As palavras de sua mãe atingiram seu coração diretamente, a fazendo ofegar em desespero. Nenhuma dor física era tão grande quanto a dor da perda que sentia, seu contos de fadas havia se tornado um grande pesadelo e ela estava fadada a isso até sua morte.
Seu corpo estava dolorido, seus olhos ardiam e ela sentia certo inchaço no lado esquerdo do rosto, resquícios do que havia acontecido há dois dias, sequelas do ataque de fúria que seu marido teve ao descobrir que ela havia perdido mais um bebê. Ao longe, chegando sussurrados e lentos aos ouvidos das duas damas, os gemidos de Willian e uma desconhecida tornavam o ambiente ainda mais repulsivo. Enquanto Charlotte se recuperava das agressões e da violência, ele estava no quarto do casal, com outra mulher.
- Papai nunca fez isso com você! - ela elevou um pouco o tom, apoiando o corpo nos cotovelos, erguendo-se levemente com um gemido de dor. - Por que não me ajuda? Por que me abandonou aqui?
O pedido era sofrido, choroso, mas em nada amoleceu o coração de Judith. A imagem da filha tão descuidada lhe causava sofrimento, mas também raiva e repulsa, Charlotte tinha os belos olhos vermelhos e inchados, sua pele estava seca e opaca, seus cabelos ruivos desgrenhados, estava decadente na visão da mãe. Ela deu à luz a uma mulher seca e aquilo podia arruinar suas outras filhas, quem se casaria com Chelsea e Brista se soubesse do fracasso que era o casamento de Charlotte? Para onde iria a reputação das outras duas meninas que tinha? Ela não podia arriscar.
O lapso de rebeldia fez a mais velha erguer a destra, acertando um tapa no rosto da filha, a fazendo voltar a si e à sua mansidão, mesmo em meio ao sofrimento. Charlotte sentiu o rosto arder enquanto chorava, bem baixo, encolhida entre os brancos lençóis, abraçando seu próprio corpo, desejando o fim de todo aquele pesadelo.
Os primeiros meses foram tão doces que, ao lembrar-se deles, ela tinha a certeza de que Willian era um ótimo ator, ou extremamente desequilibrado. Ele a tratava como uma rainha, ela era a luz que iluminava os dias escuros e nublados que ele tinha, ao menos até encontrá-lo bêbado pela primeira vez. Naquele dia, ela percebeu que o homem com quem casou tinha um lado que jamais desejou ter conhecido.
Depois daquele dia, tudo mudou, Willian mudou. Não havia mais respeito entre eles e, quando ela perdeu o primeiro filho, tudo continuou a piorar, seu casamento entrou em decadência e, enquanto ela esforçava-se para manter o matrimônio, seu marido fazia tudo o que tinha vontade, fosse com ela, ou com outras.
Com o passar do tempo, Willian não se contentou somente com as humilhações verbais, quando os demais homens de seu convívio começaram a culpá-lo por Charlotte não gerar um filho, acusando sua virilidade ou denotando a falta dela, ele se revoltou ainda mais. Seu maior prazer atualmente era fazer de Charlotte a pior das mulheres, aquela que não tinha valor algum, mas que ainda pertencia a ele.
Não a deixava sair ou receber visitas, quando perguntavam por ela, usava um tom ameno e amável para dizer o quão triste ela ficou com a perda e como preferiu se isolar em casa, manipulando todos ao redor para que acreditassem que Charlotte se mantinha reclusa por vontade própria.
Apesar das falas amorosas sobre sua esposa, todos sabiam que ele se deitava com toda e qualquer mulher que lhe desse uma brecha, as más línguas também diziam que ele as levava para sua própria casa, uma e outra comentou que já havia estado até no quarto do casal, no leito que deveria ser sagrado, na presença da pobre esposa, que se manteve calada durante todo o ato que se desenrolava em sua frente.
Mas, para todos da sociedade, não passava de boatos e Judith fazia questão de abafar todos eles, afinal, tinha que manter a reputação das filhas invictas, pois logo Brista se casaria e corria a notícia de que um belo e rico duque estava em busca de uma esposa. Desse modo, era importante manter Charlotte e seu casamento sob controle e, por isso, Judith estava ali.
- Pare de chorar como uma criança e conquiste seu marido! Faça qualquer coisa! - ela frisou, segurando o rosto da filha com certa brusquidão. - Conserte o que você estragou, a culpa é sua.
***
Quando abriu os olhos, sua mãe já havia partido.
As visitas de Judith sempre pioravam tudo para a ruiva, que já não sabia a quem recorrer, não tinha quem a protegesse. Como falaria com seu pai se sua mãe nunca levava seus recados e seu marido não permitia que ela sequer colocasse o rosto no jardim? Fugir não estava em seus planos, afinal, se não chegasse até sua casa, as consequências seriam muito piores e Willian tinha criados por toda parte que estavam autorizados a fazer qualquer coisa para contê-la.
Não tinha o que fazer, para ela, não havia opções.
O único a quem poderia recorrer estava muito distante, na capital. Marcel havia viajado e só retornaria depois de muitos meses, mas Charlotte não sabia se conseguiria resistir tanto tempo. Estava quebrada e não se referia ao seu corpo, mas sim a sua alma, era uma mulher amargurada, pressionada pelo medo e pelo terror que vinha diretamente daquele que jurou amá-la por toda a vida.
Sabia que a noite já ia longe, pois todos os empregados já haviam se recolhido e a casa estava completamente escura. Caminhou na ponta dos pés, porém, não conseguiu escapar dos olhos nebulosos de Willian, que caíram sobre ela assim que pisou os pés na sala. Ele estava sentado no sofá, tinha uma taça nas mãos e, estranhamente, estava sozinho.
A beleza dele era inegável, tinha um peitoral muito bem definido, músculos fortes e firmes, seu rosto era tão bonito que, em outro momento, poderia fazer Charlotte suspirar pelos cantos, apaixonada, sua pele era quase dourada, lábios grossos e perfeitamente desenhados. Estava com os cabelos soltos caindo por seu rosto, dando a ele um ar misterioso e, para qualquer mulher que o olhasse naquele momento com uma taça de vinho na mão, sensual.
Mas a casca bonita somente ocultava o monstro que habitava dentro dela.
A única coisa que Charlotte sentia era nojo.
- Achei que não sairia do seu quarto hoje, Charlotte - ele falou, levando a taça aos lábios em seguida. - Está me evitando? Decidiu deixar de cumprir mais uma de suas obrigações?
A ruiva não respondeu, somente juntou as mãos uma na outra, olhando para seus próprios pés, silenciada. Qualquer resposta mal dada, qualquer olhar que demonstrasse o mínimo de mágoa ou irritação, tudo era um bom motivo para Willian mostrar sua verdadeira face para ela. Porém, levando em conta tudo o que ouviu durante a tarde e parte da noite, acreditava que o humor dele não estaria tão cítrico ou raivoso.
- Não me sentia muito bem, só isso - respondeu ela sem se mover sentindo o coração acelerado. - Não queria incomodá-lo, meu marido.
Willian estreitou os olhos, encarando sua esposa fixamente por alguns instantes antes de se erguer, caminhando até ela e deslizando a destra por seu rosto devagar. Sempre admirou a beleza de Charlotte, aquele foi o principal motivo que o levou ao matrimônio, porém, o fardo de não ter herdeiros legítimos estava sendo pesado demais.
Por que continuar casado com alguém que não podia lhe gerar a única coisa que um homem de respeito precisa ter?
Não valia a pena.
Porém, não podia abrir mão dela, seu orgulho o impedia, preferia vê-la morta do que casando-se novamente, afinal, sabia que isso não demoraria a acontecer se ela fosse devolvida. Mesmo infertil, sua beleza ainda poderia laçar qualquer pretendente da coorte que ela desejasse, por mais que ela não soubesse disso.
E Willian se esforçava para que ela jamais tomasse consciência desse fato.
- Vamos para nosso quarto - falou, vendo-a encolher levemente os ombros. - E não me faça precisar insistir, meu amor! Ainda precisa me dar o que eu quero, e não vamos parar de tentar.
Seu tom era ameaçador e seu toque, outrora delicado, desceu lentamente pelo pescoço da ruiva, chegando ao tecido fino de sua camisola, o puxando de uma só vez, expondo os seios da mulher, enquanto sorria levemente.
Charlotte encolheu os ombros, sentindo as lágrimas chegarem aos seus olhos, mas não se opôs. Sentiu os dedos de Willian em seu braço então ele a puxou sem delicadeza alguma, seguindo em direção as escadas, as quais ela subiu silenciosamente, como um cordeiro.
Não demoraram a chegar ao elegante quarto, ela viu a cama ainda bagunçada, sentiu o cheiro de um perfume que não era o seu espalhado por toda parte. Em alguns locais, havia até algumas peças de roupas que não eram suas, resquícios de mais uma traição, de mais uma humilhação. Sentia-se ainda mais suja ao deitar naquela cama, seu estômago se revirava ao sentir os lábios do seu marido tocando sua pele enquanto falava as maiores obscenidades, sussurrando-as em seu ouvido, degradando-a ainda mais.
Ali, nada era além de um corpo, uma casca vazia que esperava seu fim, ou algum socorro milagroso que, depois de tanto tempo, ela sequer tinha certeza de que viria.
Então somente fechou os olhos, ouvindo as palavras de sua mãe ecoarem em sua mente:
"Conserte o que você estragou, a culpa é sua."
***
Pessoal, espero que gostem! Os capítulos serão postados a medida que escrevo, então deixem seus comentários, eles me motivam muito, me contem o que estão achando! Me sigam no insta para acompanhar minha rotina de escrita e informações exclusivas sobre minhas histórias, interajam comigo por lá! @evy_da_dreame