mesmo sabendo que Anastácio ainda não tinha dado a permissão.
- Não acho que isso seja uma boa ideia, mestre. O senhor acabou de começar a recuperar as forças nas pernas... Acho que devemos seguir as orientações do Dr. Anastácio e esperar mais um pouco...
- Na minha opinião ele está se preocupando demais. Eu já estou bem, estou caminhando sem problemas e não tenho mais sentido dores. Uma caminha não fará mal nenhum. - Digo, porém já me levantando, e com as roupas leves do corpo, dirigindo-me a porta.
- Ai Deus! Mestre, espere! Se vai fazer isso, pelo menos bote um casaco! Está muito frio pelas acomodações e... - Ele põe o casaco, mas para um sobretudo de pêlos cinzentos, sobre meus ombros. - Ainda acho que não deveria fazer isso.
- Você não precisa ir se não quiser, Lin. Mas saiba que eu vou com ou sem você! - Já estou no corredor, e Lin no meu encalço.
- Estou vendo que não tenho opção então... - Ele suspirou, sentindo-se derrotado, enquanto eu vitorioso.
Conforme eu exploro, mais me sinto teletransportado para um filme de fantasia medieval. Tudo é magnífico. Bibliotecas, Salas, Sala de jantar, Salão de festas... tem absolutamente tudo nesse lugar, que apesar de deslumbrante, também é deprimente. Tudo é escuro e triste no castelo. Talvez por ser grande demais, e com tão poucas pessoas à vista, além dos servos, sempre bem posicionados a cumprimentar, conforme eu passava acompanhado de Lin.
- É tudo tão luxuoso e gigantesco, mas vejo tão poucas pessoas... E o silêncio é feroz.
- O mestre nunca gostou de barulho. Então todos nós fazemos o possível para preservar o silêncio na mansão.
Parte das dúvidas foram sanadas, mas para conseguir controlar tantas pessoas... eu olho pro rosto de alguns servos. Desviam o olhar, amedrontados. Eles tem medo de mim. Tem medo de Sebastian. Por quê?
- Todos eles moram aqui?
- Sim. Todos nós. Moramos nas acomodações dos fundos. Apesar da cidade do norte não ser tão distante, ainda sim não seria conveniente para nós. É bem comum por aqui, os empregados morarem nas casas dos patrões. Ouvi falar que na Capital é diferente. Enfim... acho que é hora de volt...
- E o jardim? - Pergunto, enquanto observo os arbustos cobertos de neve pelas vidraças. - Não passamos pelo jardim.
- Mestre, temo o jardim ultrapassar um pouco os limites, levando em coração sua condição atual...! Ei... mestre! Espera! Isso eu tenho a obrigação de não permitir!
Eu caminho em direção ao fim do corredor. Começo a correr, e Lin corre atrás. Um pique-pega que crio sem a intenção, mas que acaba sendo mais divertido do que eu imaginei. Batemos boca um com o outro, até eu alcançar a porta e abri-la.
- Mestre, não!
Eu sinto o bafo frio do vento, e meus pés afundam na neve fofa. É a primeira vez que piso na neve, e não é como nada que eu já imaginei. O vapor que forma com a minha respiração, os dedos anestesiados pelo frio. Tudo foi-me inebriante, e mais ainda foi quando tomei a neve nas mãos...
- Mestre, entre! O que direi para o Dr. caso o senhor pegue um resfriado!
Torno-a numa bola, e volto-me a Lin.
- Ei... Mestre, o senhor não pretende... Ei... EI! - Eu jogo a bola de neve bem no rosto de Lin, e não consigo evitar uma risada. Chove flocos de neve, e quando finalmente tenho um controle maior sobre o riso, provoco:
- Isso é para esfriar um pouco essa sua cabeça! - Desci o tronco para preparar uma segunda, mas quando me levantei. Pah! Eu que levo uma bola de neve.
- Lembre-se que você que começou isso, mestre... Que o melhor vença!
Naturalmente, uma guerra de bola de neve começa. Nossas pegadas ficam no chão forrado, e desenham nossa brincadeira, de um lado e do outro. Senti-me como uma criança, mas também não desejaria outra coisa. Pois pela primeira vez em muito tempo eu me sentia vivo de verdade.
Ali, não havia mais uma cadeira de rodas, macas de hospitais, médicos e enfermeiros, ou quartos brancos. Era eu e Lin, eu usando minhas pernas depois de muito tempo sem tê-las em meu controle. Eu estava vivo, e não sobrevivendo, e a sensação é muito boa.
Mas no meio de nossa disputa, eu vejo um vulto numa das janelas. Alguém nos observava, mas assim que percebeu meu olhar, sumiu por trás das cortinas.
- Mestre, o que foi? - Pergunta Lin, percebendo minha repentina mudança.
- Não é nada, achei ter visto alguém nos observando na janela, mas acho que foi apenas imaginação minha...
- Deve ter sido, nenhuma pessoa mora nos quartos deste lado na mansão. - de repente, uma lâmpada parece acender na mente de Lin - Na verdade, pode ter sido Julian! Ele costuma ocupar um desses quartos para estudar sem ser incomodado de vez em quando, quando estão fazendo a limpeza da biblioteca. Hoje é um desses dias, então...
- Julian... - Olho mais um pouca, mas ninguém mais espia. - Talvez tenha sido ele então.
Mal podia esperar para conhecê-lo. Não era Alexander, mas era agora meu irmão.
- Ou pode ter sido o fantasma de Alexei... Dizem que de vez em quando ele pode ser visto ao redor da mansão... Ah! Por que fez isso?!
- Você mereceu essa... e como eu fui o último a conseguir um acerto, sou o vencedor!
- E quem disse que terminamos? - Diz Lin, propondo mais um desafio. Mais uma guerra se inicia. E assim ficamos pelo resto da tarde. Com Lin, senti ter feito um amigo. Meu primeiro amigo, nessa estranha dimensão, na qual tanto ainda tenho para conhecer.