A expressão no rosto dele, iluminada por uma felicidade que eu não via fazia vinte anos, me cortou fundo. Não se tratava de uma distração passageira, mas de um abandono emocional.
Já nos seus setenta anos, ele vivia obcecado com a ideia de deixar um herdeiro, e eu percebia que ele buscava nessa garota a promessa de um novo futuro.
Não houve cena, nem gritos. Apenas me afastei, deixando que o compasso dos meus saltos ecoasse sem revelar o turbilhão que me destruía por dentro.
Carroll me via como uma professora de História da Arte frágil, descartável com um simples acordo financeiro. Mas ele estava enganado.
Na mesma noite, preparei o prato que ele mais amava.
Quando ele finalmente chegou, tarde da noite, o prato já estava frio, e ele vinha pronto para a conversa que pretendia encerrar nossa vida juntos.
Mas, antes que ele pronunciasse qualquer palavra, retirei uma pasta da escrivaninha e o encarei sem vacilar. "Eu tenho câncer, Carroll. Câncer de pâncreas. Tenho seis meses, talvez menos, segundo os médicos."
O sangue sumiu do seu rosto, e o que vi em seus olhos não foi preocupação nem amor, mas a ruína súbita de seu plano.
Uma esposa morrendo não podia ser descartada sem que isso manchasse o legado que ele idolatrava. A imagem pública que ele tanto cultuara agora se tornava sua própria prisão.
Sem conseguir me encarar, Carroll foi direto para o escritório, e o estalo da fechadura ecoou pela casa em silêncio.
Na manhã seguinte, meu sobrinho Jared me telefonou. "Ele a expulsou, tia Helena. Ela estava chorando sem parar na calçada."
...
Eu era Helena Cook, a esposa sofisticada, inteligente, a parceira que todos apontavam como perfeita.
Durante quatro décadas, permaneci ao lado de Carroll Baxter, sustentando cada passo de sua escalada, que começou em um cargo modesto de deputado estadual e terminou com seu nome sendo reverenciado em cada sala de poder. Quando ele se aposentou, levou consigo uma pensão generosa e assentos em conselhos de três grandes corporações.
Juntos, construímos seu império político, e sua glória eu também considerava minha. Fui eu quem moldou sua ascensão social.
Mas, certa tarde, tudo se rompeu.
Carroll deveria estar em um almoço de negócios, porém, em vez disso, encontrei-o em uma cafeteria simples no centro da cidade, com um expressão de felicidade que eu não testemunhava havia vinte anos. Ele dividia um único smoothie verde com uma garota - dois canudos estavam mergulhados no mesmo copo de plástico.
A banalidade da cena suburbana tornava a traição ainda mais cruel.
Foi nesse instante que compreendi: não se tratava de uma distração passageira, mas de um abandono emocional.
Já na casa dos setenta anos, obcecado pela ideia de deixar um herdeiro, Carroll havia decidido buscar nela um filho que perpetuasse o nome Baxter.
Eu sabia, sem dúvidas, que ele enxergava nessa mulher o início de uma nova vida.
Ele já havia mencionado o nome dela antes: Kandy Mays, sua instrutora de ioga. Um dia, chegou a descrevê-la como "um sopro de ar fresco". Hoje, essas palavras me queimavam como ácido.
Não houve cena de escândalo. Escolhi apenas me afastar, e meus saltos marcaram no chão um compasso firme que contrastava com o turbilhão que me devorava por dentro.
Ele, convencido de que eu era apenas uma professora frágil de História da Arte, acreditava poder se livrar de mim com um acordo financeiro pequeno e condescendente. Mas estava enganado.
Minha irmã mais velha, a Deb, havia sido vítima desse mesmo jogo - morreu em complicações no parto, tentando a todo custo segurar o casamento com um marido poderoso e infiel. Suas últimas palavras ecoavam até hoje como um mandamento: "Homens assim sempre vão te deixar sem nada. Helena, mantenha sempre um documento. É sua única proteção."
E eu segui o conselho. Durante vinte anos, mantive um arquivo.
À noite, preparei o prato que ele mais amava - frango assado com alecrim e limão. A casa estava impregnada com o aroma de conforto e estabilidade, tudo aquilo que ele estava disposto a jogar fora.
Carroll chegou tarde, o rosto tenso e carregado de impaciência, pronto para dar o golpe final.
"Helena, precisamos conversar", ele disse com a voz seca, sem traço de calor.
Não respondi. Apenas me levantei da cadeira e caminhei até a escrivaninha com gestos firmes e tranquilos.
De dentro da gaveta, retirei uma pasta e a coloquei sobre a mesa, entre nós dois.
Carroll franziu a testa, confuso, até que me fixei em seu olhar.
"Eu tenho câncer, Carroll", minha voz saiu estável. "Câncer de pâncreas. Tenho seis meses, talvez menos, segundo os médicos."
Ele empalideceu de imediato, recuando com a mão no peito como se tivesse sido alvejado.
Eu conhecia bem esse olhar - não era de amor nem de preocupação, mas de puro desespero ao ver sua estratégia cuidadosamente planejada desmoronar.
Uma esposa morrendo não podia ser descartada sem que isso manchasse o legado que ele idolatrava. A imagem pública que ele tanto cultuara agora se tornava sua própria prisão.
"Eu... Eu preciso de um minuto..." Sem conseguir me encarar, Carroll foi direto para o escritório, e o estalo da fechadura ecoou pela casa em silêncio.
No dia seguinte, Jared meu sobrinho e meu informante, me telefonou.
"Ele a expulsou, tia Helena. Ela estava chorando sem parar na calçada. E ele ainda ligou para o corretor, cancelando a venda da villa na montanha."
Nesse instante, tive certeza - eu havia vencido a primeira batalha.