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O som das sirenes ecoava por entre as vielas estreitas da Zona Central. O céu da cidade cintilava com drones de vigilância, cruzando o espaço como predadores alados em busca de presa.
Rara Storm correu. Seus pulmões queimavam e o sangue pulsava nas têmporas. A cidade nunca pareceu tão grande, tão cheia de olhos, tão cheia de dentes. Ela sabia que estava sozinha, marcada, caçada. O governo havia virado a população contra ela em questão de horas - com uma acusação forjada, com uma traição cruel.
O dispositivo de invisibilidade no pulso vibrava com instabilidade. Pequenas centelhas surgiam entre os circuitos expostos pela queda anterior. Ela sabia que tinha no máximo mais um minuto antes de se tornar visível novamente.
- "Aguenta só mais um pouco..." - murmurou para o pulso, como se pudesse convencê-lo a resistir.
A pele dela - branca como a neve sob a luz artificial da cidade - estava suja de poeira e suor. Os cabelos negros e prateados grudavam em seu rosto, e os olhos de cores distintas - um azul profundo e outro dourado como âmbar - captavam cada sombra com precisão.
Ela dobrou uma esquina e pulou por cima de uma cerca. O beco estava parcialmente alagado. O som de passos pesados atrás dela ecoava cada vez mais perto. Um drone passou sobre sua cabeça, iluminando tudo com uma luz branca e cruel.
O dispositivo falhou.
Em segundos, holofotes varreram o chão onde estava. Ela correu novamente, com o coração aos saltos. Atrás dela, um grito:
- "VISUAL CONFIRMADO. RARA STORM. NÍVEL DE AMEAÇA: ALTO."
Eles sabiam o nome dela. A maldita voz automatizada gritava sua sentença para toda a cidade:
".. ALVO N° 1, TRAIDORA NACIONAL, Rara Storm - Recompensa: 1 Milhão de Créditos.
De repente, uma luz potente explodiu ao seu lado. Dois soldados do Esquadrão P5 a avistaram.
- "Ela tá aqui!" - gritou um deles.
- "Ativem as algemas plasmáticas!"
O mundo girava, a adrenalina era a única coisa mantendo-a de pé. Rara saltou sobre uma grade enferrujada e rolou no concreto úmido, ativando uma granada de fumaça. A invisibilidade falhou no instante seguinte, mas já era tarde demais para os soldados.
Ela não pensava, apenas corria.
Durante horas, vagou por zonas proibidas, escuras e abandonadas. Cada passo mais longe da cidade era um passo para dentro de uma terra esquecida pelo tempo.
Ela entrou em um túnel abandonado do antigo sistema de metrô. Ali, o ar era espesso, úmido e metálico. O sinal desapareceu completamente. Por um breve momento, só o som de suas próprias passadas ecoava.
A escuridão acolheu-a como uma mãe silenciosa. Mas até a sombra tem seu preço.
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Quando saiu do túnel, horas depois, os pés de Rara estavam ensanguentados. O corpo, exausto. A noite havia passado. O céu agora era um pano pálido coberto por nuvens pesadas. Não havia tecnologia visível ali, nem drones, nem sinais, nem vozes. Só o som dos ventos cortando as árvores retorcidas da Zona X-13 - uma área afastada e esquecida, onde o governo não ousava pisar.
O silêncio era absoluto, mas ela sabia que ainda não estava segura.Sem forças, Rara caiu de joelhos numa clareira enevoada. A vegetação ali parecia sussurrar, como se a própria terra respirasse. O silêncio era diferente, carregado de um peso antigo.
Mas a paz durou pouco.
Um farfalhar nos arbustos. Um assobio. Um estalo.
Antes que pudesse reagir, um grupo de batedores com rostos cobertos por mantos e armas artesanais em punho - surgiram em volta.
- "Identifique-se, forasteira."
- "Ela tem olhos de duas cores... igual à lenda."
- "Não importa. Nenhum forasteiro deve ficar. Ataquem!"
Rara levantou os punhos, cambaleando.Eles avançaram. Rara tentou ativar a pulseira, mas estava sem energia. Suas mãos tremiam de exaustão, mas ela se levantou, mesmo cambaleando.
- "Não quero lutar, mas não vou morrer aqui."
- "Foi mal, mas você vai morrer aqui - disse uma mulher, arremessando uma lança.
Ela desviou por puro instinto. Usou o terreno a seu favor, derrubando dois atacantes ao provocar um pequeno deslizamento de lama com seus pés. Mas o corpo não acompanhava mais o espírito. Uma pancada no flanco a lançou contra uma árvore.
Sua visão oscilava. Ela caiu de joelhos. Ainda assim, tentou se erguer. Não importava o quanto doesse.
Mas não conseguiu. Os batedores se aproximaram para o golpe final.
Foi quando um silvo cortante atravessou o ar. A lâmina dourada de uma arma desconhecida passou rente ao pescoço da agressora, imobilizando-o com precisão. Os outros pararam, alertas, apontando suas lanças para a direção da floresta.
Dos arbustos, emergiu uma figura. Alta, firme, o corpo esculpido como mármore, pele levemente bronzeada como se tocada pelo sol - um contraste vivo contra os cabelos platinados que caíam desordenadamente sobre os olhos azul gelo. Os olhos dele encontraram os de Rara por um segundo e algo inexplicável pulsou no ar entre eles. Algo antigo. Algo que doía.
- "Afastem-se." - sua voz era grave, calma, mas carregava uma força que silenciava qualquer argumento.
- "Kael..." - sussurrou um dos batedores, abaixando a arma com reverência. - " Guardião..."
Kael caminhou até Rara e se ajoelhou com cuidado ao lado dela. Seus dedos tocaram o rosto machucado com uma gentileza impossível para alguém que acabara de desarmar quatro guerreiros.
- "Ta tudo bem, você está segura agora ." - disse ele, firme. - "Eles não te machucam mais."
- "Por quê... você..." - sussurrou Rara, desfalecendo.
Ele a olhou por um longo instante. A tatuagem de serpente dourada brilhava suavemente sob a manga erguida.
- "Porque eu te esperei por muito tempo... Storm."