Capítulo 5 SOB O VÉU DA VERDADE.

Lorde Reginald Alistair Ashbourne entrou na pequena delegacia da cidade com passos firmes e decididos. O lugar era simples, com poucas mesas e uma cela nos fundos. Um homem que estava preso olhou para ele, fez uma careta de desagrado e se virou, fechando os olhos contra a parede, como se preferisse ignorá-lo.

O xerife, um homem de aparência robusta e já envelhecido, levantou os olhos e o observou de cima a baixo, tentando entender o que alguém tão bem vestido faria em uma cidade tão pacata como aquela.

- Pois não, senhor? - perguntou, com um tom de curiosidade, avaliando cada detalhe do visitante.

- Boa tarde, xerife. Meu nome éReginald Ashbourne - disse ele, com uma voz grave e autoritária. - Estou à procura de meu sobrinho... E, de acordo com a garçonete, o homem enterrado... - Ele hesitou, como se ainda tentasse acreditar no que estava dizendo. - Donovan Motter Ashbourne. Preciso que exumem o corpo para realizar um teste de DNA.

O xerife levantou-se da cadeira, colocou as mãos nos bolsos da calça e balançou a cabeça lentamente, como quem lamentava a situação.

- Era um bom rapaz, quieto, trabalhador... e um bom marido - disse ele, com uma certa tristeza na voz. - Espero, senhor Ashbourne, que o Donovan que está enterrado lá não seja seu sobrinho, porque, pelo que eu sei, ele não tinha parentes vivos. Mas, na minha profissão, pessoas que não dizem a verdade fazem parte da rotina... - Ele gritou em direção ao preso, com um tom sarcástico: - Não é mesmo, Roney?

O preso, que estava deitado na cama da cela, levantou uma mão, como se pedisse para ser deixado em paz. O xerife voltou sua atenção paraReginald.

- Bem, senhor, como ele é seu sobrinho e não seu filho, vou precisar da autorização da senhora Ashbourne. - Ele fez uma pausa ao ver a expressão surpresa no rosto de Reginald. - Ah, sim... - continuou, com um sorriso irônico - Aqueles dois se casaram, tanto na igreja quanto no cartório, e eu, com bom gosto, fui testemunha. Então, senhor Ashbourne, me traga uma autorização por escrito da senhora Ashbourne, e faremos tudo dentro da lei.

Reginald suspirou pesadamente, sentindo o peso da situação.

- A senhora Ashbourne... - sussurrou, encarando o xerife como quem encara uma sentença. - A viúva que ninguém esperava... e o obstáculo que ele não pode ignorar.

Enquanto isso, Evelyn estava em casa, guardando a última louça do jantar no pequeno armário quando uma batida na porta a surpreendeu. Ela se aproximou da porta e, afastando a cortina que cobria o vidro, viu a última pessoa que gostaria de ver.

- Já é tarde, vá embora - ela disse, sem vontade de enfrentá-lo.

- Por favor, preciso conversar com você e pedir sua autorização - ele respondeu, com uma calma que a irritou.

As notícias já haviam se espalhado, e ela sabia exatamente o que ele queria.

- Só um momento, por favor. - Ela disse, tentando manter a compostura.

Ele aceitou, e ela, com passos pesados, foi para trás do biombo. Alguns minutos se passaram, mas para ele pareceu uma eternidade, até que ela apareceu vestindo um roupão que era dois números maiores do que seu tamanho. Ele a observou, mas manteve-se quieto.

Ela abriu a porta e ele entrou, fazendo com que o pequeno quarto parecesse ainda menor, sua presença alta e imponente preenchendo todo o espaço. Ele carregava uma pasta, mas não parecia interessado no conteúdo imediato. Seus olhos se fixaram na estante, onde uma foto do casamento de Evelyn e Donovan estava exposta. Com passos largos, ele se aproximou e, com mãos trêmulas, pegou o porta-retrato. Ao lado, outra foto de Donovan em sua moto, com um sorriso feliz estampado no rosto.

Ele ficou em silêncio por um momento, olhando para as fotos. Então, falou, com a voz embargada pela emoção:

- Ele amava motocicletas... Tinha uma coleção na garagem. Participava de vários ralis, ganhava prêmios. A Condessa Clenci, minha cunhada, sempre o apoiava. Mas meu irmão, o Conde Ashbourne, discordava totalmente. Quando Albert, o filho mais velho, adoeceu e não resistiu, todas as atenções se voltaram para Donovan. Mas ele... não queria saber dos negócios da família. As brigas entre os três eram diárias. Então, ele vendeu todas as motocicletas e desapareceu. Há dois anos estávamos procurando por ele. E sua ligação... me trouxe até ele... - A voz dele se apagou, cheia de dor e frustração.

Evelyn não sabia o que dizer, nem o que fazer. Ela ficou parada, escutando suas palavras com o coração apertado. As lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto, e ela tentou se controlar, mas não conseguiu.

- Sinto muito - falou com a voz rouca pelo choro.

Ele colocou o porta-retrato no lugar e virou-se para ela. Seu rosto, antes vulnerável, agora parecia um mármore frio, sem qualquer vestígio da tristeza que havia transparecido instantes antes. Passando a mão pelos cabelos, ele disse:

- Evelyn Prescott Ashbourne... - Ele repetiu o sobrenome, como se o peso das palavras lhe causasse desconforto. - Nosso primeiro contato não foi exatamente... agradável. Eu não deveria tê-la julgado tão rápido. Mas entenda, Evelyn, foram dois anos procurando por Donovan, e quando finalmente recebo uma pista, descubro que ele pode estar morto. Até entrar por aquela porta, eu tinha certeza de que não era ele. Mas agora, vendo essa foto... não tenho mais dúvidas. - Ele suspirou, apertando o maxilar, tentando conter a frustração. - Amanhã volto. Temos muito o que conversar. Tenha uma boa noite.

Antes que ele saísse, Evelyn murmurou:

- "Сокровище".

Ele parou imediatamente, mas não se virou.

- Donovan às vezes repetia essa palavra enquanto dormia...

Ela respirou fundo antes de continuar:

- "сокровище" significa "tesouro". Meu avô era poliglota e ensinou várias línguas aos filhos, netos... e até bisnetos. "Tesouro", em russo - era assim que ele chamava Donovan. Porque, no fundo, se enxergava nele. Os dois tinham o mesmo nome.

O silêncio que se seguiu não foi apenas ausência de som. Foi cheio. Denso. Como se cada palavra anterior ecoasse nas paredes, mergulhada em memórias que ninguém ousava tocar.

Então, quase num sussurro, Evelyn falou - não como quem pergunta, mas como quem se dá conta de uma peça escondida do quebra-cabeça:

- Então... Donovan falava russo.

A resposta veio sem rodeios, carregada de uma verdade que talvez já não pudesse mais ser contida:

- Sim. Donovan sabia falar russo.

Ele fechou a porta atrás de si com um gesto calmo, quase cerimonial. E saiu - os passos firmes, sem pressa, mas cada um deles como um ponto final deixado para trás.

Deixando Evelyn sozinha com um novo fantasma: a certeza de que nunca conheceu totalmente o homem que amava.

E agora, as perguntas vinham como uma enxurrada - com quem ele falava russo? O que ele escondia por trás do apelido carinhoso? E por que tudo isso parecia, de repente, fazer parte de algo maior... algo que ela ainda não enxergava por completo?

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