Sinto o ar faltar do meu peito e a dor consumir até minha alma. O grito que antes estava entalado em minha garganta explode junto com o choro. Seguro firme o cinto que me mantém preso ao banco encarando o chão, já que o carro parou de ponta cabeça. Escuto vozes ao redor do carro, mas nada que consiga entender.
- Você está bem?
Olho para a janela ao meu lado e um senhor me surge apavorado. Solto um gemido alto de dor, buscando fôlego para falar.
- Dói...
Sussurro gemendo.
- Qual o seu nome?
O senhor pergunta olhando para dentro do carro. Talvez tentando achar algo para me soltar.
- Vitor!
- Vou tentar te soltar, Vitor.
Passa pelo espaço da janela e tenta não me tocar, para achar a ponta do cinto. Grito de dor quando ele toca meu peito e meu braço.
- Desculpa!
Se afasta muito rápido e bate de novo em meu braço, me arrancando outro grito.
- Seu braço está fraturado.
Fecho meus olhos, tentando controlar a dor que só aumenta. A adrenalina da batida está deixando meu corpo e isso significa que a dor vai ser dilacerante, dependendo do quanto estou ferido.
- Vou precisar de ajuda.
- Não... Não me deixe!
Digo com medo e abro meus olhos. O senhor tenta me tranquilizar pelo olhar.
- Sou Jorge! Prometo que não vou te deixar. Vou ver se já chamaram o resgate e se alguém pode me ajudar a te soltar.
- Não podem me soltar antes do resgate chegar. Eles precisam estar aqui caso precise de socorro imediato saindo do carro.
Ele olha em volta do carro, vendo se alguém está por perto. Provavelmente estão fugindo de qualquer problema que eu possa dar. Ninguém quer ser responsável pela minha morte. O que eles não sabem é que morri no dia em que Elisa me deixou. Escuto alguém falar com o senhor.
- Minha mulher ligou para o resgate. Não devem demorar pra chegar.
Seguro meu cinto com mais força, sentindo frio. Muito frio eu diria. Meus dentes se chocam e os tremores vão aumentando.
- Você quer que avise alguém sobre o acidente?
O senhor pergunta me olhando tremer.
- Não!
- Nem a sua mulher?
Seus olhos estão em minha aliança e as lembranças do dia mais feliz da minha vida preenchem minha mente. O sorriso de Elisa entrando com seu pai. Seu cabelo negro preso perfeitamente e sua franja de lado, mostrando seu belo rosto. Ela parecia um anjo. Meu anjo! Naquele dia, quando seus olhos castanhos encontraram os meus, tive certeza que era a mulher da minha vida.
- Não quer que avise sua esposa?
Pergunta com mais intensidade.
- Não!
- Tem certeza?
- Tenho!
Ele começa a falar sem parar, tentando me distrair até o socorro chegar. Meus olhos pesam e a dor já não é mais tão intensa como antes. Apenas o frio parece congelar tudo.
- Não feche os olhos. Fala comigo!
Não percebi que havia fechado os olhos.
- Vitor, abra os olhos!
O senhor insiste e não consigo abrir meus olhos.
- Vitor!
Grita e apenas escuto, mas não consigo me mexer. A sirene da ambulância está cada vez mais perto e as vozes desesperadas aumentam. Não escuto mais nada, não sinto mais nada.
- Afasta!
Meu corpo se curva e o ar arde em meu pulmão.
- Os batimentos voltaram.
Sinto mexerem em meu corpo.
- Batimentos caindo. Vamos perdê-lo de novo.
Dizem que quando estamos à beira da morte, nossa vida passa como um filme em nossa mente. O meu filme começa repassar há quinze dias atrás. O dia em que ela me deixou.