Quando tudo parecia ter voltado a velocidade normal, Gael percebeu que estava nos braços de um garoto. Seus olhos imitavam as nuvens cinzas de uma tempestade ao se mesclarem com as luzes dos postes e outdoors. Seu cabelo era quase tão escuro quanto as profundezas de um oceano, e um pouco bagunçado também. Tinha um piercing no canto esquerdo de seus lábios, e outro em uma das sobrancelhas.
Seu estilo era meio semelhante ao de Cristian, com apenas um moletom preto, uma calça jeans rasgada e um Air Force branco.
Gael se viu praticamente abraçado ao garoto, como uma princesa em apuros, olhando quase que hipnotizado para seus olhos.
_Ahw... Acho que você já pode me soltar_disse o garoto.
Gael o empurrou para longe e se afastou.
_Q-Quem é você?!
_Um obrigado seria bom também_disse o garoto._Eu meio que acabei de salvar a sua vida.
O coração de Gael estava acelerado pela adrenalina. Estava ofegante, mas conseguiu ir voltando a respirar normalmente aos poucos.
_Obrigado.
_Agora sim_o garoto sorriu e fez uma reverência logo em seguida._Meu nome é Thale(significa "mar" em tailandês). Prazer em conhecê-lo.
_Thale?_Gael ficou surpreso após perceber o significado daquele nome.
_Sim, por que? Algum problema?
_N-Não, nenhum_gaguejou Gael.
_Hunf... Mas e você? Não vai me dizer o seu nome?
_Gael... Prazer em conhecê-lo também_Gael fez uma reverência.
Thale observou Gael dos pés á cabeça.
_Tenho cara de espelho por acaso?_perguntou Gael desconfortável.
_Você não parece ser daqui_disse Thale.
_Não só pareço, não sou_respondeu Gael.
_De onde você é então?
_Isso não é da sua conta.
Gael deu as costas para Thale e atravessou a faixa de pedestre assim que viu o sinal verde.
_Ei, espera!_Thale atravessou a faixa de pedestre e parou Gael.
_O que você quer?!... Eu já te agradeci por ter me salvado.
_Eu sei disso... É que você parecia irritado com alguma coisa.
_Já disse que isso não é da sua conta... Agora se puder me dar licença.
_Espera, por favor_Thale o parou novamente._Talvez eu possa ajudar.
Gael bufou e revirou os olhos impaciente, então estendeu o braço e lhe mostrou a tela do seu telefone. Alí estava o endereço que seu pai havia lhe enviado.
_Preciso chegar nesse endereço aqui, mas o Uber vai demorar uma eternidade por conta do trânsito.
_Hum... entendo_Thale parecia fixado no celular, então Gael o afastou._Bem, você deu muita sorte hoje.
_É a segunda vez que me dizem isso_murmurou Gael.
_Eu também moro nesse condomínio... Bem perto dessa casa por incrível que pareça.
Gael já estava ficando um pouco receoso. Ele sentia que havia alguma coisa de errado com aquele garoto, mas ainda não sabia ao certo o que seria.
_Posso te levar comigo se você quiser... Conheço um outro caminho mas rápido até lá.
Podia-se ver nitidamente no rosto de Gael que ele exalava desconfiança sobre aquele assunto, mas Thale por outro lado, parecia seguro e nem um pouco tenso em dizer aquelas palavras, querendo demonstrar que o garoto realmente podia confiar nele.
Gael estava pensativo, encarando a tela do celular como se estivesse mudado de realidade assim como fez em seu lugar secreto.
_Gael?_chamou Thale.
De repente, Gael voltou a realidade.
_Vou aceitar a carona.
_Ah...tá bom então_disse Thale com uma expressão confusa._Só preciso comprar alguns tentáculos de polvo que a minha mãe me pediu no mercado... Tudo bem para você?
_Sim, sem problemas.
Thale avançou na frente e gesticulou para que Gael o acompanhasse.
Pouquíssimos metros na mesma rua, eles entraram em um mercado, onde seguiram para a parte do açougue. Ele pegou os tentáculos e os pagou no caixa, saindo da loja e voltando para o mesmo caminho de onde vieram.
Os dois viraram a esquina e Gael se deparou com uma Yamaha R3 ABS. Uma motocicleta modernizada na cor preta.
Gael nunca tinha visto uma motocicleta como aquela antes, parecia ser feita exclusivamente para corridas profissionais.
_Bonita não é?_perguntou Thale orgulhoso.
_É...achei bonitinha_disse Gael apenas para não demonstrar que estava impressionado.
Thale deu uma risadinha e entregou um dos capacetes para Gael.
_Toma.
_Espera...eu vou ter que andar com você nessa coisa?
_Que foi?_Thale estreitou os olhos._Tá com medinho de andar de motocicleta?
_Eu não disse isso!_resmungou Gael.
_Então coloca o capecete_disse Thale.
Gael já estava sem paciência com o jeito daquele garoto, mas aquela talvez fosse sua única chance de chegar a tempo no jantar. Pegou o capacete das mãos de Thale e colocou na cabeça, mas havia colocado do lado errado.
Thale riu e se aproximou dele.
_Deixa que eu te ajudo.
O garoto retirou o capacete com cuidado da cabeça de Gael e o colocou do lado certo, travando o cinto em seu queixo. A janelinha do capacete estava erguida, e Gael parecia paralisado como da última vez. Thale estava olhando novamente em seus olhos com o mesmo olhar hipnotizante.
Assim que Thale acabou de ajustar o capacete, ele abaixou a janelinha e Gael se assustou.
_E-Eu sei colocar o capacete sozinho!
_Então por que ficou aí parado como uma estátua?_Thale subiu na motocicleta.
Gael suspirou e subiu na parte de trás do veículo. Thale colocou o capacete e ligou os motores, que rugiram tão alto quanto um leão.
_Aqui_Thale pegou nas mãos de Gael e as colocou sobre sua cintura._Não é seguro você andar sem se segurar em algo.
Gael recuou por um breve instante, mas resolveu mudar de ideia devido ao medo.
_Não precisa ter medo de me abraçar... Eu não mordo.
Gael deu uma risada sínica e depois deu um apertão no abdômen de Thale.
_Assim está bom?
O garoto quase ficou sem ar naquele momento, mas resolveu apenas bufar e seguir adiante com a motocicleta.
***
Gael não sabia se era sua cabeça criando opiniões desnecessárias ou as próprias ruas de Bangkok, que por si só pareciam meio assustadoras. Bom, pelo menos nos lugares em que passavam. Ruas um pouco estreitas e com casas amontoadas umas nas outras, assim como nas favelas do Brasil.
Claramente ele não gostaria de julgar os lugares daquela forma, mas a questão era que ele estava pegando carona com um completo estranho até o endereço dos Ayutthaya. Então, as chances daquilo dar muita merda eram gigantescas.
***
Finalmente, depois de milhões de vezes achando que iria ser abandonado naquele lugar ou assaltado por uma gangue tailandesa, os dois saíram daquela região. Passaram por algumas ruas e esquinas de aparência mais "tranquila", chegando aos enormes portões de um condomínio fechado e bem estruturado assim como o dele em Ilhabela.
Thale se aproximou mais do portão e parou a moto, tirando o capacete e olhando para a cabine do porteiro.
_Boa noite senhor Somchai.
_Boa noite Thale_respondeu o porteiro._Voltou cedo hoje.
_É... Tive que comprar alguns tentáculos para a minha mãe_Thale olhou para Gael._E surgiu um outro probleminha no caminho.
_Ah sim_respondeu o porteiro com um tom malicioso.
_Idiota_murmurou Gael em português bem baixinho.
_Você pode abrir o portão por favor? Ainda tenho que cuidar desse...probleminha.
Gael apertou de novo o abdômen de Thale.
_Claro, me desculpe pela enrolação_o porteiro apertou um botão e o portão se abriu sozinho._Que você e seu namorado tenham uma boa noite.
_Namorado?! A gente não é...!
Thale já tinha colocado o capacete novamente, e arrancou a motocicleta para dentro do condomínio, abafando a voz de Gael com o ronco do motor.
_Essas crianças de hoje em dia_o porteiro deu uma risada.
***
Ao chegarem no número da casa que mostrava o endereço, Thale estacionou a moto ao lado de um enorme portão preto. Gael desceu e tirou o capacete, jogando-o no colo de Thale.
_Nossa...que agressivo_murmurou Thale.
_Obrigado pela carona... Já pode ir embora agora.
_Você é bem irritadinho para um estrangeiro... Gostei de você.
Gael se sentiu desconfortável. Aquelas palavras o pareciam ter atingido em cheio.
_E você é bem irritante para um tailandês.
Thale sorriu.
_Tenha uma boa noite, Gael.
Ele acelerou com a moto e foi embora dalí, desaparecendo assim que virou em uma curva.
_Esse idiota..._murmurou Gael com um leve sorriso.
Gael se aproximou do portão e tocou o interfone da casa.
_Quem é?_perguntou uma voz feminina.
_C-Com licença... Aqui é a casa da família Ayutthaya?
_Sim... Quem está falando?
_Gael... Gael Salles.
_Ah sim! Por que não disse isso antes querido?... Pode entrar.
O portão menor se destrancou e abriu. Gael não perdeu tempo e entrou na mansão, abismado com a beleza rústica daquele lugar.
Tudo era tão organizado e lindo, até mesmos os arbustos, que eram podados em formas geométricas aleatórias. Havia uma fonte no centro do jardim, com a estátua de Buda exibindo sua beleza divina enquanto água jorrava de suas mãos.
O mesmo podia se dizer da estética de dentro daquela mansão. Tudo parecia ter sido perfeitamente planejado na hora da construção, desde pisos com cerâmica branca a portas, janelas e paredes quase que inteiramente feitas de vidro temperado, dando contraste com a madeira e pedra usadas em outras partes da mansão.
Gael ficou diante da porta de entrada por alguns segundos até ela se abrir. Uma das empregadas veio recebê-lo e levá-lo para a mesa de jantar, onde estavam a sua família e a família Ayutthaya.
_Boa noite senhor e senhora Ayutthaya_Gael juntou as mãos e fez uma reverência._É um prazer conhecê-los.
_O prazer é todo nosso, N'Gael_respondeu uma mulher também em reverência._Eu e Kaden estávamos ansiosos para vê-lo pessoalmente.
Gael olhou para o homem sentado na ponta da mesa, assim como o seu pai na outra ponta.
_Malee está certa_disse o homem._Finalmente pude conhecer o filho do dono da SallesCorp pessoalmente.
Gael se dirigiu a mesa e sentou-se ao lado do irmãozinho. Teresa estava á sua frente, com uma cara sorridente e meiga que só Gael e Brian sabiam que não passava de uma mera encenação.
_Boa noite, pai_disse Gael em português.
_Boa noite meu filho_respondeu Ulices._Fico feliz que tenha conseguido chegar a tempo.
_Ah, Gael_chamou Kaden.
_Sim?
_Eu queria lhe apresentar minha filha, Phailin.
_Prazer em conhecê-la_Gael fez reverência.
_O prazer é todo meu_respondeu Phailin.
_Aliás, queria me desculpar pelo atraso_lembrou Gael._Tive que resolver alguns assuntos antes de vir para cá.
_Sem problemas_respondeu Malee._Meu filho também está atrasado. Mandei ele comprar alguns tentáculos de polvo mas até agora ele não voltou.
_Tentáculos...de polvo?_Gael não gostou de como aquela frase soou da boca de Malee.
De repente, o interfone tocou.
_Falando nele_disse Malee.
Gael ouviu o som da porta de entrada se abrindo, e os passos longos que iam se aproximando de sala de jantar a cada segundo que se passava.
Gael não sabia o porque de estar tão preocupado daquele jeito. Era apenas mais uma pessoa nova que teria que conhecer. Mas algo o dizia que seria o contrário.
Na porta da sala, alguém surgiu, mas era apenas o cozinheiro com alguns pratos do jantar em suas mãos. Para o seu azar, atrás do mesmo, Thale surgiu com aquele seu olhar de selvagem em sua direção.
_Só pode tá de brincadeira com a minha cara..._murmurou Gael em português.
_N'Gael, quero que conheça nosso filho, Thale.
Thale fez uma reverência.
_É um prazer conhecê-lo, Gael.