Como você pode me perguntar isso?, ela pensou, uma risada histérica borbulhando em sua garganta. Como você pode sentar aí, professando seu amor por outra mulher, e depois fingir se importar tanto comigo?
Ela se forçou a respirar lenta e tremulamente. "Não é nada", mentiu, a voz tensa. "Só uma cãibra."
Ele não pareceu convencido, mas a ajudou a se levantar. "Vamos para casa. Você precisa descansar."
O caminho de volta foi um borrão de gentilezas forçadas. Davi tentou fazer piadas, preencher o silêncio sufocante no carro, mas Júlia apenas olhava pela janela, as ruas vibrantes da cidade parecendo cinzentas e sem vida.
"Eu fiz algo de errado?", ele finalmente perguntou, a voz suave e cautelosa.
"Não", disse ela, o tom neutro. "Eu só estava pensando em uma série que assisti hoje."
Ele relaxou visivelmente. "Ah, é? Sobre o que era?"
"Era sobre um homem que tinha dois amores", disse ela, os olhos fixos nos prédios que passavam. "Ele dizia à esposa que a amava, mas secretamente amava outra pessoa. Ele achava que poderia esconder isso para sempre." Ela se virou para olhá-lo, o olhar penetrante. "Davi, você faria isso comigo?"
"Claro que não!", ele interrompeu, a voz aguda e defensiva. Ele estendeu a mão e pegou a dela, o aperto quase doloroso. "Júlia, você sabe que eu te amo. Só você. Eu nunca, jamais, te trairia."
Suas palavras, antes uma fonte de conforto, agora pareciam punhais. Cada sílaba era uma mentira, uma performance cuidadosamente elaborada.
Nesse momento, o outro celular dele, o que ele mantinha para o "trabalho", vibrou no console central. Ela acenou na direção dele. "É melhor atender."
Ele hesitou, depois o pegou. Sua expressão se contraiu enquanto ouvia a voz do outro lado. "Preciso ir", disse ele, encerrando a chamada abruptamente. "Uma emergência no escritório." Ele encostou o carro. "Vou pedir para um motorista te levar para casa."
Júlia assentiu silenciosamente e saiu do carro.
No momento em que o carro dele acelerou, ela chamou um táxi. "Siga aquele carro", disse ao motorista, a voz fria e firme.
O carro de Davi os levou a uma mansão particular nos arredores da cidade. Júlia observou de longe enquanto ele saía. A porta da frente da mansão se abriu e Yasmin Ferraz apareceu, vestida com uma fantasia de empregada ridiculamente curta.
Ela correu para Davi, jogando os braços ao redor de seu pescoço, e eles se beijaram, um beijo longo e apaixonado que fez o estômago de Júlia revirar.
"Sentiu minha falta?", Yasmin perguntou, a voz um ronronar brincalhão. "Tenho uma surpresa para você."
Os olhos de Davi escureceram com um olhar de pura luxúria que Júlia não via há anos. "Vim o mais rápido que pude", ele murmurou.
"Vamos ver a surpresa no carro", sussurrou Yasmin, puxando-o em direção ao veículo dele.
Eles entraram no banco de trás e, logo, o carro começou a balançar suavemente.
Júlia sentou-se no táxi, observando. Uma parte dela sabia, esperava por isso, mas ver com seus próprios olhos era um tipo diferente de dor. Era uma agonia crua e visceral que raspava sua alma de qualquer esperança remanescente.
Ela apertou o peito novamente, ofegando por ar enquanto lágrimas quentes escorriam por seu rosto. Ela se lembrou da primeira vez deles juntos. Ele tinha sido tão gentil, tão reverente. Ele insistiu em esperar até a noite de núpcias, dizendo que ela era preciosa demais, pura demais. Ele chorou naquela noite, abraçando-a, sussurrando que a amaria por toda a eternidade.
Ele a fez se sentir querida, única, como se ninguém mais no mundo pudesse amá-la como ele amava.
E foi ele quem estilhaçou tudo.
A motorista de táxi olhou para ela pelo retrovisor. "Homens são todos iguais", disse ela, a voz cheia de uma simpatia cansada. Ela passou uma caixa de lenços para Júlia. "Meu marido também tem uma por fora. A gente só tem que fingir que não vê. Perdoar. É mais fácil assim."
Júlia pegou um lenço, os nós dos dedos brancos enquanto cerrava o punho. "Não", sussurrou ela, a voz um som cru e quebrado. "Eu nunca vou perdoá-lo."
Ela repetiu as palavras, desta vez para si mesma, um voto solene e inquebrável. Nunca.
Quando chegou em casa, ela se moveu pela vasta e vazia cobertura como um robô. Juntou todos os presentes que Davi já lhe dera - as roupas, as bolsas, as joias, incluindo o recém-adquirido colar 'Júlia'.
Ela ligou para o administrador do prédio. "Quero vender todos esses itens", disse ela, a voz desprovida de emoção. "Doe o dinheiro para uma fundação para mulheres."
Em uma hora, tudo estava embalado e levado. Os armários estavam vazios, as caixas de joias, também.
Ela começou a fazer uma pequena mala com suas próprias coisas, os poucos itens que eram verdadeiramente seus.
De repente, a porta da frente se abriu com um estrondo. Davi estava lá, encharcado da chuva que começara a cair, o rosto pálido e furioso.
"Júlia! Por que você vendeu o colar?", ele exigiu, sua voz ecoando na sala nua e vazia.