O Pedro voltou três horas depois, cheirando a perfume de mulher e a fumo de cigarro.
Ele sentou-se na cadeira ao lado da minha cama, o seu rosto cansado.
"Encontrámos o Flocos. Ele estava preso debaixo de um carro. A Sofia estava uma confusão, eu tive de a acalmar."
Ele pegou na minha mão. Estava fria.
"Lúcia, como te estás a sentir? Ainda dói?"
Eu olhei para ele.
"Pedro, vamos divorciar-nos."
A minha voz estava calma, sem qualquer emoção.
Ele congelou. O cansaço no seu rosto foi substituído por choque e descrença.
"O quê? Lúcia, do que estás a falar? Nós acabámos de perder o nosso filho. Porque é que estás a dizer isto agora?"
"Porque eu não aguento mais, Pedro."
Eu retirei a minha mão da dele.
"O teu filho acabou de morrer, e tu foste consolar a tua ex-namorada por causa do gato dela. O que é que isso me diz?"
A sua expressão mudou de choque para raiva.
"Isso é diferente! A Sofia estava desesperada! Tu tinhas os médicos e as enfermeiras aqui. Ela não tinha ninguém!"
"Eu sou a tua esposa, Pedro. Eu estava a carregar o teu filho. Ou pelo menos, o filho que tu pensavas que era teu."
As minhas palavras atingiram-no. Ele ficou em silêncio, a sua mandíbula cerrada.
"Não podes usar isso contra mim, Lúcia. Eu aceitei-o. Eu disse que o amaria como se fosse meu."
"Mas não o fizeste, pois não?"
Eu ri, um som oco e amargo.
"Tu usaste-o como uma desculpa para seres um mártir. Para mostrares a toda a gente que grande homem tu és, perdoando a tua esposa infiel. Mas no momento em que a tua preciosa Sofia precisou de ti, tu largaste tudo. Deixaste a tua esposa, que acabara de dar à luz um nado-morto, para ires à caça de um gato."
"Isso não é verdade!" ele gritou, a sua voz a ecoar no quarto silencioso.
"A Sofia é apenas uma amiga! Eu sinto pena dela!"
"Pena? Tu amas-a."
A verdade pairou no ar entre nós, feia e inegável.
Ele não a negou. Ele não conseguia.
Eu peguei no verdadeiro relatório de ADN da gaveta da minha mesinha de cabeceira e atirei-lho.
Ele caiu no seu colo. Ele olhou para ele, confuso.
"O que é isto?"
"A verdade, Pedro. Abre-o."
Ele abriu o envelope com mãos trémulas. Os seus olhos percorreram o papel. Eu vi o momento em que ele compreendeu.
A cor desapareceu do seu rosto. Ele olhou para o papel, e depois para mim, a sua boca aberta em choque silencioso.
"O bebé... era meu?" a sua voz era um sussurro rouco.
"Sim. Ele sempre foi teu."
Ele olhou para mim, a dor e a confusão a rodopiarem nos seus olhos. "Mas... porquê? Porque é que mentiste, Lúcia?"
"Porque eu queria ver, Pedro. Eu queria ver o que tu escolherias. A tua esposa e o teu filho, ou a tua ex-namorada e o seu gato. E tu fizeste a tua escolha."
Levantei-me lentamente da cama, cada movimento um esforço.
"Eu quero o divórcio. E desta vez, é a sério."