Capítulo 1 Como tudo começou...

Santa Maria é uma pacata cidade do interior do Pará, onde a principal diversão das crianças é brincar nas águas do rio Santa Maria e nos seus igarapés. A principal fonte de renda é a agricultura, no passado era a agricultura familiar, mas com o forte investimento da família Foster em máquinas pesadas e na criação do gado, as famílias foram vendendo suas terras para o fazendeiro e se mudando para a parte urbana da cidade ou para a capital do estado, se virando como podiam para garantir sua subsistência.

Grande parte dos moradores de Santa Maria era peão e outra parte cuidava do funcionamento da casa principal, na grande fazenda Foster.

Ainda na cidade, o lugar dispunha de uma igreja católica, uma praça sem graça com um coreto e alguns bancos, um porto e um terminal rodoviário. O lugar era tão pacato que era comum pessoas indo de vindo de carroça, cavalo e bicicleta. Pouco se via carros, a maioria dos veículos era da fazenda Foster que era utilizado pelos seus trabalhadores no transporte de cargas.

Maciel Foster é um homem tradicional, foi criado a ferro pelo pai e o avô, que tinham a ambição de ter controle total de todas as terras férteis de Santa Maria, assumindo a hegemonia econômica da pacata cidade. No entanto, uma família resistia ao avanço de Maciel sobre o domínio de todos, justamente, seu melhor amigo de infância, Vitor Bentes.

Uma guerra entre ambos foi travada desde que Vitor se recusou a vender suas terras a Maciel, como os outros agricultores haviam feito. Vitor Bentes não renunciaria a suas terras e de tudo o que seus pais haviam construído no decorrer dos anos.

Maciel Foster precisava ter controle de tudo, expandir ainda mais seu gado e sua plantação de cupuaçu. Ambos os negócios estavam rendendo muito, especialmente a fruta típica da Amazônia. As terras dos Bentes seria exclusiva para a plantação das árvores da fruta. Uma pena que todo esse conflito de vende e não vender tenha atingido a amizade de infância deles, se ao menos chegassem a um acordo.

***

Foi dois meses depois, na festa de Natal, quando os homens deram uma trégua e se reuniram para festejar com suas famílias e toda a comunidade de Santa Maria, que os dois homens turrões se afastaram de tudo e todos para resolverem suas diferenças e depois de muito conversar, pedir desculpas e contarem seus planos mais secretos e ambiciosos que chegaram a um acordo. O acordo era rústico e antigo, ninguém mais em pleno século vinte adotava o método de casamento arranjado como acordo Comercial, porém os homens adotaram e colocaram no papel.

Maciel e Vitor se uniriam em sociedade para o cultivo e

exportação do cupuaçu, porém sua sociedade seria permanente com a união de seus filhos mais velhos, Miguel e Josiele.

Naquele dia, as famílias se tornaram uma só, porém tudo foi posto no contrato de sociedade, por garantia de que nenhum dos homens fosse retroceder com sua palavra. Se o acordo não fosse cumprido, por um dos dois lados, a sociedade seria desfeita e o lado que quebrou o acordo perderia suas terras...

Os anos foram passando e os primogênitos cresceram sabendo da sua obrigação. Miguel não se importava, sua vida não mudaria muito após casado e ainda teria controle dos negócios da família. Quando o acordo foi selado, ele tinha doze anos, Josiele onze.

Josiele havia se tornado uma bela mulher esbelta, estatura mediana e sorriso triste.

Diferente de Miguel, que aceitou seu destino, cresceu odiando o pai por decidir sua vida quando era apenas uma criança. A criou para o abate, a filha linda e perfeita, que ele não permitiu que cursasse uma universidade como ocorreu com seus irmãos, Vinícius e Joice. Seu irmão, estava no terceiro semestre de medicina veterinária e sua irmã, estava no primeiro de administração.

Josiele cresceu sobre rédea curta, foi educada e preparada por Salete Foster para ser a esposa perfeita para Miguel desde os dez anos, não podia brincar com seus irmãos e nem com os filhos dos peões, não podia ler muito, pois dava asas demais a imaginação e ela deveria ser uma mulher sensata e não sonhadora. Até seus documentos ficavam com os pais para que ela, não, tentasse algo que pudesse atrapalhar os planos das famílias.

Apesar de ser contra tudo o que lhe foi imposto, ela aceitou seu destino por amar de mais sua família, se tornou uma cópia quase perfeita de dona Salete, fria, distante e amargurada. Até que tudo piorou quando sua irmãzinha se apaixonou por um garoto mais novo, todos acharam fofo duas crianças brincando de amar, mas com o tempo, aquela brincadeira de criança se tornou algo mais sério, sólido e profundo. Josiele invejou a irmã: ela teve algo que Josi jamais teria quando Fosse esposa de Miguel, amor.

Se decidisse não cumprir o acordo do seu pai, eles seriam os principais afetados com sua decisão. Vinícius era um jovem sonhador, o filho do meio, mais parecido com a irmã caçula do que com ela, o rapaz era o oposto do seu noivo, Vini possuía uma pele morena cor de jambo e cabelo negro como a noite e sua principal característica era seu bom humor, sempre havia muitas garotas atrás dele, apesar dele ser gordinho.

Mais o destino era traiçoeiro e pegou Josiele de jeito.

Um dia o circo apareceu na pacata cidade, com ele veio um palhaço, que sem a maquiagem e a roupa boba, era um homem belo, doce e gentil. Diferente do seu noivo, as poucas vezes que os dois se encontraram ele parecia todo o Ártico, de tão frio e distante que era.

Durante semanas, a única alegria da filha mais velha de Vitor Bentes era ir ao circo, se tornou a principal expectadora e acabou chamando a atenção por sua beleza e feição triste, feição que só ganhava um sorriso quando estava sentada na primeira fila assistindo à apresentação do circo.

O jovem rapaz perseguiu Josiele, investiu sendo descartado, porém, não desistiu até que depois de muito persistir, Josiele não conseguiu resistir às investidas do belo e divertido palhaço, apaixonou-se por Cadu, se entregou a ele, inteiramente.

Então um dia, chegou o momento do Circo partir e Cadu a convidou para ir junto.

Josi teve que escolher entre a obrigação e o coração, a família e o amor e não tinha muito tempo para decidir, então... Pegou sua mochila com a foto de sua família, algumas mudas de roupas e fugiu, deixou apenas uma carta para a família explicando seus motivos e pedindo perdão...

A família Bentes estava perdida, totalmente perdida, tinham uma boa soma em sua conta bancária, mas as terras, as terras seriam perdidas e o negócio desfeito.

- Tem uma solução. - dona Raimunda, esposa de Vitor, falou com pesar.

- Acha que Miguel aceitaria se casar com Joice, sendo que Josiele é visivelmente mais bonita, além de ter sido preparada a vida toda para ser a esposa perfeita para ele? - Vitor pergunta a esposa.

- Não desmereça as qualidades de sua filha, lembre-se que ela namora o Pedro desde menina, se não tivesse seus méritos, não estariam juntos a tanto tempo. - a mulher o lembra.

- Pedro, outro motivo para não levantar essa hipótese, Jojo ama esse rapaz, estão juntando dinheiro para comprar uma casa quando se casarem depois que ambos se formarem. Não posso fazer isso com ela. - o homem lamenta.

- Mas ia fazer com Josi? Ela merecia se casar para manter um acordo estúpido que você e Maciel fizeram? - a mulher pergunta indignada. - um acordo que agora ameaça o bem-estar e a instabilidade da nossa família? - ela estava muito furiosa e desesperada.

- Farei a proposta, mas tenho certeza que não aceitarão. - ele realmente acreditava na recusa dos Foster em mudar o acordo.

- Duvido muito, eles podem ter uma conta bancária mais gorda que a nossa, mas jamais aceitariam perder um negócio tão lucrativo, aquela família é movida pelo dinheiro. - Raimunda fala com convicção. - E a nossa não fica muito atrás. - ela alfineta.

Vitor respirou fundo e olhou para a foto dos filhos no criado mudo ao lado de sua cama. Josiele estava como sempre com o olhar triste e perdido, sempre deixou claro que o odiava por decidir seu futuro sem nem ao menos se importar com os sentimentos dela. Seu olhar foi direcionado na filha caçula, baixinha, roliça e de sorriso doce e gentil, a felicidade transcendia de seus olhos, pois diferente de Josiele, cedo Joice encontrou o amor e agora iria perder, o homem sabia que sua menina casaria com Miguel pelo bem da família mas também sabia que ela seria muito infeliz e jamais o perdoaria, no entanto, Vitor não tinha escolha, senão passariam por um processo judicial longo, desgastante e caro ou a humilhação de serem expulsos das suas terras por ele não ter cumprido sua parte no acordo.

A família não tinha escolha, Joice muito menos...

A família Foster aceitou o novo arranjo, Miguel não se importou. Ele viajaria para Nova Iorque em dois dias, onde passaria cinco anos para fazer o seu doutorado. O tempo que levaria para a garota concluir seu curso na universidade e se preparar para ser a esposa dele.

Mas o pai não contou a Joice sobre o novo acordo e a deixou viver seu sonho de se formar, ter uma carreira e se casar com o homem que ama. Vitor teria cinco anos para contar a verdade a filha ou encontrar outra saída para não perder suas terras.