Feitiço do Sono
img img Feitiço do Sono img Capítulo 2 1. Você não pode continuar escondendo-se atrás de velhos contos de fadas e continuar lavando suas mãos em inocência.

Capítulo 2 1. Você não pode continuar escondendo-se atrás de velhos contos de fadas e continuar lavando suas mãos em inocência.

Ao ver as repugnantes pestes que se espalhavam ao seu redor, ela estremeceu, tentando fugir, mas elas se multiplicavam sobre a terra como num passe de mágica, formando um tapete verde e marrom de anfíbios, impedindo assim qualquer saída. Anfíbios! Cujos olhos brilhavam sob a luz do luar!

Ainda consciente, a bela jovem apertou o estômago, re-velando náusea e horror que sentia de sapos e rãs. Tentou gritar ao perceber que, além de gosmentos, eram horrendos com aquelas cores estranhas em tom de verde musgo, mar-rom, amarelo e até azulado! Mas os belos lábios rosados só se moviam, sem sair palavra. Estava muda de medo, a coitada. Pelo menos estremecer de pura repugnância, ela podia. Entre-tanto, vê-los e senti-los, agarrando-se a barra de sua longa camisola branca de seda foi demais para seus belos e inocentes olhos cor de âmbar. Numa última tentativa de livrar-se deles, a moça reuniu suas fracas forças e, com o delicado pesinho desnudo, atirou-os aos pontapés sobre os demais, que emitindo gorgulhos, pulavam, coaxando sem parar, contraindo aqueles gogós nojentos de suas gargantas!

- Argh! - exclamou a jovem, conseguindo finalmente emitir algum som, enquanto se comprimia cada vez mais em cima da enorme pedra negra. Mas foi em vão, ela escorregou em meio aqueles bichos peçonhentos, e tudo escureceu.

O relógio prateado digital de cabeceira anunciava meia-noite de uma quinta-feira qualquer do mês de agosto.

Ela ainda se remexia agitada na cama de solteiro de seu confortável quarto, cuja casa rústica e moderna, repousava serena no começo da travessa, no final do século XX.

O silêncio era sepulcral na rua asfaltada, arborizada e muito moderna do bairro de classe média alta da cidade. Somente os latidos de cães e alguns pios de coruja conseguiam quebrar aquela paz. Só que não, pois o seu smartphone branco também. O aparelho tocou em alto e bom tom, a nona sinfonia de Beethoven, enchendo o ar de melodia e acordando a moça, que remexendo muito na cama, acordou quase chorando.

Seu babydoll branco rendado estava banhado em suor. Profundamente incomodada, ela suspirou, tirando uma mecha loura de seus olhos castanhos, e por fim atendeu ao celular, quase que inconscientemente, revelando mais náusea que surpresa ao ouvir a voz de sua amiga traiçoeira do outro lado da linha:

- Vivi? Sou eu, Cibely! Estava dormindo? - perguntou a voz, ao notá-la murmurando. Miss Bailey, ainda meio sono-lenta e com o coração aos saltos devido ao sonho ruim, ironicamente comentou:

- Não! Apenas tendo pesadelos! Você pelo menos me salvou de um desmaio em meio a uma epidemia de rãs e pererecas! - em seguida, ela conseguiu sorrir aliviada, ao notar que seu baby doll não tinha nem sinal de sapos. Fora mais um de seus costumeiros sonhos malucos. Quase inconsciente fez uma careta, lembrando-se daqueles momentos angustiantes de minutos atrás.

Ela sempre tinha sonhos sinistros, desde a separação repentina de seus pais, há dez anos. Bastava deitar-se e fechar os olhos, e lá vinham aquelas imagens confusas e atordoantes. Geralmente com animais ferozes e asquerosos. Por vezes sonhava com elementos da natureza, mas nada de florzinha, mar calmo e campo verdejante como sempre almejava. Muito pelo contrário; Viviana enfrentava mar revolto, tempestades alucinantes com raios, furacões, dentre outras manifestações malucas. Sem mencionar as casas mal assombradas e bizarras que sempre apareciam em seus pesadelos.

Agora ela respirava mais aliviada por descobrir que fora mais um sonho ruim ou um alucinante pesadelo, parecendo bem real, mas ainda assim, somente um sonho ruim.

Apenas um pesadelo e nada real. Constatou enquanto contemplava seu belo quarto moderno sob a luz fraca do abajur, todo branco e prateado, denotando que bom gosto e finesse faziam parte do seu mundo.

- Amigaaaa...! Oieee! Estou aqui! Fala alguma coisa! - berrou Cibely, fazendo com que ela percebesse que esqueceu totalmente da sua amiga ao celular. Desculpou-se, voltando à conversa, apesar do sono que ainda fazia com que ela bocejasse.

- Estava dizendo, Viviana Bailey, que seu sonho foi louco demais! - gritou a sua amiga, completamente agitada do ou-tro lado da linha. - Sabe quem me ligou? O Reinaldo! - continuou a moça esfuziante, mudando repentinamente de assunto, e sem esperar a outra adivinhar.

- Ah é!? E o que ele queria? - perguntou Viviana, ainda bocejando e esfregando os grandes olhos, castanhos âmbar, para espantar o sono.

O que seria pior? Ser acordada para cair naquele papo chato ou continuar sonhando som sapos? Deste jeito, tanto fazia viver dormindo, sonhando ou acordar se estressando!

Suspirando mais uma vez, ela pensou em sua vida...! Es-tava indignada com a revelação de Cibely, pois o cara havia saído com ela dias atrás. E agora estava dando mole para a outra, na maior cara dura. Como pode? Por outro lado, o papel de crápula dela não ficava atrás, afinal de contas, que amiga seria aquela que, além de cobiçar o homem alheio, canta o bofe na cara da suposta amiga? E para piorar, fazia questão de esfregar isto na cara dela? Cibely era assim: típica amiga da onça. Viviana ainda estava chateada e um tanto cansada para sofrer, então achou melhor disfarçar. Assim dizendo, a moça contra-atacou:

- Reinaldo é? Haaa amiga, você que é a rainha da esperteza, não notou o estranho comportamento dele? - e ela mesma respondeu: - ele é tão bobo que nem assunto tem! E tem mais, cansei dele, sabe? Pois além de ser pobre e burro o bofe é pegajoso! - desdenhou Viviana, que de orgulhosa e interesseira, nada tinha. Longe dela, querer um homem rico para explorar, mesmo porque ela nunca foi pobre, entretanto sabia como sua amiga era interesseira, e disse o que ela mesma que-ria ouvir.

Apesar da morte do pai e do descaso da mãe que fugira com um sheik árabe, abandonando-a aos cuidados do padras-to, Viviana possuía dinheiro e posses. Ainda que fosse um pouco ausente, seu padrasto tinha muito carinho e respeito por ela e nunca deixava faltar nada a sua enteada. De origem inglesa, o senhor Ross Aron já tinha idade avançada, apesar de seus quase setenta anos e tinha uma saúde e aparência invejável. Seu trabalho roubava-lhe todo o tempo: era diploma-ta internacional e trabalhava em embaixadas no exterior.

Como eu ainda consigo ser amiga dela? E além de que, ela nunca diz coisa com coisa! E quando diz, a maluca só fala abobrinhas!

Pensou aborrecida e angustiada com as atitudes de Cibely, sem saber ao certo se seu incômodo era com os defeitos gritantes da colega de faculdade, ou sobre aquele sonho malu-co da noite anterior.

Viviana ainda sentia a vibração do seu coração acelerado dentro do peito devido ao pesadelo. Mas, seria mesmo verdade que ele ligou para ela? Ruminou decepcionada, só de imaginar aquela cena. De fato, um turbilhão de emoções roubava-lhe a paz naquele momento. O que realmente sentia?

Só o tempo dirá! Somente ele, minha cara!

Como ele pôde ser tão traíra? Não! Quem abusou da minha ingenuidade foi ela, afinal a amiga de tantos anos que jurava amizade eterna ainda se chama Cibely!

- Nós ainda vamos acabar brigando por causa dessas suas atitudes, Cibely Augusta! Um dia eu acabo me cansando! Pode escrever!

Tentando esvaziar sua cota de raiva e indignação, miss Bailey revoltou-se, agora despejando todas as mágoas em cima da amiga, principalmente no quesito luxúria: "Dona Cibely jogar charme para seus namorados, rolos e afins". A acusada não se deixava vencer, pois ela se sentia forte e vencedora sobre a fraqueza, a qual sabia ser o ponto fraco e os bons sentimentos da amiga. Enquanto fugia pela tangente, defendendo-se, a moça por sua vez se fazia de ingênua:

- Deixa de ser boba, Vivi! Nada a ver! Pare com essa sua mania de "viajar" nas coisas! Você fantasia demais, menina! Além do mais, nossa amizade vale mais que tudo, não? Agora me deixa tentar dormir! Beijo, tchau! - e a amiga desligou o telefone, deixando Viviana no vácuo, nervosa e pensativa por sinal, recordando de toda a traição. Nem se tocara que, quem atrapalhara o sono dela, era ela; a própria amiga da onça. E o sono de Viviana se foi por completo, dando lugar à insônia. O jeito foi falar sozinha mesmo, como sempre.

- Amiga? Sei...! Nossa amizade vale mais que tudo! Nem sei se isto é amizade! - chateada consigo mesma por suportar aquilo, e sem conseguir dar um ponto final nas atitudes cruéis de sua amiga, Vivi martirizava-se por ser tão boba.

Agora sentada na cama, alisava com os dedos seus longos cabelos louros, enquanto procurava no chão impecavelmente limpo, seu par de pantufas de ursinho. Um bom filme talvez seja uma boa pedida para espantar este clima angustiante! Pensou a jovem, cambaleando pelo largo corredor, acendendo as luminárias laterais em direção a grande sala de TV. Passou pelo quarto do padrasto e constatou que ele ainda estava viajando a negócios. Estava sozinha novamente.

Um medo repentino do escuro fez a moça tremer, mas somente por quase um minuto, pois ao chegar à saleta de estar, focou seus pensamentos na escolha do filme da vez: O Diário de Bridget Jones. Entretanto, nem a comédia com a sua atriz preferida conseguiu tirá-la de seus pensamentos sobre os acontecimentos estranhos que permeavam a sua vida nas últimas semanas.

Sensibilidade, versatilidade e empolgação eram suas maiores qualidades. Mas ela sempre foi também um tanto forte e corajosa. Teimosia, ansiedade e impaciência poderiam ser os seus defeitos. Miss Bailey, como era chamada por seu espirituoso e sério padrasto, era uma jovem muito bela e atra-ente. Seus traços bem desenhados pareciam pintados à mão, como uma boneca, entretanto faltava a ela o principal: autoestima e segurança. Por vezes, ela se olhava no espelho, tentando se amar, mas nem seus grandes, belos e astutos olhos castanhos claros conseguiam fazê-la visualizar uma mocinha linda e meiga de pele muito clara, coberta por poucas e discretas sardas. E os belos cabelos louros cor de mel? Caíam como cascata sobre seus ombros bem torneados de um corpo quase perfeito: esbelto, alto e muito bem modelado. A franjinha era sua marca registrada, a qual lhe conferia um ar saudável e pueril. Sua boca rosada parecia pintada à mão, tamanha per-feição. Nem mesmo o muxoxo de tristeza que ela fazia, quando a dor alfinetava seu coraçãozinho de manteiga, anunciando um choro compulsivo, conseguia estragar aquela beldade. Faltava sim, uma boa dose de confiança em si mesma. Como a maioria das mulheres da sua idade, Vivi descontava suas mágoas na comida. E enxugou aquele pranto, atacando a geladeira. Gulosa, ela escolheu cupcakes de baunilha e chocolate. Afinal guloseimas sempre adoçavam sua vida e davam um chega para lá em qualquer depressão.

Por fim, a moça voltou ao filme enquanto se empanturrava de doces. Funcionou por quase meia hora e lhe deu uma leve relaxada, mas não adiantou muito, pois ao ir novamente para a cama, lembrou-se da sua carência e das atitudes infantis e hipócritas de sua rival. E os detalhes daquele fatídico contratempo invadiram sua mente naquela madrugada quase fria...! Mas isso ocorreu há alguns dias...

Sexta feira. A noite estava linda e envolvia a cidade com todos os seus gastos e ousados arranha-céus. Esses, por sua vez, atiravam-se verticalmente contra o céu escuro e ao mesmo tempo estrelado.

Viviana, como sempre pontual, esperava impaciente sua amiga na portaria no Centro Cultural: um antigo e histórico prédio da Universidade Federal da cidade. Desde que começou seu conceituado curso de História, ela passou a frequentá-lo, incluindo palestras, teatros e eventos diversos.

Cansada de esperar quase por mais de meia hora, ela decidiu ligar para o celular da amiga, mas desistiu logo quando viu a "perua" (Como era chamada) rebolando dentro de uma calça black jeans muito justa e se requebrando em cima de um salto agulha preto enorme! Sorrindo sempre, a amiga da onça gritou:

- Peruaaaaaaaaaaaaa! - e um largo sorriso apareceu naquela mulher, denotando a maior euforia, enquanto apressava seus passos incertos, devido à dificuldade dos saltos. Aos pulinhos e muito teatral, Cibely balançou seus longos cabelos negros. Por fim, ela abraçou a sua amiga num gesto rápido e impessoal. Sua blusa vermelha era chamativa, quase deixando seus fartos seios pularem do decote V. E que colar era aquele? Enorme e cheio de peças metálicas e exóticas que lhe conferiam um visual para lá de extravagante. Eu diria: over! Seus lábios carnudos e grandes acentuavam-se mais ainda, lotados de batom vermelho-sangue.

- Que demora Cy! Vamos entrar! - convidou Viviana, mais apressada e ansiosa que nunca. Seu visual moderno e casual chamava mesmo a atenção de todos que por ela passavam: Calça baixa bailarina reta e uma romântica blusa tomara-que-caia branca cheia de babadinhos. Pulseiras de prata e anel de ouro branco combinando com brincos delicados completavam seu visual clean-fashion-romântico. Aquele modelito acentuava com classe sua cintura fina e colo alvo.

Ao entrarem no espaço livre, as mocinhas viram dezenas de estudantes, também universitários, dentre outros amantes de músicas clássicas e pop. Zeca Baleiro era o cantor da noite. O visual da maioria dos estudantes era simples e cheio de estilo, deixando sempre transparecer a preocupação com o bem estar e conforto, acima da aparência. Além do Zeca, ha-veria blues naquela noite. Detalhe básico: peruas odeiam! E esta, não ficava para trás.

- Que horror, miss Bailey! Ah não, aqui está muito baixo astral! - reclamou Cibely, torcendo o narizinho, perfeito por sinal, louca para se mandar para as discotecas barulhentas de rock, dance e underground da moda, com aqueles espaços fechados e reduzidos, cuja poluição sonora e olfativa predominava devido ao estridente som e pouco oxigênio. (Naqueles dias de fim do século XX, ainda não havia a maravilhosa lei, diga-se de passagem, que proibia o fumo em locais fechados).

- Tenta curtir pelo menos uma vez, Cibely! Eu também não sou muito fã de Blues e adoro baladas dance! Você bem sabe, mas que tal parar um pouco e aprender culturas novas? - exclamou a amiga que às vezes se cansava dos barzinhos e boates recheadas de mauricinhos e patricinhas. Viviana revirou os olhos e fez vista grossa para a insatisfação da amiga. Continuou a dançar, agora totalmente na sua, ignorando a cara de "Tô nem aí" de Cibely e mergulhou na letra daquelas músicas, tentando cantá-las.

- Hun...! Tá certo, perua! Mas só desta vez hein? Não se acostuma não! Fica aí que volto logo! Vou pegar umas bebi-das para a gente. - E assim dizendo, ela saiu sem esperar pela resposta. Voltou logo em seguida com dois copos enormes.

- Oba... Adoro caipirinha! - exclamou Viviana, deliciando-se com sua bebida verde.

- So sorry baby, mas eu comprei caipiríssima com V-O-D-K-A! - gritou Cibely, tentando vencer o som alto da música, enquanto balançava seu copo, arregalando os olhos e abrindo a boca num sorriso sarcástico.

- Que seja! - deu de ombros a outra mulher, tomando um longo gole de sua bebida gelada.

De repente, a fisionomia de Cibely mudou: como um cão farejador, seus olhos negros aguçaram-se, seu corpo ficou rígido e a cabeça se moveu na direção de seu alvo. Parecia que a menina má resolveu ficar por ali mesmo, pois um verdadeiro monumento acabara de cruzar o pátio... Um rapaz claro, alto e elegante com seu andar compassado, parecendo um modelo desfilando em uma passarela. Muito bem vestido, o galã da vez usava calça cáqui moderna e camisa polo laranja clara. Nos pés, o cara usava sapatênis, aparentando ter um visual moderno e casual. Seu cabelo castanho claro era cortado à surfista, o que lhe dava um ar despojado e ao mesmo tempo; sexy. Mas o que mais chamou a atenção nele, além do perfume enlouquecedor, foi o belo par de olhos verdes... Um tanto frios e penetrantes. Seu jeito de andar paralisou as duas meni-nas, ao desfilar elegantemente com seu peitoral estufado e cabeça erguida. Como um deus grego. Ao se deparar com seu charme, as duas quase desmaiaram, porém mantiveram a pose de princesas e partiram para o "ataque". Sutilmente, lógico! E o festival de olhares começou. Nem precisa dizer para quem aquele monumento correspondeu, não é? Mas direi: ambas. O cara da vez era um verdadeiro atirador de Elite! Não se contentou com uma, afinal a culpa não era dele, coitado! Pois as duas mulheres tinham belezas diferentes...! Como água que difere do vinho, tanto em textura, gosto e cheiro. A primeira era agressiva com seus olhos e cabelos negros e pele morena como jambo, enquanto a mais clara era delicada e mais feminina com seus olhos cor de avelã e cabelos louros reluzentes. A princípio, ele fez a sua opção, partindo com todo seu char-me para a escolhida. Conversas triviais e outros assuntos foram travados:

- Te achei muito lindinha! Você é nova aqui? Onde mora? Também é estudante? Curte MPB? Zeca? O que está bebendo? Adoraria te conhecer melhor e você o que acha?

Sentindo-se derrotada, a "perdedora" refugiou-se no banheiro. O que fez com que o casalzinho ficasse mais à vontade, rindo, bebendo e dançando ao som de Salão de Beleza; baladinha topíssima de Zeca Baleiro. Após conversarem de tudo um pouco, os dois descobriram algumas afinidades.

Estaria ele mentindo só para me agradar? Dizem que playboys adoram fazer isso só para pegar gatinhas desavisadas e inocentes. Pensou ela, numa fração de segundos.

O gato da vez não esperou muito tempo e lascou um beijo em sua presa que, totalmente dominada pelo desejo, não ofereceu resistência. E como poderia? Só estranhou o cara ter ido embora muito cedo. Mas achou melhor nem comentar. Com que finalidade estragaria aqueles momentos tão perfeitos? Após trocarem os contatos, eles prometeram se encontrar:

- Eu te ligo gata! Gostei muito desta noite! - prometeu o cara, todo se achando. Deu uma piscadinha, puxou a menina pela cintura, e lá veio outro beijo daqueles de tirar o fôlego. Tomou o último gole de conhaque, limpando os lábios grandes e macios com a língua, girou nos calcanhares e se arrancou dali, e se sentindo o grande pegador do século.

- Uau! Hoje esta noite está para mim! - exclamou a "vencedora" sem perceber a indelicadeza do cara em ir embora logo após beijá-la. Uma atitude não muito gentil de sua parte. Mas ela nem ligou. E a vitoriosa da noite correu, sorrindo sem parar, para o toalet para consolar sua amiga:

- Ele nem faz meu tipo! - mentiu Cibely, olhando fixamente o espelho, enquanto enrolava nervosamente os cabelos negros, disfarçando o ressentimento e pensando naqueles lindos olhos verdes. Arqueando as sobrancelhas grossas, pegou o batom vermelho sangue e caprichou, passando várias vezes em seus lábios. Estava indignada! Pois não havia homem neste mundo de meu Deus que não a desejasse! Desaforo! Imagina se algum homem na face da terra a rejeitaria daquela for-ma?

A despeitada disfarçou a inveja que queimava por dentro, mas o brilho malévolo de seus olhos negros era latente, menos para Viviana, que ainda acreditava na amiga da onça, ou pelo menos tentava crer naquela mentirosa de uma figa.

- Pois eu duvido Cibely! Pensa que eu não vi como você o comeu com os olhos? - desabafou ela meio contrariada, enquanto retocava seus lábios perfeitos com um batom rosado. Mas sua "amiga" defendeu-se, mostrando seu lado preferido: a hipocrisia e a dissimulação.

- Um safado como todos os homens, ele é! Pois também me comeu com seus dois grandes olhos verdes! Além do mais, você não percebeu como seu celular não parava de tocar? Aposto que nem se tocou! - defendeu-se. Estava atacando sua amiga, tentando descartá-lo, ao notar que ele se rendeu aos encantos dela.

- Tolinha que você é! - alfinetou Cibely, fazendo caras e bocas na frente do grande espelho retangular do toalet. Na certa tentando inutilmente consolar a si mesma por ter perdi-do a chance de beijar aquele monumento.

Viviana nem se alterou desta vez, sabendo do despeito da amiga. Suspirou, olhou-se contente no espelho e sorriu ao notar que seu aspecto estava ótimo. Também pudera, depois daqueles beijos, ela aguentaria qualquer comentário maldoso que viesse pela frente. Afinal de contas, nada e nem ninguém estragaria aquelas lembranças de minutos atrás com o bonitão de olhos verdes. Miss Bailey continuou sonhando com aquela beldade, enquanto ignorava o comentário maléfico da jovem e perigosa mulher. Além do mais, estava encantada, talvez enfeitiçada com aqueles olhos claros. Sem falar no beijo: quente, acolhedor e envolvente. Quase derrubou uma menina baixinha que entrava no banheiro, tamanha a sua distração.

- Ah, me perdoa? - pediu educadamente à moça.

- Não foi nada! - respondeu a mesma, sorrindo animada.

Resolvendo tirar seu time de campo, Cibely se foi. Com seu andar gingado, saiu apressada rebolando e lançando olhares inquisitivos para os lados, mas virando a cara para os homens "simples" e segundo ela, mal vestidos e "pé rapados".

- Lugar mais brega! - desabafou entre dentes e, de celular em punho, Cibely arriscou outra amiga, afinal a noite era uma criança. E assim dizendo, a perua finalmente partiu para a gandaia. Viviana ainda permaneceu ali mais alguns minutos, só curtindo aquela canção de Zeca, Flor da Pele:

Ando tão à flor da pele

Que qualquer beijo de novela me faz chorar.

Ando tão à flor

Que teu olhar flor na janela me fez morrer

Ando tão à flor da pele

Que meu desejo se confunde com a vontade de não ser

Ando tão à flor da pele

Que a minha pele tem o fogo do juízo final.

Ao chegar em sua casa, Viviana correu para o banho. Naquela noite, ela dormiu super bem, afinal Reinaldo era mesmo um cavalheiro! Deitada, ela cerrou os olhos, relem-brando a despedida...

Será que ele fazia o tipo cavalheiro? Provavelmente abri-ria a porta do carro para mim, com direito até a um tapete vermelho, enquanto estenderia os braços ao longo do mesmo e...! Oh, Deus! Já estou delirando! Reconheceu, caindo numa gargalhada sem fim.

O dia posterior transcorreu às mil maravilhas, pois príncipe que se preze faz de tudo para ser gentil. Reinaldo apre-sentou-a para os pais em sua residência; um sobrado de classe média alta e bem decorado no bairro vizinho. Viviana, ingênua e meramente adolescente, não recusou, achando que aquele convite seria um prelúdio para um envolvimento mais sério. Ledo engano. Anos mais tarde ela reprovaria tais atitudes precoces e impensadas nos homens. Comprovadas pelo Livro das Regras dos Comportamentos Masculinos de que ela devorará anos depois.

Cuidado com atitudes apressadas dos caras. Não aceite convites logo de cara, vá devagar. O mínimo é o máximo... Dentre outros conselhos sábios de mulheres práticas com autoestima elevada. Entretanto, ela ignorou todos esses sábios conselhos. E ainda fez vista grossa para a despedida ríspida dele, pois ele tampouco ofereceu para levá-la em casa. Era o mínimo que ele poderia fazer, após ter ficado com ela em tão pouco tempo. Ingênua, a miss apaixonada nem se tocou, pensando somente nas fantasias e desejos de seu coração.

Devidamente sentados no sofá laranja da sala de visitas, estavam Reinaldo e Viviana. Distraídos com o álbum de família do moço, a jovem Bailey parecia estar em casa. Será que em sua cabecinha jovem de vinte e poucos anos, aquele gesto era motivo para um envolvimento mais sério? Vai saber!

- Que lindinho você, assim vestido de marinheiro! Que ida-de tinha? - Questionou ela encantada. O moço sorriu convencido, mas demonstrando certo embaraço. Em seguida, ele respondeu que não se lembrava, mas que tinha por volta dos cinco anos. Ela sorriu animada, enquanto ele dava mais um beijo em seu pescoço desnudo. Nem percebia que o cara mal disfarçava os olhares indiscretos de suas pernas, as quais estavam à mostra embaixo de seu vestidinho rosa rodado. Várias fotos da infância do gato foram vistas e admiradas, onde Reinaldo não passava de um franzino príncipe. Parecia realmente apaixonado, pois fez questão de apresentá-la ao melhor amigo. Mal sabia ela que no dia seguinte, o encanto acabaria. Afinal os homens que se apaixonam assim, tão depressa, podem desapaixonar com a mesma intensidade.

- Vivi, o que me diz de um banho de piscina amanhã aqui em casa? Você poderia convidar uma amiga para que o Evandro, meu melhor amigo, não se sinta um peixe fora d'água. Ou ainda tivesse a sensação de estar segurando vela. O que me diz? - convidou ele, alisando os longos cabelos dela.

- Ah, por mim tudo bem, Reinaldo! - Respondeu a mocinha sorrindo, toda feliz e na maior inocência, pensando logo em chamar Cibely.

No dia posterior, o sol acordou bem disposto e forte, iluminando o dia e acendendo a empolgação de Viviana. O convite dela foi aceito imediatamente pela amiga que, por sinal, não perdia nada.

Os jovens curtiram o belo dia na grande e bela piscina de água muito limpa e azul da bela casa de Reinaldo. Tudo corria maravilhosamente bem, até que o tempo fechou, e a confusão se armou... Cibely chegou e parecia radiante com seu mais belo sorriso. Após olhar tudo e todos, percebeu que o belo jovem não tirava os olhos de Viviana. Impulsivamente, a moça deu dois passos largos e decididos em direção ao casal, almejando chamar a sua atenção. Sem cerimônia e como se fosse algo natural, ela afastou a alcinha da blusa vermelha decotada, mostrando a marca do seu bronze anterior:

- Olhe só Reinaldo, peguei uma corzinha semana passada! - exclamou com a sua voz sexy bem ensaiada, enquanto seu olhar comia a presa com fervor. Em seguida, a mulherzinha roçou de leve e "sem querer" seus fartos seios no braço forte dele.

- Veja como estou bronzeadinha! - continuou ela com o olhar devorador, alisando descaradamente seu colo moreno. Nem se deu ao trabalho de ver a reação da amiga. Tampouco se preocupou se poderia magoá-la com aquele assédio. Mas ela notara sim, entretanto, achou que aquilo não afetaria em nada o olhar de seu protetor. Reinaldo por sua vez, nem ao menos disfarçou, olhou mesmo, enquanto seus olhos verdes brilhavam de satisfação. Viviana, ingênua, (Hoje eu diria boba mesmo!) tentava a todo custo não imaginar o pior: que a sua amiga era amiga da onça e de com força!

Como ela podia ser tão cega? O pior cego era mesmo aquele que não queria enxergar, afinal os fatos eram óbvios! Sua amiga cara de pau estava dando em cima do seu gato, sim! E aquela sensação estranha, assim como o frio gélido em seu coração, era aviso certeiro de que não deveria ter ignorado tais sinais. Foi então que aconteceu a química: o lado macho do menino se sobrepôs ao lado homem. É o que sempre acontece com homens fracos e instintivos. Eu diria: menos evoluí-dos espiritualmente. E provando ser mil vezes macho e nenhum "homem", Reinaldo comeu a perua com o olhar. Era o que ela despertava neles como um todo: o desejo carnal. Viviana, ao contrário, ficou perdida em seus pensamentos. Muito inocente, ela despertava além de desejos, sentimentos e ingênuas carícias.

A jovem traída tentou disfarçar o constrangimento com um ligeiro e rápido suspiro, mas quando eles foram para a área da piscina, ela notou que havia mesmo um jogo de sedução envolvendo os dois.

Como pude ser tão ingênua?! Pensou, enquanto a sua ficha caía com toda a força em seu cérebro, dominado pelas emoções. Furiosa, ela fechou a cara, ao assistir a falsa amiga dando altos mergulhos na piscina, tentando chamar a atenção masculina. Percebeu tristemente que após o do show da "oncinha," Reinaldo havia esfriado totalmente com ela. Ele havia transformado de príncipe a sapo num piscar de olhos! Agora, o belo e frio rapaz tentava entreter a todos, inclusive a si mesmo, sorrindo e brincando. Viviana, amante de esportes aquáticos, tentou mergulhar e nadar, a fim de entreter a si mesma, mas foi em vão, pois sentia seu coração cada vez mais apertado. Ela estava linda como sempre, exibindo seu biquini azul bebê de florzinhas rosa, o qual deixava brilhantemente seu corpo alvo e esguio à mostra.

A gota d'água foi Cibely reclamar de dor no ouvido sem mais nem menos, perguntando a ele se não teria um remedinho qualquer para curar a sua dor. Agora envergonhada e tensa, Viviana tentava disfarçar a situação embaraçosa. Muito abalada, ela continuava curtindo o sol, sozinha e amuada num canto da piscina. Ao ver que os dois se dirigiram juntos para dentro da casa, ela se levantou rapidamente, intuindo acompanhá-los, mas ele a impediu:

- Por favor, Viviana! Fique e faça companhia ao Evandro, sim? - poxa, agora ela não era mais princesa, gatinha ou docinho... Agora era simplesmente Viviana?! E que palavras frias proferidas de seus lábios tão perfeitos! Uma facada no coração provavelmente machucaria menos que aquelas frases sem vida. Onde estaria aquele cavalheiro que fez com que ela sonhasse por noites seguidas? Provavelmente perdido em qualquer lugar no planeta, ou decerto em sua imaginação. De cavalheiro, aquele "playba" nada tinha.

Ainda sentindo toda a frieza dele, penetrando em cada poro de sua pele, a moça mal conseguiu pronunciar um "tudo bem." Ela deixou-se ficar na beirada da piscina mesmo, totalmente chocada com tudo. Nem mesmo o sol das dez horas com seus raios quentes e intensos conseguiram aplacar aquele gelo. O jeito foi entregar-se aos pensamentos de angústia e solidão. Enquanto olhava o brilho do astro-rei, refletido nas águas, muito limpas da piscina, ela tentava em vão disfarçar aquela dor, pois Evandro olhava para ela intrigado, decerto percebeu o jogo sujo do seu melhor amigo.

Reinaldo e Cibely sumiram no interior da casa, sem nem mesmo ouvir a resposta dela. Agora ela se sentia só e com muito frio. Nem para o amigo dele, conseguiu disfarçar sua angústia. E aquele tempo que nunca passava? Evandro fez de tudo para distraí-la, mas foi em vão. Sentindo-se mal e sem graça, a ingênua moça pressentia a vergonha e a humilhação que estavam por vir. E ela não estava errada. Após uma longa espera, eles avistaram Cibelly aproximando-se. Estava sozinha e caminhava a passos curtos e vagarosos. Seus longos cabelos negros, antes molhados, estavam agora secos e bem penteados. Um batom vermelho-sangue cobria sua boca carnuda. Em seu olhar havia um ar de: 'Eu sou foda.' Curiosa, a pobre menina observava seus gestos pouco discretos, na certa, esperando uma resposta. A traidora, por sua vez aproximou-se dela com seu andar vagaroso, feito uma cobra preparando para dar o bote. Se cobra andasse, seria como aquela mulher. Seu biquini minúsculo laranja acentuava seu bronzeado more-no, enquanto seus olhos guardavam um mistério venenoso a ser destilado a qualquer momento. Sem pensar, Cibely sentou-se ao lado da amiga na beirada da grande piscina e, a meia voz, comentou:

- Ele vai te explicar o que aconteceu! - confabulou com uma calma calculada, mal olhando em seus olhos. Como se o ocorrido tivesse mesmo alguma explicação. Como se a própria Cibely soubesse que era maldosa, sacana e traiu a confiança dela.

Viviana continuava com o coração apertado. Tentou respirar, mas faltou-lhe ar. Queria falar, mas ficou sem palavras, enquanto tentava inutilmente disfarçar a sua decepção, pois já pressentia o pior. Ainda sentada na beirada da piscina, ela parecia uma criança perdida. Para completar seu biquini rosa de babadinho dava-lhe o ar e a graça de uma princesinha indefesa. Seus olhos? Vagavam atrás das lentes escuras para além do horizonte. Somente seus pés se moviam, brincando distraidamente dentro da água cristalina. Com um profundo suspiro, ela retirou seus óculos em formato de coração, tentando encarar Cibely.

- Mas o que aconteceu e por quê? - conseguiu perguntar, gaguejando. A falsa amiga olhou para ela muito séria. Seu semblante era impenetrável, indecifrável e angustiante. Estaria a amiga da onça com pena dela? Não proferiu palavra, continuando com a pose de cobra que acabara de se alimentar.

- Viviana!

Era ele. Seu chamado bateu como um punhal. Como era estranho ouvir seu próprio nome envolto em tanta frieza! Foi como uma punhalada nas costas. Mas ela não se deixou aba-ter: engoliu o choro, prendeu a respiração e sufocando a dor, olhou na direção do chamado. Mais um suspiro. Olhos nos olhos, os dois saíram da área da piscina para conversar. Cybely nem se moveu. Pelo contrário; a bonita continuou ali, sentada com o corpo meio enrolado, como uma cascavel após a ceia. Deitou no deck da piscina e parecia curtir o sol e o dia como se não houvesse o amanhã. Como podia ser total-mente alheia à dor e incômodo causado nos seres humanos?

Por sua vez, sentindo-se completamente ignorado, Evandro estava mudo e imóvel do outro lado da piscina.

- Foi um erro estar com você, Viviana! Na verdade, queria era estar com a sua amiga! - revelou o canalha cabisbaixo, sem ao menos olhar em seus olhos. Eles estavam sentados, quase lado a lado em um largo banco de madeira na varanda de frente da casa. Somente seus corpos estavam próximos, porque seus corações e mentes encontravam-se cada vez mais distantes. Ainda sem poder acreditar no que ouvia, a pobre mocinha abandonada e traída sentiu-se desprezada e sem graça. Desta vez ela não segurou a onda, deixou-se levar pela tristeza. Ele pode presenciar grossas lágrimas, vertendo de seus olhos tristes. Mesmo assim, ela não deixou a peteca cair e, apesar de confusa, deu mais um suspiro. Um suspiro longo como que para recuperar sua pouca autoestima e coragem que ainda lhe restavam. Em seguida, a jovem contra-atacou:

- Eu deixei de ficar com um cara que é homem, em todo o poder da palavra para estar aqui com você hoje, Reinaldo! Que não passa de um menino grande e bobo! - retrucou entre choro e soluços. - Além de ser imaturo! E você me faz um papel desses? - gritou ela na medida do possível, levantando-se abruptamente do banco para espanto dele. Parecendo envergonhado, ele abaixou a cabeça. Seria uma encenação? Visto que playboys não costumam envergonhar-se de seus feitos.

- E ontem? Já esqueceu tão rápido? E o seu coração como fica? Ah, eu já sei! - continuou enérgica, enquanto observava a tentativa inútil dele de abrir a boca, mas sem proferir palavra.

- Perto de outro órgão ele não vale nada, não é? - concluiu Viviana agora mais controlada. Estava em pé, mal dando conta de tanta energia que tomou conta de seu corpo naquele momento. Mas era raiva. Muita raiva acumulada.

- Você não passa de um bicho! Um animal sedento de sexo! - E assim dizendo, ela se sentou, mas em seguida, caiu num choro compulsivo. Ele não suportou a barra e chorou. Decerto de vergonha ou humilhação! Vai saber. Pelo menos ela conseguira fazê-lo desabar, mas não teve piedade e, segurando o choro, ela limpou as lágrimas com as mãos trêmulas e continuou:

- Para mim chega! Eu vou embora! - e se virou, descendo as escadas da grande mansão que dava acesso à área da piscina.

Um gatinho preto e branco, que parecia observar a cena do telhado vizinho, soltou um miado breve e sentido.

Ignorando por algum tempo todos ali, ela passou a mão em seu celular e resolveu ligar para a Claudinha, sua fiel amiga de plantão. E desabafou. Claudia ficou desesperada e mandou sua amiga ir embora e sair logo dali. Ele por sua vez, correu atrás dela. Chegou bem na hora que ela terminava de juntar toda a sua roupa e coisas. Ela nem tirou o biquini rosa tomara que caia ainda que molhado. Apenas vestiu a roupa por cima dele, pegou sua bolsinha de palha, conferiu suas unhas lilás e suspirou eufórica.

Um clima de enterro pairava naquele local. Nem mesmo sob o sol era permitido aquecer e mudar o ar pesado daquela hora. Notando aquele terrível silêncio, Viviana vestiu-se de cinismo e, com a cara de pau maior do mundo, comentou ironicamente:

- Uma verdadeira cena de filme! Deixaria qualquer roteirista com inveja! E eu que sempre quis participar de uma cena de "Barrados no baile", aqui estou! - e, com mais cinismo ela apontou para si dramaticamente.

- Sou a personagem principal! - exclamou, soltando uma nervosa gargalhada, deixando todos atônitos e boquiabertos.

Um silêncio bizarro pairava naquele momento, mas ela continuou curtindo com as caras de culpados dos demais. Notando que o silêncio continuava, a jovem ferida ainda ar-rematou:

- Que tristeza é essa, gente? Alegria! Afinal não é sempre que vocês podem contracenar com uma atriz principal e especial! Além de fazer papel de vilão e vigarista de um seriado tão famoso mundialmente! - encenou, enquanto apontava respectivamente para o babaca e a cobra. Mas ninguém disse palavra! Decerto estranharam a mudança súbita de humor da moça. Mas é fato que se chora de alegria. Então, podemos dizer que damos risadas de tristeza.

Reinaldo sentia-se tão culpado que fez questão de levar Viviana em casa, mas ela recusou, dizendo que preferia ir andando até ao ponto de ônibus. Ele então disse que chamaria um táxi para ela, mas a fim de evitar piedade por parte do motorista, ela preferiu andar e pegar um coletivo mesmo. Vi-viana estava explodindo, precisava chorar e, quanto menos plateia, melhor. O cara continuava insistindo que ia junto.

A princípio ela relutou, mas mudou de ideia, ao se lembrar das palavras de uma velha e sábia tia: É com mel que se pega abelhas, minha querida. Se bem que naquela altura do campeonato tudo que ela menos queria era pegar Reinaldo novamente!

- Está bem! - respondeu com certa reverência, ajeitando o vestidinho rosado sobre suas pernas grossas.

- Vamos logo, pois não quero gastar nem mais um minuto do meu precioso tempo aqui! - e girou nos calcanhares, a jovem que não dava ponto sem nó! Evandro despediu-se dela todo sem graça e continuou calado, sem conseguir dizer nada. Para Cibely era como se nada anormal tivesse acontecido. Só faltou dar um abraço na amiga que por sua vez foi cínica durante todo o tempo, inclusive na despedida.

Quanto ao Reinaldo Galinha, Don Juan, Canalha, dentre todos os apelidinhos carinhosos que damos para os cafajestes de plantão, o mesmo foi ouvindo sermão durante todo o traje-to da casa ao ponto de ônibus. Às vezes, o coração da moça apertava, mas agora mais controlada e aliviada, conseguia disfarçar e segurar o choro. Pelo menos pode jogar todas as verdades na cara dele. Tantas que a carapuça foi só entrando na cabeça oca dele, até que este não conseguiu suportar a barra!

- Pare já com isto! - pediu contrafeito - eu preciso te contar algo! - gritou como se ele fosse a vítima. Coitadinho!

- Nada do que disser me convencerá de que você não passa de um canalha! Um pobre macho sem coração! - desabafou ela, quase ignorando o sinal vermelho e atravessando na frente de uma picape, na rua.

- Se quisesse ficar com a minha amiga, poderia ter mais senso e educação e pelo menos não fazer isso na minha frente! - exclamou, mexendo em seus cabelos molhados, apressando o passo na rua asfaltada. Seus olhos ainda estavam vermelhos de tanto chorar, enquanto seu rosto parecia um pimentão ma-duro, pois a face branquinha sempre denunciava as suas emoções.

Reinaldo suspirou, passando as mãos em seus cabelos es-petados e apressou o passo, alcançando Viviana, a qual caminhava na frente a passos largos. Ele a segurou pelo ombro, fazendo-a virar.

- Eu era virgem! Foi a minha primeira vez e a sua amiga, quero dizer, a morena me fez virar um homem! - confessou ele, passando de novo a mão em seus cabelos lisos e castanho-claros, todo nervoso, enquanto piscava sem parar seus olhos verdes. Pelo jeito até mesmo ele sabia que Cybely não poderia ser considerada uma amiga, com toda força que a palavra permite. O sangue dela ferveu! Parou atônita na calçada e ficou olhando para cara dele por um breve tempo. Espanta-da e ainda com muita raiva, miss Bailey retrucou:

- A ser macho, você quer dizer! Pois para mim, homem é outra coisa! - ele não teve outra escolha a não ser ouvir aquilo calado. Abaixou a cabeça por alguns instantes, enquanto fitava o chão. Eles continuaram andando calados pelas ruas do bairro. Após alguns minutos de caminhada, eles chegaram ao ponto de ônibus e, por sorte o dela se aproximava, mas ele correu para impedi-la:

- Pegue o próximo, eu ainda não terminei de falar...!

Mas ela se desvencilhou do seu abraço e, antes de embarcar, soltou:

- Mas eu, sim! O dia em que virar homem de verdade, você me procura! Quem sabe você ainda encontra a Viviana boba e ingênua de hoje? Coisa que duvido! - o ônibus seguiu seu trajeto, levando-a para bem longe dali.

Ao chegar sã e salva em casa, ela correu para o chuveiro e tomou uma ducha, a fim de relaxar e tirar aquela carga de energia negativa do dia. Sentindo a água morna, molhando generosamente seu rosto, ela fechou os olhos, enquanto curtia aquele momento de purificação. Agradeceu mentalmente a Deus e ao seu anjo da guarda por tê-la poupado de continuar com a enrascada, bem a tempo de pular fora.

Agora em seu confortável quarto, a moça colocou sua camisola mais leve e folgada e deitou-se para ler. Certa vez alguém disse que a leitura era a forma mais elegante de ignorar a realidade. Uma Estranha Simetria de Audrey Niffenegger conseguiu fazer com que entrasse no mundo literário e esquecesse por algum tempo a sua cruel realidade. Passou o resto do Sábado assim: lendo, chorando, tomando chazinhos e beliscando algo para comer, visto que a fome sumira por completo. E preferiu ficar sozinha. Não queria falar com ninguém, nem mesmo com a sua amiga Claudinha, que mandava uma mensagem atrás da outra, decerto preocupada com ela.

Quando a noite caiu, Viviana voltou para a cama e, antes de adormecer, mergulhou em profundos pensamentos...

Por que acontecer justo comigo? Sempre fui tão pura e verdadeira com todos! Por que tantas decepções amorosas? Como fui acreditar nas declarações de um menino? Seria culpa do seu belo par de olhos verdes? As lágrimas foram suas únicas respostas.

Agoniada, a jovem foi tomada de repente por uma estranha sensação de que tudo em sua vida mudaria para sempre. Amanhã é outro dia e quem sabe alguma coisa mude em minha vida?

Cuidado com o que deseja e muito com o que fala, pois você pode conseguir. E a jovem mulher adormeceu assim; entre perguntas e respostas...!

                         

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