Ele teve de se aproximar mais para escutá-la com o barulho
da água que atingia o asfalto e rapidamente estava se trans-
formando em granizo. Embora tivesse desligado os faróis, já
que seus olhos logo se acostumaram à escuridão, conseguiu ob-
servar com atenção o rosto dela.
Chase sentiu um aperto no peito.
Apesar dos longos cabelos colados ao rosto e ao peito, e "rato
molhado" fosse uma boa expressão para descrever-lhe a
aparência, a beleza da mulher o impressionou.
Em um instante, seus olhos de fotógrafo analisaram os
traços dela. A boca era um pouco grande demais; os olhos, um
pouco separados no rosto. Ela não chegava nem perto da
magreza das modelos, mas, pela maneira como a camiseta e o
jeans colavam em sua pele, ele pôde perceber que ela apro-
veitava bem suas tentadoras curvas. No escuro, não podia
adivinhar-lhe a cor exata dos cabelos, mas pareciam de seda,
perfeitamente macios e lisos no ponto em que lhe cobriam os
seios.
Foi apenas quando Chase a ouviu dizer "meu carro está bem
danificado, no entanto" que ele percebeu que perdera por
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completo a ideia do que pretendia fazer ao estacionar e ir ao en-
contro dela.
Como sabia que estivera bebendo a imagem daquela mulher
como se morresse de sede, esforçou-se para recuperar o
equilíbrio. Já podia ver que o carro dela levara a pior. Não era
necessário um mecânico como seu irmão Zach para concluir
que o horroroso carro hatch estava beirando a perda total.
Mesmo se o para-choque dianteiro não estivesse quase aos ped-
aços por ter batido na cerca branca de uma fazenda, os pneus
carecas nunca conseguiriam tração na lama. Não naquela noite,
de qualquer forma.
Se o veículo estivesse em uma situação menos precária, ele
provavelmente diria para ela permanecer dentro dele enquanto
tentaria tirá-lo de lá. Porém, um dos pneus traseiros estava
pendurado na borda da vala.
Chase fez um movimento com o polegar na direção de seu
automóvel.
- Entre no meu carro. Podemos esperar lá por um guincho.
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Teve a vaga sensação de que as palavras soaram como uma
ordem, mas o granizo começava a machucar, maldição! Os dois
precisavam sair da chuva antes que congelassem.
Porém, a mulher não se mexeu. Em vez disso, lançou-lhe um
olhar que parecia dizer que ele era completamente maluco.
- Não vou entrar no seu carro.
Ao perceber o quanto devia ser assustador, para uma mulh-
er, ficar presa e sozinha no meio de uma estrada escura, Chase
afastou-se um pouco dela. Tinha de falar alto para ela ouvi-lo
em meio ao granizo.
- Não vou atacá-la. Juro que não farei nada para machucá-
la.
Ela só faltou se encolher ao ouvir a palavra "atacá-la" e
Chase ficou alerta. Ele nunca fora um ímã para mulheres prob-
lemáticas, não era o tipo de homem que gostava de salvar pas-
sarinhos feridos. Porém, como tinha vivido com duas irmãs por
muito tempo, sempre podia adivinhar quando alguma coisa es-
tava errada.
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E alguma coisa com certeza estava errada com aquela mulh-
er, além do fato de o carro dela estar praticamente preso em
uma vala lamacenta.
Como queria fazê-la se sentir segura, ele ergueu as mãos.
- Juro pela alma do meu pai que não vou machucá-la. Pode
entrar no meu carro.
Ela não recusou imediatamente e ele aproveitou essa vant-
agem, acrescentando:
- Quero apenas ajudá-la.
E ele queria mesmo. Queria mais do que seria normal com
uma desconhecida.
- Por favor - insistiu. - Deixe-me ajudá-la.
Ela o observou por bastante tempo. O granizo caía entre
eles, ao redor deles, sobre eles. Chase percebeu que prendia a
respiração, esperando a decisão dela. Não deveria se importar
com o que ela fizesse. No entanto, por algum estranho motivo,
ele se importava.
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Chloe Peterson nunca se sentira tão molhada, tão infeliz...
nem tão desesperada. Tinha corrido acima do limite de velocid-
ade pelas últimas duas horas, antes de a tempestade chegar
com força total. Havia desacelerado bastante sobre o asfalto ex-
tremamente escorregadio, mas os pneus do seu carro estavam
velhos e carecas e, antes que percebesse, o automóvel deslizara
para fora da pista.
Direto para uma vala lamacenta.
Talvez tivesse sido mais fácil (e inteligente também) ficar
sentada dentro do carro e esperar a tempestade passar. Porém,
estava agitada demais para ficar parada. Precisava continuar
em movimento ou os pensamentos que rodeavam sua mente
iriam alcançá-la; assim, jogou a mochila nos ombros e saiu para
a chuva, no momento em que começou a cair o terrível granizo.
As pedrinhas machucavam-lhe a pele, mas ela gostava do
frio, da dor, pois lhe davam algo em que prestar atenção em vez
do que lhe acontecera poucas horas antes.
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Ela não tinha certeza de onde se encontrava - ou para onde
estava indo -, mas esperava estar caminhando em direção à
cidade.
Durante toda a noite, as estradas se mantiveram estran-
hamente vazias, porém, mal havia começado a andar, percebera
luzes vindo atrás dela.
O medo a assaltou novamente quando o carro estacionou, e
ela precisou parar e se preparar para enfrentar a situação.
Estava sozinha em uma estrada de interior escura e molhada.
Não estava com o celular e, mesmo que estivesse, duvidava que
houvesse sinal suficiente no meio daquela chuva.
E, depois, um homem... Um homem grande... Havia saído de
um carro e caminhado em sua direção, dizendo-lhe para entrar
no automóvel dele.
De jeito nenhum.
Ele tentara convencê-la de que ficaria segura com ele. Tinha
dito todas as palavras certas, mas Chloe tinha muita experiên-
cia com pessoas assim, que diziam com facilidade uma coisa e,
depois, faziam outra.
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- Não o conheço - ela disse.
Ele podia ser um assassino, podia ter um machado escon-
dido no carro. Não, iria a pé. Caminharia e encontraria um
lugar para se secar mais tarde.
Pôde ver a frustração estampada no rosto dele, sabia que o
homem iria tentar convencê-la de novo quando, de repente, o
barulho de pneus derrapando chegou até os dois. Antes que en-
tendesse o que estava acontecendo, ele a estava puxando para
junto de si. Não teve tempo de pensar em lutar contra ele, nem
cogitou isso quando percebeu uma motocicleta em alta velocid-
ade quase em cima deles.
Fechou os olhos, preparando-se para o impacto, quando o
homem, sem esforço, levantou-a e pulou na vala, segurando-a
com força.
Ela abriu os olhos bem a tempo de ver o pneu traseiro da
motocicleta deslizar e finalmente parar no mesmo ponto onde
estiveram um momento antes. Seu coração, que quase tinha
parado, começou a bater rapidamente de novo, enquanto via a
moto se afastar com velocidade.
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- Você está bem?
Chloe olhou para o homem que a havia protegido do perigo
com o próprio corpo e, pela primeira vez desde que ele saíra do
carro, ficou impressionada ao perceber o quanto ele era bonito.
Não, ela admitiu em silêncio para si mesma. "Bonito" era
uma palavra insignificante para um homem como aquele.
Mesmo na escuridão, podia ver que ele faria todos os outros ho-
mens parecerem insignificantes. Tão alto quanto ela pensara no
início, mesmo na chuva fria. Ele era absolutamente
maravilhoso.
E o corpo dela estava reagindo com um calor surpreendente.
Ou, talvez, percebeu de repente, aquele calor viesse porque
ele ainda a prendia entre seus braços fortes.
A maneira como ele a havia tirado do caminho da moto-
cicleta acabara com sua desconfiança. E, em qualquer outra
noite, talvez tivesse sido o suficiente. Mas seria mesmo?
Os dois estavam salpicados de lama por terem caído no
barro. Ela se esforçou para se levantar, tentar organizar as idei-
as e, assim, chegar a algum tipo de decisão racional.
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- Espere um minuto - ele disse. - Deixe que tiro você
daqui.
Alguns momentos depois, ele a colocou na lateral da estrada.
- Não é seguro ficar aqui. Para nenhum de nós.
O bom senso lhe dizia que ele estava certo e, ainda assim,
continuava cautelosa. Inacreditavelmente cautelosa. Porém,
naquele momento, que outra escolha poderia ter?
Pensando de novo na maneira como ele a tinha salvado do
perigo, Chloe por fim concordou:
- Certo. Vou com você.
Esperava de verdade não se arrepender dessa escolha.
CAPÍTULO DOIS
Graças a Deus, pensou Chase quando ela finalmente concordou
em ir com ele. Aquela motocicleta lhe dera um susto de parar o
coração. Não tinha pensado, tinha apenas agido para salvar a
moça. Salvar os dois.
Seu instinto de cavalheiro o fez estender a mão para pegar a
mochila dela.
Ela logo deu um pulo para trás.
- Por favor, não. - Disfarçou aquele rápido ataque de medo
e moderou a voz: - Eu posso carregar minha mochila,
obrigada.
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A maneira como ela havia saltado para longe do alcance dele
poderia ferir o ego de um homem. Ao mesmo tempo, Chase
sabia que era apenas bom senso uma mulher manter a guarda
diante de um cara estranho em uma situação como aquela.
Infelizmente, enquanto ela andava até o carro, não con-
seguiu desviar os olhos das suas doces curvas. Porém, qualquer
homem com irmãs mais novas, em especial duas meninas bon-
itas que se metiam em mais encrencas do que ele gostava de
lembrar, presta muita atenção no modo como tratar as mul-
heres. Ele e os irmãos podiam gostar de se divertir - e muito
-, mas nenhum deles agarraria uma mulher à força. Não,
preferiam que as mulheres implorassem por eles.
E não era o momento de pensar em sexo. Não quando tinha
uma mulher semiafogada nos braços... bem, no seu carro pelo
menos, já que ele prometera que suas mãos não chegariam nem
perto dela.
Mesmo sabendo que os bancos de couro nunca mais seriam
os mesmos depois de ficarem cheios de água e lama, Chase ab-
riu a porta do lado do motorista e deslizou para dentro. O vapor
subiu das roupas deles e condensou-se nas janelas, deixando o
carro com um clima ainda mais íntimo. Chase não pôde deixar
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de notar que a passageira-surpresa tinha um aroma muito bom,
como o de chuva e flores recém-abertas.
- Para onde estava indo? - ele perguntou.
Em vez de responder a pergunta, ela pediu:
- Se você pudesse me levar até o motel mais próximo, seria
ótimo. - Fez uma pausa e, depois, acrescentou: - Um lugar
barato seria melhor.
Ao ver seus planos para aquela noite serem levados pela
chuva minuto a minuto - e também ao tentar reprimir a forma
como o aroma dela estava deixando seus sentidos malucos -,
Chase acabou oferecendo, com uma voz mais áspera que de
costume:
- Olha, tenho um lugar grátis para você passar a noite.
Poderemos ligar para o serviço de emergência da estrada de lá.
Seria melhor esperar até que ela estivesse seca e aquecida
para dar a notícia de que, mesmo que o serviço de emergência
da estrada pudesse tirar o carro dela da vala, era provável que
não conseguisse fazê-lo funcionar de novo.
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- Obrigada pela oferta - ela respondeu, ainda com um tom
de cautela, mas firme. - Um motel está ótimo, de verdade. -
Encolheu os ombros, era uma sombra em movimento no interi-
or escuro do carro. - E não se preocupe em ligar para o serviço
de emergência. A esta altura, eu devia deixar meu carro na vala.
A exaustão expressa na voz dela parecia brigar com uma in-
crível disposição interior. Embora fosse óbvio que não tinha
dinheiro para lidar com a situação, não ficou se lastimando.
Chase sabia que deveria apenas levá-la a um motel, ela já
tinha pedido isso mais de uma vez até aquele momento. No ent-
anto, não iria deixá-la em um motel sujo, de jeito nenhum. Não
se quisesse poder olhar para si mesmo no espelho pela manhã
sem ver a palavra canalha escrita na testa. Além disso, seus in-
stintos lhe diziam que ela precisava de mais ajuda do que uma
carona até um motel.
Chase aprendera cedo com a mãe e as irmãs que não deveria
contrariar as vontades de uma mulher. Ele não tinha dúvidas, a
moça ia ficar furiosa com o que estava prestes a fazer.
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Mas nada disso, nem as sirenes de alerta que soavam em sua
mente, foi suficiente para demovê-lo da ideia de que precisava
ajudá-la de alguma maneira.
Girou a chave no contato e, enquanto voltava com cuidado
para a estrada, deu-se conta de que não sabia o nome dela. Já
que a estava levando para o calor e o conforto da grande casa de
hóspedes do vinhedo do irmão (quisesse ela ou não), pensou
que algumas formalidades não seriam má ideia.
- Meu nome é Chase Sullivan.
Nenhum som veio do banco do passageiro e, inexplicavel-
mente, ele se viu tentando conter um sorriso malicioso. Quando
fora a última vez que uma mulher não havia se jogado nos seus
braços? Mas aquela não tinha lhe dado nem uma informação
sequer, tinha? Nem seu nome, nem para onde estava indo.
Algo grave com certeza estava acontecendo. Seria muito mel-
hor se deixasse para lá e levasse a mulher a um motel para
poder ter sua noite de sexo vazio com Ellen no vinhedo. Então,
por que não fazia isso?
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E por que sentia-se estranhamente atraído por essa com-
pleta estranha?
Deixou o silêncio pairar entre os dois, sabendo que ela só re-
sponderia se estivesse confortável o suficiente com ele para
fazê-lo.
Por fim, ouviu-a falar:
- Meu nome é Chloe.