Um Casamento Fundado em Mentiras
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Capítulo 3

Ponto de Vista de Eliana Reis:

O silêncio na sala de estar era ensurdecedor, um cobertor grosso e sufocante que pressionava a todos. Minha declaração pairava no ar, uma granada lançada no mundo meticulosamente ordenado da família Reis.

O rosto do vovô Reis, geralmente uma máscara de controle, se contorceu em uma carranca furiosa. "Divórcio?", ele berrou, batendo com o punho na mesa de mogno polido. Os copos de cristal pularam, tilintando contra os pires. "Que absurdo é esse, Eliana? Você sabe o que essa fusão significa para a família, para o império! Você não vai colocar tudo em risco com seus caprichos infantis!"

"Não é um capricho, vovô", afirmei, minha voz calma, quase distante. "É uma decisão. Os papéis do divórcio serão protocolados até o final do dia."

Ele se levantou da cadeira, imponente sobre mim, seus olhos cuspindo fogo. "Você ousa me desafiar? Depois de tudo o que fizemos por você? Depois que te demos tudo? Você acha que pode simplesmente jogar fora uma aliança estratégica dessa magnitude como se fosse um brinquedo descartado?"

Cristiano, meu irmão mais novo, aproveitou a oportunidade. "Ele está certo, Eliana. Gabriel Lobo é imprevisível, mas é necessário. Ele é rico, influente e traz um certo... toque artístico que pode atrair um segmento de mercado mais jovem. Você não pode simplesmente descartá-lo porque ele é um pouco não convencional. Pense na imagem. Pense no nome da família." Ele fez uma pausa, um olhar presunçoso no rosto. "Além disso, ele é bastante charmoso, à sua maneira. Se você não consegue lidar com ele, talvez outra pessoa devesse." A implicação era clara: talvez eu devesse.

Eu não disse nada, meu rosto uma lousa em branco. Suas acusações, seus cálculos, seu completo desprezo por meus sentimentos - tudo passou por mim, frio e indiferente. Era apenas negócio para eles. Sempre.

A fúria do vovô Reis se intensificou, seu rosto ficando num tom perigoso de carmesim. "Silêncio! Isso não é uma discussão. Você vai retirar sua declaração ridícula. Você vai fazer as pazes com Gabriel Lobo. Ou enfrentará as consequências." Ele gesticulou para os dois capangas da família que estavam silenciosamente ao lado da porta. "Tragam o chicote."

Meu coração não vacilou. Eu sabia que isso estava por vir. Esta era a forma suprema de disciplina da família Reis, um lembrete brutal de quem realmente estava no comando. Mantive-me firme, minha postura rígida, meus olhos firmes.

O chicote, uma tira de couro fina e cruel, assobiou no ar. O primeiro golpe atingiu minhas costas, uma linha de fogo ardente que rasgou meu vestido elegante. Ofeguei, uma inspiração aguda e involuntária, mas não gritei. Meus músculos se contraíram, meu corpo gritando em protesto, mas minha mente permaneceu clara.

"Vai reconsiderar, Eliana?" A voz do vovô era baixa, ameaçadora.

"Não", respondi, minha voz rouca.

Outro golpe. Este, mais baixo, na altura dos meus rins. Uma onda de náusea, uma explosão de dor vertiginosa. Mordi a língua, sentindo o gosto de sangue, negando-lhes a satisfação de um grito.

"Ainda desafiadora?", ele rosnou.

"Vou me divorciar dele", repeti, cada palavra um esforço doloroso.

O açoitamento continuou, um borrão rítmico e agonizante de dor. Minhas costas eram uma tela de fogo, meu vestido rasgado e encharcado de sangue. Cada golpe me empurrava para mais perto do limite, mas também cristalizava minha determinação. Esta era minha escolha. Minha liberdade.

"Por que, Eliana?", exigiu o vovô, sua voz agora tingida de uma frustração desesperada. "Por que você está fazendo isso? Que razão poderia justificar tal insubordinação?"

Levantei a cabeça, meus olhos queimando com uma fúria fria que teria murchado qualquer outra pessoa. "Porque ele não me ama", cuspi, as palavras um veneno amargo. "E nunca amou. O coração dele pertence a outro. Eu sou apenas uma ferramenta, um degrau em seu jogo desesperado." Minha voz falhou com uma emoção que eu raramente permitia aflorar - humilhação. "Ele me usou, vovô. Assim como todos vocês me usaram."

Eu esperava choque. Esperava raiva. Esperava que eles descartassem isso como uma trivialidade. Em vez disso, um silêncio tenso se instalou. O rosto do vovô, geralmente tão composto, vacilou. Seus olhos piscaram, um lampejo de algo que parecia suspeitamente com... culpa.

Então, minha tia, uma parente distante, mas uma voz poderosa no conselho da família, suspirou pesadamente. "Nós sabíamos, Eliana. Nós suspeitávamos."

Meu mundo se estilhaçou. Não era apenas uma metáfora. Era real. Uma dor aguda e lancinante explodiu em meu peito, pior do que qualquer chicotada. Eles sabiam. O tempo todo, eles sabiam. Eles haviam orquestrado essa farsa, essa zombaria de casamento, plenamente conscientes de que eu era um peão no jogo de Gabriel. Eles haviam sacrificado minha dignidade, meu bem-estar, em nome de uma fusão.

Minha mente girou, voltando à minha infância. Eu era a favorita do vovô, a criança de ouro, a sucessora perfeita. Meus pais, frios e distantes, sempre disseram que me amavam, que eu era o orgulho deles. Mas depois que Cristiano nasceu, o afeto deles mudou. Eu havia trabalhado mais, me esforçado mais, me destacado em tudo, acreditando que o reconhecimento, a perfeição, traria o amor deles de volta. Cada ato rebelde, cada risco calculado, cada busca implacável pelo sucesso - tudo era um apelo desesperado por sua atenção, por sua aprovação.

Era tudo uma piada. Uma piada cruel e elaborada. Minha vida inteira, uma ilusão cuidadosamente construída para o benefício deles.

Uma risada histérica borbulhou da minha garganta, um som rouco e quebrado. Não era diversão. Era o som de tudo em que eu acreditava se desfazendo em pó. "Vocês sabiam", engasguei, as palavras carregadas de uma descrença venenosa. "Todos vocês sabiam. E ainda me fizeram passar por isso."

O rosto do vovô escureceu novamente, seus olhos se estreitaram, mas a culpa ainda pairava sob a raiva. "Pare com essa bobagem, Eliana! Não é hora para teatro!"

Cristiano, sempre o oportunista, deu um passo à frente, com uma expressão fingida de preocupação no rosto. "Vovô, talvez devêssemos ouvir. Eliana está claramente angustiada. Se Gabriel realmente não tem afeto por ela, e ela se sente tão... usada... talvez um divórcio seja do interesse de todos. Com Eliana neste estado, ela não pode administrar o Grupo Reis de forma eficaz." Ele se virou para mim, um brilho predatório em seus olhos escondido por um sorriso simpático. "Todos nós queremos o melhor para você, querida irmã. E se você está infeliz, não gostaríamos que ficasse presa a um homem que não sabe te apreciar."

Meu avô olhou para Cristiano, depois de volta para mim, um brilho calculista em seus olhos. Ele valorizava a lealdade, mas valorizava mais a eficiência e o poder. Ele sempre havia favorecido Cristiano, vendo um reflexo de sua própria ambição implacável em meu irmão.

"Gabriel Lobo é um artista talentoso", continuou Cristiano, pressionando sua vantagem. "Ele não ficará sem perspectivas. E, francamente, vovô, meu casamento com a herdeira da família Chen solidificaria nossa posição no mercado asiático, muito mais do que essa fusão com os Lobo jamais faria. Por que desperdiçar o potencial de Eliana em um ativo danificado?"

Eu os observei, meu coração uma pedra congelada. Eles estavam discutindo sobre mim, minha vida, meu futuro, como se eu fosse uma opção de ação. Uma mercadoria a ser negociada, descartada ou reaproveitada.

"Tudo bem", disse o vovô finalmente, sua voz seca, seu olhar fixo em Cristiano. "Se é isso que Eliana realmente quer, que assim seja. Divorcie-se. Mas ela arcará com todas as consequências desta decisão precipitada." Ele acenou com a mão de forma desdenhosa para os capangas. "Soltem-na."

Senti a ausência súbita do chicote, a ardência do ar fresco contra minhas costas em carne viva. A dor era imensa, mas minha mente estava mais clara do que nunca. Eles achavam que estavam me punindo, mas acabaram de me dar a única coisa que eu realmente desejava: liberdade.

Eu me levantei, minhas pernas tremendo, meu corpo gritando em protesto. Sangue escorria pelas minhas pernas, manchando o tapete impecável. Olhei para o vovô, depois para Cristiano, um sorriso frio e vazio no rosto. "Consequências?", murmurei, minha voz quase um sussurro. "Ah, vovô. Você não tem ideia do que consequências realmente significam."

Dei um passo trêmulo, depois outro, ignorando a dor. "Você acha que pode simplesmente me descartar, me substituir?" Meus olhos varreram seus rostos, registrando seu choque, seu crescente desconforto. "Este divórcio não é só do Gabriel. É de todos vocês."

O rosto do vovô ficou ainda mais roxo. "Do que você está falando, Eliana? Você é uma Reis! Sempre será!"

"Não", contestei, minha voz ficando mais forte, mais fria. "No momento em que vocês me viram como um ativo danificado, no momento em que me sacrificaram conscientemente por seus joguinhos corporativos mesquinhos, eu deixei de ser uma Reis. Este divórcio é o último fio que me conecta a esta família, a este império." Olhei diretamente para Cristiano, uma promessa arrepiante em meus olhos. "Aproveite sua herança, Cristiano. Você a mereceu, à sua maneira patética."

Balancei, mas me segurei. "Vou assinar os papéis. E então, vou desaparecer. Vocês nunca mais me verão. E eu prometo, vovô, você se arrependerá deste dia mais do que de qualquer outro."

                         

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