Quando O Amor Sangra
img img Quando O Amor Sangra img Capítulo 5 Ele Está Flertando Comigo
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Capítulo 6 Deu Mole e Ganhou Um Problemão img
Capítulo 7 Porcaria da Enfermeira Chefe img
Capítulo 8 De Enfermeira a Dançarina img
Capítulo 9 Pedindo Permissão img
Capítulo 10 Permissão Concedida img
Capítulo 11 Ciúme Nada Convencional img
Capítulo 12 Vai Ser Reprovada Com Certeza img
Capítulo 13 Não Gostei da Experiência img
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Capítulo 5 Ele Está Flertando Comigo

Narrado por Celina

Comecei a preparar tudo, trêmula, e nem ousava olhar pra ele. Minhas mãos pareciam feitas de algodão molhado, escorregadias, nervosas. A cabeça girava tentando se lembrar da sequência exata do material que eu iria precisar, mas tudo me fugia. Era como se o nervosismo tivesse apagado meu HD mental.

Meu Deus, eu fiz tantos planos. Tantos. Já tinha pago a matrícula do curso técnico ali perto, comprado o material, sonhado com o crachá com meu nome, "Celina Pereira", bordado em azul. Mas se fosse demitida agora, logo no primeiro dia, como ia pagar a condução até a escola? Eu morava longe pra caramba. Da última vez, quando estudava, eu ia a pé, mas trabalhava só seis horas. Agora, eram onze seguidas. E se perdesse esse emprego, tudo ia por água abaixo.

E, claro, depois de ver o quanto eu era atrapalhada, ele iria me mandar embora. Eu não tinha dúvidas.

Mas então, de novo, percebi aquele mesmo brilho nos olhos dele. Um sorriso pequeno, discreto, como se se divertisse com o meu desespero.

- Qual seu nome? - ele perguntou, e a voz grave dele soou como uma vibração que percorreu cada célula do meu corpo.

- Celina Pereira, senhor.

- E por que você está tão nervosa, Celina?

O que eu ia responder? Que achava ele o único japonês bonito que já vi na vida? Que aquela boca carnuda e firme me deixava com vontade de ser beijada em lugares que eu nem sabia que existiam? Que os dedos longos e finos dele faziam minha mente vagar para pensamentos que eu jamais deveria ter dentro de uma sala de exame?

Tentei responder, mas minha voz falhou. Ficou presa na garganta. Por que eu estava rouca daquele jeito? Pigarreei e tentei de novo, controlando o tremor.

- Não é sempre que a gente atende nosso chefe no primeiro dia de serviço.

- Então estou te intimidando! - ele respondeu, com um sorriso leve. - Tente esquecer quem eu sou.

- Como se isso fosse possível! - soltei, antes que conseguisse me conter. - Soube que o senhor viria aqui pra checar pessoalmente o andamento da clínica. Mas não imaginei que viria para um atendimento. Se me passasse pela cabeça isso, teria certeza que preferiria ser atendido pela Marielle, a enfermeira chefe. Não por uma auxiliar.

- Conheço a Marielle desde criança, Celina. Eu sei o potencial profissional dela. Mas não vim aqui para fazer um check-up.

- Claro que não. O senhor deve ser atendido no Sírio Libanês pra isso! - falei, e me arrependi na mesma hora.

- Você fala isso com desprezo! Você me despreza, Celina?

- Não, senhor. Nem te conheço!

O calor subiu pelo meu pescoço. Eu estava ficando ainda mais nervosa. Ele devia estar puxando assunto só pra testar meu comportamento. Ia me observar, anotar que eu era falante demais, improdutiva. E então, pronto: demissão no fim do dia.

Mas, curiosamente, essa certeza me trouxe calma. Se eu fosse demitida, que fosse por outro motivo, não por incompetência. Respirei fundo. Eu precisava me concentrar.

Organizei tudo em minha cabeça, e as mãos começaram a obedecer. Coloquei o termômetro, ajustei o medidor de batimentos, preparei o estetoscópio. Era só um paciente, repeti pra mim mesma. Um paciente como qualquer outro.

Enquanto ele falava, eu me desliguei da figura dele. Fiz o que tinha que fazer. Aferi a pressão, anotei os dados, fiz as perguntas de praxe para preencher a ficha.

Descobri que ele tinha vinte e nove anos, era solteiro e sem filhos. E o modo como ele falava, com um sorriso na voz, foi me desarmando. Cada resposta dita com calma, cada olhar paciente, foi me deixando um pouco mais segura.

Consegui concluir todo o atendimento - até que, na hora de aferir a pressão novamente, notei os braços dele. Músculos bem definidos, pele quase amarelada, o relógio de pulso caro refletindo a luz da lâmpada. Senti o rosto esquentar. Eu precisava terminar logo aquilo, precisava que aquele homem saísse da minha sala, para que eu parasse de imaginar coisas indecentes.

Quando pedi pra ele assinar a ficha, ele olhou pra mim, ainda sorrindo.

- No Sírio Libanês nunca fui tão bem avaliado - disse ele. - Ver uma profissional deixar de ser emocionada e me tratar como uma pessoa comum, um paciente como outro qualquer... meus parabéns. Vejo que fiz uma escolha excelente.

- O senhor me escolheu? - perguntei, confusa.

- Sim. Nem deixei os médicos opinarem. Decidi que você estaria na equipe.

- E por quê? - a pergunta escapou sem pensar.

- Pelo mesmo motivo que vim aqui hoje. Se eu não te contratasse, como poderia continuar te vendo sempre que quisesse?

Fiquei boquiaberta. Tentei entender se tinha ouvido direito. Ele disse mesmo que queria me ver? Que me contratou pela minha pessoa? Aquilo não podia ser sério.

- O senhor está insinuando que me contratou com intenções de envolvimento pessoal? - perguntei, ofendida. Eu não tinha estudado, me esforçado, sonhado com esse emprego pra ser tratada como um pedaço de carne.

- De forma alguma! - ele respondeu, firme. - Isso seria assédio sexual, e eu jamais faria algo desse tipo. Se essa fosse a intenção, eu não te contrataria.

A raiva e o alívio vieram juntos.

- Isso é muito bom - respondi. - Porque onde se ganha o pão, não se come a carne. O senhor está liberado. Sua saúde está perfeita e o senhor está apto a realizar suas funções. Se me der licença, tenho outros pacientes para atender.

- Se desarma, Celina. Eu realmente gostei muito de você e da sua companhia. Gostaria de conhecer você melhor, fora do ambiente de trabalho. Por isso, queria saber se você não quer tomar alguma coisa depois do expediente. E antes que você me acuse de estar te assediando, é apenas uma conversa pra gente se conhecer.

- Obrigada. É gentil de sua parte, mas não posso. Hoje minha irmã vai passar aqui pra voltarmos juntas pra casa. Tenho assuntos de família para resolver.

- Me passa seu número, e combinamos pra amanhã, então.

- O senhor quer meu número?

- Sim, foi o que pedi.

- Vou te passar, senhor Yuki: nove, três, duzentos, cinquenta, dezoito, zero.

Ele me olhou, confuso.

- Tem dez números, esse número não faz sentido, Celina.

- Ah, faz sim, senhor Yuki. Vou te explicar: nove é o número de pessoas que moram na minha casa. Eram dez, mas meu irmão vive no quartel agora. Ele é do serviço militar. Três é o número de quartos que tem nessa casa para agregar essa família numerosa. Duzentos é o número de minutos que levo pra chegar em casa de condução depois que saio daqui. Cinquenta é a porcentagem do meu salário que eu dou pros meus pais pra ajudar a sustentar todo mundo. Dezoito é o número de meses que faltam pra eu concluir o curso técnico em enfermagem e dar mais um passo na minha formação. E zero... é o valor que tenho na minha conta bancária.

Ele ficou me olhando, abismado. Abriu a boca, mas fechou novamente, com certeza sem saber o que responder. E eu nem dei chance:

- Então, senhor Yuki, quando o senhor junta todos esses números, percebe que não tem um número de telefone lógico, mas tem um passe pra cair fora. Porque ele mostra os quilômetros de distância que existem entre a minha realidade e a sua. Agora, como essa sala e toda a clínica pertencem ao senhor, como não quer sair, saio eu. Boa tarde.

Saí da sala trêmula, com as pernas bambas, o coração em disparada. Ainda tentando entender de onde tirei coragem pra falar com meu chefe daquele jeito. Mas ele mereceu.

Esses riquinhos precisavam entender que nem toda moça de família cai na lábia deles.

                         

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