O Pedro finalmente voltou à tarde.
Ele parecia exausto, com barba por fazer e os olhos vermelhos.
Assim que entrou, atirou as chaves para a mesa de centro e sentou-se no sofá, esfregando as têmporas.
"A minha mãe e o teu pai ligaram-me. O que se passa? Queres divorciar-te?"
O seu tom era calmo, mas eu podia sentir a impaciência por baixo.
"Sim," respondi, sentada em frente a ele. "Pedro, vamos acabar com isto."
Ele levantou a cabeça, os seus olhos fixaram-se nos meus.
"Eva, porquê? Só porque eu cuidei da Sofia por uma noite?"
"Não é só por uma noite, Pedro. É porque nos teus olhos, eu nunca sou tão importante como ela."
Olhei para ele, tentando encontrar um traço de culpa no seu rosto, mas não encontrei nada. Apenas cansaço e incompreensão.
"A Sofia está doente, Eva. Ela quase morreu de intoxicação alcoólica. Ela não tem família aqui. Quem é que cuidaria dela se não fosse eu?"
"E eu? Pedro, ontem era o nosso aniversário de casamento. Eu esperei por ti a noite toda."
"Eu sei que te negligenciei, e peço desculpa. Posso compensar-te. Podemos celebrar o aniversário noutro dia. Não precisas de levar as coisas tão longe, pois não?"
Ele ainda não entendia.
Ele pensava que isto era apenas sobre um aniversário, sobre uma refeição.
"Pedro, não é sobre o aniversário. É sobre escolha. Quando eu e ela precisamos de ti ao mesmo tempo, tu escolhes sempre ela sem hesitar."
"Isso não é justo," ele franziu o sobrolho. "A situação dela era de vida ou de morte. A tua era apenas esperar por mim para jantar."
"E se a minha situação também fosse de vida ou de morte?" perguntei, olhando diretamente para ele.
Ele ficou atordoado por um momento, depois riu-se.
"Como é que isso é possível? Estás bem em casa."
As suas palavras perfuraram o meu coração.
Sim, eu estava bem. Mas e o nosso filho? O nosso filho que ele nem sabia que existia, já tinha sido abandonado por mim.
Decidi não lhe contar sobre a gravidez.
Não fazia sentido.
Ele não merecia saber. Não merecia ser pai.
"Pedro, eu já me decidi. Amanhã, vamos ao cartório."
Levantei-me, pronta para terminar a conversa.
"Eva!" Ele levantou-se de repente, a sua voz finalmente mostrando um traço de pânico. "Não podes fazer isto. Pensa nos nossos três anos de casamento. Não significam nada para ti?"
"Significavam," disse eu, de costas para ele. "Mas agora, já não significam."