Quando O Amor Sangra
img img Quando O Amor Sangra img Capítulo 4 O Que é Um Romance
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Capítulo 6 Deu Mole e Ganhou Um Problemão img
Capítulo 7 Porcaria da Enfermeira Chefe img
Capítulo 8 De Enfermeira a Dançarina img
Capítulo 9 Pedindo Permissão img
Capítulo 10 Permissão Concedida img
Capítulo 11 Ciúme Nada Convencional img
Capítulo 12 Vai Ser Reprovada Com Certeza img
Capítulo 13 Não Gostei da Experiência img
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Capítulo 4 O Que é Um Romance

Narrado por Celina

Contrariando todas as possibilidades, eu acabei contratada.

Até hoje não sei explicar como isso aconteceu.

Minha entrevista tinha sido um completo desastre - um espetáculo digno de vergonha alheia. Eu estava tão nervosa que mal conseguia respirar. Derrubei a caneta logo nos primeiros minutos, bati o joelho na mesa, caí da cadeira tentando pegar o currículo que já estava amassado... parecia uma cena de comédia.

Na minha cabeça, não havia dúvida: eu seria expulsa da sala com um "obrigado por comparecer" e nunca mais ouviria falar da clínica. Afinal, se eu não era capaz de me sentar direito, imagina puncionar uma veia?

Mas, pra minha total surpresa, quando finalmente olhei para os três entrevistadores, eles estavam sorrindo.

Sorrindo!

Na hora, achei que estavam zombando de mim, se divertindo com o espetáculo.

Mas o senhor Yuki apenas disse, com aquele olhar calmo e inabalável:

- Está contratada. O RH vai entrar em contato.

Por um instante, achei que tinha ouvido errado.

Quando percebi que era sério, fiquei muda. Só balancei a cabeça feito um robô e saí tropeçando no tapete.

Minha família comemorou como se eu tivesse passado em medicina. Fomos todos jantar em uma pizzaria, e minha mãe dizia, orgulhosa, que "a menina dela agora trabalhava para um japonês importante".

Eu, por dentro, só agradecia a Deus por não ter que ver aquele homem de novo. Porque, além de me deixar nervosa, ele me provocava sensações que eu não sabia nem nomear.

Eu nunca fui o tipo de garota que ligava para meninos. Sempre fui a nerd rodeada de crianças, a que estudava enquanto as outras se maquiavam. Tinha um único melhor amigo, o Inácio. A gente cresceu junto e tinha um acordo antigo: se chegássemos aos trinta solteiros, a gente casava.

Até agora o plano estava de pé - ele pegava todas as meninas do bairro, e eu... bem, eu dava uns beijos aqui e ali, mas nunca namorei. Por isso minha mãe nunca achou necessário ter A conversa comigo.

Mesmo conhecendo a parte técnica da coisa - porque, convenhamos, estudar enfermagem te deixa íntima de muitos detalhes anatômicos -, eu ainda não entendia o que tinha sentido ao ver aquele homem.

Por que justo ele? Por que alguém que eu não conhecia e nem gostava da "raça", como eu dizia de forma tão ignorante?

Pensei em perguntar pro Inácio, mas logo desisti. Vai que ele resolvesse me mostrar na prática? Aí sim, fim da amizade.

Na manhã do meu primeiro dia, enquanto amarrava o cabelo e colocava o avental, meu celular vibrou: era mensagem da Lorena.

"Posso passar aí no fim do expediente? Quero conversar."

Respondi que sim e guardei o telefone no bolso. Foi quando a enfermeira-chefe entrou na sala.

Enquanto ela esperava todos se organizarem pra reunião, eu aproveitei para observar os colegas. A maioria era oriental; os poucos que não eram, tinham cabelos escuros. E lá estava eu - a única loira de todo o prédio, incluindo a recepção.

O uniforme branco me deixava ainda mais destacada, quase uma luz ambulante.

A enfermeira-chefe, Marielle, era simplesmente deslumbrante.

O coque dela era tão firme que parecia esculpido, preso por uma redinha azul-marinho que denunciava o quanto o cabelo devia ser comprido.

O uniforme dela também era diferente do nosso: calça de linho branca, camiseta branca com mangas azul-marinho e um colete da mesma cor.

Enquanto nós, auxiliares, usávamos jaleco que escondia tudo, o dela marcava a silhueta. E, olha... dava pra perceber que Deus tinha caprichado. Quadris largos, seios fartos e uma postura que gritava confiança.

Senti uma pontinha de inveja.

Devia ter uns vinte e oito anos, usava um perfume caro, elegante, o tipo que preenche o ar sem ser enjoativo.

Para chegar onde ela estava, eu precisaria de pelo menos mais seis anos e meio de estudo - e um milagre genético.

Depois da reunião, quando o pessoal começou a se dispersar, ouvi a voz dela atrás de uma divisória, falando com um técnico em enfermagem:

- Ouvi dizer que ele vem aqui pra ver como está o funcionamento.

- Como você tem acesso a essas informações? - ele perguntou.

- Ser filha de vice-presidente tem suas vantagens, bebê.

- E conseguir o melhor cargo da clínica depois dos médicos também, né?

- Ah, cala a boca! Você está como técnico, não está? Só tinha uma vaga para enfermeiro, e você sabia que era minha desde o começo.

- Mesmo como técnico, o salário aqui é melhor do que como enfermeiro no nosso último emprego. Só por isso aceitei ser "rebaixado".

- Ah, claro! Além do salário e dos benefícios melhores, o fato de não ter plantão de doze horas, nem fim de semana, nem turno noturno... não contou não, né?

- Contou. E também o fato de trabalhar com uma equipe altamente qualificada. Não vou ter que limpar bagunça de nenhum idiota.

- Ah, não sei! Tem um nome na lista que eu não conheço. Vou checar durante o dia e depois te conto.

Pronto. Tive certeza de que estavam falando de mim.

Saí dali o mais rápido possível, quase na ponta dos pés, rezando pra não fazer barulho. Meu rosto queimava. Eu sabia que iam descobrir minha falta de experiência, e o medo de ser desmascarada no primeiro dia me deu um aperto no peito.

Fiz minha oração silenciosa antes de começar o turno, pedindo a Deus que me guiasse, que não deixasse eu fazer besteira - nem cair de novo.

E, de repente, aquela Marielle já não me parecia tão bonita assim.

Com toda aquela pose e o ar arrogante, descobri que ela só estava ali por indicação do papai.

Mais uma filhinha de funcionário de alto escalão, exibindo o crachá como se fosse uma coroa.

E o pior: com a mesma arrogância dos herdeiros que eu tanto detestava.

Enfim, assumi meu posto. Às 7h30 em ponto, as portas da clínica se abriram.

O movimento foi intenso até a hora do almoço.

Éramos apenas duas auxiliares, então o ritmo era insano. O expediente ia das sete às dezoito, com dois intervalos de trinta minutos e uma hora e meia para o almoço.

Na teoria.

Na prática, só podíamos descansar quando os técnicos e enfermeiros já tivessem voltado - uma de cada vez, é claro.

Marielle montou uma escala em que cada uma de nós "pegava carona" em dez minutos de pausa de algum técnico, para depois encaixar o próprio almoço.

Era uma arte sobreviver àquele esquema.

Mas eu nem ligava. Assim o tempo passava rápido, e eu podia ir embora antes de ter uma crise de ansiedade.

Nunca pensei que o primeiro dia pudesse ser mais puxado do que quando trabalhei no McDonald's.

Perto do meio-dia, Marielle se aproximou e anunciou:

- Meninas, decidam entre vocês quem vai almoçar primeiro.

Natasha, a outra auxiliar, me olhou meio aflita:

- Você se importa de eu ir primeiro? Sou diabética, tenho horário pra comer.

- Claro que não - respondi, tentando soar tranquila, embora faminta.

Quando ela voltou, eu fui. Almocei rápido, sem tempo nem pra saborear a comida, e voltei pro posto.

O plantão parecia mais calmo, até que Marielle veio com um recado:

- Celina, recebi ordem para você ir pra sala de exames. Tem um paciente te esperando para triagem antes da consulta médica.

Meu primeiro paciente!

O coração disparou. Passei um pouco de hidratante nas mãos, ajeitei o jaleco e entrei na sala com meu melhor sorriso.

Mas o sorriso evaporou no instante em que vi quem estava sentado na cadeira.

Yuki Mamioto.

O grande CEO.

As mãos começaram a suar, e o ar me fugiu dos pulmões.

Naquele momento, entendi perfeitamente o que Marielle e o técnico tinham comentado: "Ouvi dizer que ele vem pra ver o funcionamento."

Era ele.

E eu, no meu primeiro dia, seria avaliada pessoalmente pelo homem que já me deixava em colapso só de existir.

Senti as pernas bambas.

E uma certeza absurda tomou conta de mim:

eu ia ser demitida antes mesmo do segundo turno.

            
            

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