Xeque ao Rei: O Regresso
img img Xeque ao Rei: O Regresso img Capítulo 4 Armadura de Seda e Aço
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Capítulo 6 Disposta a Entrar na Boca do Lobo img
Capítulo 7 Alívio que cruzou os seus olhos img
Capítulo 8 A Jaula de Ouro img
Capítulo 9 A Estratégia do Cavalo de Troia img
Capítulo 10 No Olho do Furacão img
Capítulo 11 A Distância de um Corredor img
Capítulo 12 Tinta Chinesa e Tensão img
Capítulo 13 O Preço do Brinquedo img
Capítulo 14 O Contrato Quebrado img
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Capítulo 4 Armadura de Seda e Aço

O amanhecer sobre Manhattan entrou pelos janelões da cobertura sem pedir licença, pintando de cinzento e ouro o betão polido da sala.

Elena abriu os olhos sobressaltada, descolando a bochecha de uma pasta de couro. Doía-lhe o pescoço e tinha a boca seca. Demorou alguns segundos a recordar onde estava: o sofá italiano de três metros, a vista de vertigem e o leve zumbido do ar condicionado central.

Não estava no seu pequeno apartamento no Queens. Estava no covil do lobo.

Levantou-se rapidamente, alisando o vestido de noite amarrotado que usara durante quase vinte e quatro horas. A vergonha atingiu-a de imediato. Tinha adormecido no meio da revisão dos ativos da Vanguard Tech.

- Bom dia, Bela Adormecida.

A voz profunda veio da cozinha aberta. Elena virou-se e sentiu o fôlego preso na garganta.

Dante Blackwood estava de pé junto à ilha de mármore preto, a ler um tablet enquanto bebia café. Já não usava o smoking da noite anterior. Vestia umas calças de fato cinzento-escuro e uma camisa branca imaculada, com as mangas arregaçadas até aos antebraços, revelando braços fortes e peludos, e um relógio que custava mais do que a educação universitária de Elena.

Parecia fresco, alerta e perigosamente atraente. Como se não tivesse passado a noite a desenterrar os cadáveres financeiros da sua antiga empresa.

- Sinto muito, Senhor Blackwood - balbuciou Elena, pondo-se de pé e procurando os seus sapatos. - Não devia ter adormecido. Eu... só fechei os olhos por um segundo.

Dante baixou o tablet e olhou para ela. A sua expressão era ilegível, mas não havia raiva nos seus olhos escuros.

- Eram quatro da manhã quando desmaiaste sobre o relatório de auditoria trimestral. Trabalhaste cinco horas seguidas a encontrar as contas ocultas no Panamá. - Dante apontou para uma chávena a fumegar no balcão. - Bebe o café. Precisas dele preto e forte. Hoje vamos para a guerra.

Elena caminhou em direção ao balcão, consciente da sua aparência desgrenhada em frente à perfeição dele. O café cheirava a glória. Deu um gole e sentiu a vida a regressar ao seu corpo.

- Que horas são? - perguntou.

- Sete. Temos de estar na Vanguard às oito e meia. Quero chegar antes que Claudio recupere da ressaca.

Elena olhou para o seu vestido de festa amarrotado, com uma mancha de vinho seco na bainha da noite anterior.

- Não posso ir assim. Tenho de passar por casa para me trocar.

- Não há tempo. E com todo o respeito, Elena, a roupa que usas para trabalhar... esses fatos cinzentos e apagados... - Dante fez uma careta de nojo. - São o uniforme de uma vítima. Claudio fez-te vestir para ser invisível. Se vais entrar aí comigo, preciso que te vejam.

Dante estalou os dedos e apontou para o corredor que levava aos quartos.

- No quarto de hóspedes há várias caixas. Chegaram há meia hora. O meu estilista pessoal é muito eficiente. Vai, toma um duche e veste o que está na caixa preta grande.

- Comprou-me roupa? - Elena franziu a testa, uma mistura de gratidão e aborrecimento defensivo. - Senhor Blackwood, eu não sou a sua boneca.

Dante pousou a chávena no mármore com um golpe suave, mas firme. Aproximou-se dela, invadindo o seu espaço pessoal como costumava fazer, obrigando-a a levantar o queixo para sustentar o olhar dele.

- Não procuro uma boneca, Elena. Procuro uma sócia. E no mundo corporativo, a perceção é a realidade. Se entrares a parecer a assistente assustada de ontem, serás tratada como tal. Preciso que entres a parecer a mulher que tem o poder de os despedir a todos. - A sua voz baixou, tornando-se rouca. - Não é roupa. É uma armadura. Usa-a.

Elena sustentou o olhar dele por mais alguns segundos, sentindo aquela estranha eletricidade a crepitar entre eles cada vez que ele se aproximava demasiado. Depois, assentiu e dirigiu-se ao corredor.

Vinte minutos depois, Elena olhou-se ao espelho de corpo inteiro da casa de banho de hóspedes e mal se reconheceu.

O fato era de um azul-marinho profundo, quase preto. A saia lápis ajustava-se às suas curvas com uma precisão arquitetónica, descendo até um pouco abaixo do joelho, profissional, mas inegavelmente feminina. O casaco cintado tinha ombreiras subtis que lhe davam uma postura de poder, e a blusa de seda cor de creme suavizava o conjunto. Os sapatos eram uns stilettos pretos de sola vermelha, vertiginosos, mas estranhamente confortáveis.

Soltou o cabelo, que caiu em ondas naturais sobre os seus ombros, e aplicou um pouco da maquilhagem que vinha no kit. Quando saiu para a sala, sentia-se diferente. Caminhava diferente. O som dos seus saltos no chão de betão parecia um aviso de combate.

Dante estava a falar ao telefone, de costas para ela. Virou-se ao ouvi-la e ficou em silêncio a meio de uma frase.

Os seus olhos escuros percorreram o corpo dela dos sapatos ao cabelo solto, parando um segundo na curva da sua anca e depois subindo para os seus olhos. Houve um silêncio denso. Elena conteve a respiração, sentindo-se exposta sob o seu escrutínio. Pela primeira vez, viu algo mais do que cálculo no olhar de Dante. Viu fome. Uma fome masculina, crua, que ele reprimiu instantaneamente apertando o maxilar.

- Termino depois - disse Dante ao telefone e desligou sem desviar o olhar dela.

- É... adequado? - perguntou Elena, sentindo-se subitamente constrangida.

Dante pigarreou e ajustou os botões de punho da camisa.

- É perfeito - disse com voz áspera. - Vamos. O carro espera.

O trajeto para o distrito financeiro foi tenso. Elena revia os arquivos no tablet que Dante lhe tinha dado, a repassar os nomes dos executivos leais a Claudio, mas a sua mente estava na forma como Dante a tinha olhado no apartamento.

Quando a limusine parou em frente ao arranha-céus de cristal e aço que tinha sido a sua prisão durante cinco anos, Elena sentiu o pânico a fechar-lhe a garganta. Viu os empregados a entrar pelas portas giratórias, os mesmos que a ignoravam ou a olhavam com pena.

Dante pareceu sentir o seu medo. Antes que o chauffeur abrisse a porta, ele pousou a sua mão grande e quente sobre a dela, que descansava trémula no seu joelho.

- Ouve-me - disse, obrigando-a a olhá-lo. - Hoje não és Elena, a assistente. Hoje és a voz da Blackwood Holdings. Tens a minha autoridade. Se alguém te faltar ao respeito, falta-me a mim. E ninguém me falta ao respeito duas vezes. Entendido?

O calor da sua mão incutiu-lhe uma coragem emprestada.

- Entendido.

O chauffeur abriu a porta.

A entrada no hall foi um evento em si. Dante caminhava com passos longos e seguros, irradiando uma energia escura que fazia com que as pessoas se afastassem instintivamente ao passar. Elena caminhava ao seu lado, um passo atrás e à direita, com a cabeça erguida, a pasta de couro na mão e os saltos a ecoar no mármore.

Viu a rececionista, uma rapariga que costumava troçar da sua roupa barata, abrir a boca de espanto ao vê-la. Viu o chefe de segurança a perfilar-se ao ver Dante.

Subiram no elevador executivo em silêncio. À medida que os números subiam, o coração de Elena batia mais forte. Andar 40. Andar 41. Andar 42.

As portas abriram-se.

O andar executivo da Vanguard Tech estava em caos. Telefones a tocar, pessoas a correr com papéis. A notícia da aquisição hostil tinha-se espalhado.

No centro da área aberta, Claudio Vega estava a gritar com uma secretária júnior, com a cara vermelha e o cabelo despenteado.

- Não me interessa uma merda o que digam os auditores! - esbravejava Claudio. - Quero esses arquivos triturados antes que esse bastardo do Blackwood chegue!

- Chegas tarde, Claudio - a voz de Dante cortou o ar como um chicote.

Todo o andar ficou em silêncio. Cinquenta cabeças viraram-se simultaneamente.

Claudio virou-se lentamente. Tinha olheiras profundas e os olhos injetados em sangue. Ao ver Dante, empalideceu. Mas quando os seus olhos pousaram em Elena, a sua expressão passou do medo à fúria incrédula.

- Elena? - Claudio soltou uma risada nervosa e histérica. - Que diabos estás a fazer vestida assim? E porque não estás na tua secretária? Estive a ligar-te a manhã toda! O café não se faz sozinho!

Elena sentiu o velho instinto de baixar a cabeça e pedir desculpa. "É o meu chefe", pensou. "Ele tem o seguro da mãe."

Mas então sentiu a presença de Dante ao seu lado, sólida como uma montanha. Recordou a noite anterior. Recordou a promessa. Recordou o seguro médico Blackwood que já estava ativo.

Dante deu um passo em frente, protegendo-a, mas Elena pôs uma mão suave no braço dele para o deter. "Deixa-me fazer", disse-lhe com o olhar. Dante parou, surpreendido, e recuou meio passo, cedendo-lhe o palco.

Elena avançou em direção a Claudio. Não tremeu.

- Bom dia, Senhor Vega - disse ela. A sua voz saiu clara e firme, projetando-se por todo o escritório. - Já não preparo café. E, certamente, já não o preparo para o Senhor.

- O que disseste? - Claudio avançou para ela, ameaçador. - Ouve-me bem, estúpida ingrata. Tens um contrato. Eu tenho a tua mãe...

- O contrato foi anulado por incumprimento de cláusulas laborais abusivas às 8:00 da manhã - interrompeu Elena, tirando um documento da sua pasta. - E quanto à minha mãe, ela está a ser transferida para o Hospital Presbiteriano neste momento, sob a cobertura privada da Blackwood Holdings.

Um murmúrio percorreu o escritório. Claudio parecia ter levado uma bofetada física.

- Tu... tu não podes...

- Posso e fi-lo - Elena virou-se para o resto do escritório. - Atenção a todos. Eu sou Elena Rivas, ligação executiva da Blackwood Holdings. A partir deste momento, todas as operações passam pela minha supervisão. O Senhor Vega foi exonerado das suas funções administrativas enquanto durar a auditoria forense.

- Segurança! - gritou Claudio, perdendo o controlo. - Tirem esta traidora e este palhaço do meu edifício!

Dois guardas de segurança aproximaram-se, hesitantes. Olharam para Claudio, suado e a gritar. Depois olharam para Dante Blackwood, que estava parado com os braços cruzados, a observar a cena com um sorriso predador e tranquilo.

- Eu não faria isso se quiserem manter as vossas pensões - disse Dante suavemente. Os guardas pararam de repente.

Dante caminhou até ficar ao lado de Elena, olhando para Claudio com desprezo absoluto.

- Este já não é o teu edifício, Claudio. Na verdade, estás a respirar o meu ar.

Dante inclinou-se para ele, baixando a voz para que só Claudio e Elena pudessem ouvi-lo.

- Avisei-te há cinco anos, irmão. Disse que voltaria.

Os olhos de Claudio arregalaram-se. O reconhecimento atingiu o seu rosto como um raio. Olhou para a cicatriz, olhou para os olhos escuros.

- Damián? - sussurrou Claudio, horrorizado. - Não... tu estás morto.

- Damián Cruz morreu na noite em que te deitaste com a mulher dele e o enviaste para a prisão - respondeu Dante com frieza. - Eu sou o homem que veio para te enterrar.

Dante endireitou-se e dirigiu-se a Elena.

- Senhorita Rivas, por favor, escolte o Senhor Vega para fora das instalações. E certifique-se de que ele devolve o cartão de acesso e o telemóvel da empresa. Não queremos que ele roube os clipes de papel ao sair.

- Isto é ilegal! Vou ligar aos meus advogados! - guinchou Claudio enquanto recuava.

- Faça-o - disse Elena, saboreando cada sílaba. - Fale com eles. Diga-lhes para reverem a cláusula 4B do acordo de aquisição que assinou ontem à noite bêbedo na gala. Cedeu o controlo operacional total em troca do resgate financeiro.

Elena apontou para o elevador com um gesto elegante da sua mão.

- Por favor, Claudio. Não faça uma cena. É patético.

Claudio olhou à sua volta. Ninguém se moveu para o ajudar. Viu o desprezo nos olhos dos empregados que tinha maltratado durante anos. Viu a vitória fria nos olhos da sua antiga assistente.

Derrotado, baixou os ombros e caminhou em direção aos elevadores, arrastando os pés.

Quando as portas se fecharam atrás dele, o silêncio no escritório era absoluto. Elena sentiu as mãos a tremer, mas desta vez era de pura adrenalina.

Virou-se para Dante. Ele olhava para ela com uma expressão que ela nunca tinha visto antes. Era orgulho. Um orgulho feroz e possessivo.

- Bom trabalho, Elena - disse ele, alto o suficiente para que todos o ouvissem. - Agora, vamos para o meu escritório. Temos uma empresa para limpar.

Dante caminhou em direção à grande porta dupla de carvalho no final do corredor, o antigo escritório do fundador, o escritório que tinha sido dele. Elena seguiu-o, com o som dos seus saltos a marcar o ritmo de uma nova era.

Ao entrar no gabinete, Dante fechou a porta atrás deles, isolando o som do exterior. O gabinete era enorme, mas Claudio tinha-o enchido de arte vulgar e móveis dourados.

Dante suspirou, olhando à sua volta com nojo, e depois os seus olhos cravaram-se em Elena. A tensão, que tinham mantido sob controlo em público, explodiu na privacidade da divisão.

- Estiveste magnífica - murmurou ele, aproximando-se.

- Estava aterrorizada - confessou ela, apoiando-se contra a secretária pesada para não cair.

- Não se notou. - Dante parou a um passo dela. A adrenalina da confrontação ainda vibrava no ar, misturando-se com algo mais perigoso. - Quando o enfrentaste... quando lhe disseste que já não lhe servias café...

Dante levantou a mão e, com um atrevimento que a gelou, traçou a linha do seu maxilar com o polegar. A sua pele era áspera, quente.

- És letal, Elena. E o azul fica-te muito bem.

Elena parou de respirar. Os seus rostos estavam a centímetros. Podia ver as pintas douradas na escuridão dos seus olhos. O momento pendia de um fio, oscilando entre o profissionalismo e um abismo de paixão proibida.

Então, alguém bateu à porta.

Dante afastou-se de repente, quebrando o feitiço, e o seu rosto voltou a ser uma máscara de pedra.

- Entra - disse com voz dura.

Elena soltou o ar que tinha estado a reter, sentindo o coração a bater-lhe contra as costelas como um pássaro enjaulado. Tinham ganho a primeira batalha, mas tinha a terrível sensação de que a guerra mais perigosa não seria contra Claudio, mas contra a atração devastadora que sentia pelo homem que acabara de comprar a sua alma.

            
            

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