Capítulo 2 A Mulher no Vidro

Londres, 1849

A rua levava até o cais velho, onde a cidade sumia em neblina. Thomas caminhava como quem seguia um presságio, um sinal, com os dedos enfiados nos bolsos do casaco, segurando o cartaz amassado na mão.

Era fim da tarde quando avistou as lonas vermelhas e uma multidão de pessoas enfileiradas. O Circo das Maravilhas do Mundo feito exatamente para aquela multidão, pessoas curiosas que estavam em êxtase ao imaginar o que lhes aguardavam. Elas sabiam exatamente para o que vieram, atraídas pelo desejo de ver o impossível.

Ao contrário de Thomas, ele não estava ali em busca do impossível, de entretenimento, mas sim de respostas.

Pagou a entrada com moedas gastas e entrou.

O ar lá dentro era denso, cortado por fumaça doce. Crianças gritavam, homens gargalhavam, vendedores ambulantes equilibravam bandejas com doces e pipocas. Mas nada disso importava.

Respostas, era tudo que Thomas pensava e aquilo que ele mais precisava.

Passou por aberrações montadas em pedestais: uma mulher tatuada da cabeça aos pés, um rapaz que mordia metal, um velho com dois pares de olhos. Todos fingindo ser mais do que eram.

Até que o som mudou.

Era sútil, quase imperceptível - E hipnotizante.

Era simplesmente lindo.

Uma melodia que surgia de alguma parte distante daquela tenda. Um canto que era tudo, menos humano, mas também não pertencia a nenhum ser animal. Um canto de vento e dor. De saudade e vazio. Uma melodia que ninguém ao redor parecia notar, apenas Thomas, como se fosse apenas pra ele, só pra ele.

Hipnotizado, como se não conseguisse ouvir nada, além da triste melodia. Seguiu o som por entre lonas e cortinas até chegar a

parte mais escura da tenda, isolada da multidão. Um corredor estreito levava a uma cortina grossa, onde um segurança franzino recebia os visitantes com um olhar entediado.

- Sala principal - disse o homem. - A Donzela do Abismo. Não toque no vidro.

Thomas entrou.

A primeira coisa que viu foi luz azul. Vinha de dentro de um tanque de vidro gigantesco, preenchido por água turva e fria. No centro, ela.

A silhueta desconhecida.

A mulher dos sonhos que nunca conhecera.

Flutuava com os olhos fechados, como se dormisse no fundo do mar. Os cabelos negros como algas longas dançavam em torno do corpo. O busto era humano, pálido, adornado por escamas iridescentes. Abaixo da cintura, a carne cedia lugar a uma cauda curva, prateada e poderosa.

Thomas não conseguia se mover, estava hipnotizado. O vidro parecia uma sepultura, uma prisão. Ela abriu os olhos - prateados, antigos, infinitamente tristes - e o encarou.

Elira.

Ele ainda não sabia seu nome, mas sabia que era ela.

Aqueles olhos.

Ela era a sua resposta.

O mundo parou.

E naquele instante, algo quebrou dentro dele.

Houve silêncio. Apenas os dois. Ele fora dela. Ela dentro. Um muro de séculos entre eles.

A mão dela subiu, devagar, até tocar o vidro por dentro. Os dedos finos deixaram uma trilha de bolhas.

Instintivamente, Thomas ergueu sua mão também.

E, quando suas palmas se alinharam - separadas por poucos centímetros e uma eternidade - ele sentiu.

Eles já haviam feito aquilo antes.

                         

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