- Como ele mesmo diz; já estou preparada para isso, porque formei mais uma cirurgiã de sucesso - parafraseei o que venho ouvindo com muita frequência enquanto caminho sentido ao dormitório - Vou descansar um pouco antes que apareça qualquer chamada de emergência.
- Por que não foi ao baile, Dra. Lazzaro?
Tomei um susto com a chefe da enfermagem surgindo do nada em minha frente.
- Sem neurocirurgiões disponíveis - choraminguei -, até as novas residentes foram, conclusão: todos estão no baile beneficente, menos eu e você! - ela me fez rir da sua careta engraçada - Acho que isso significa que somos boa o suficiente para ficarmos sozinhas, não é mesmo dona, Tiane?
- Você é magnífica, minha residente favorita. Agora vamos ao refeitório, estou com fome e não quero comer sozinha.
- Vou deitar um pouco, sabe melhor que ninguém que os casos de emergência aos sábados começam a chegar às duas da manhã. - ela ignorou minhas palavras e saiu me arrastando - Tiane! Preciso descansar.
- Se alimentar também! Vamos que tenho uma fofoca quente para te contar. - me animei com essa promessa - Que sorrisinho é esse aí fofoqueira?
- Não sou fofoqueira! - declarei ofendida - preciso alimentar minha curiosidade, é diferente.
- Sei! Então, está dizendo que a fofoqueira dessa história sou eu? - concordei - Pillar!
Parou abruptamente a mão repousando sobre o peito, fazendo cara de ofendido.
- Estou mentindo? - questionei e a cínica disse que sim - Tudo bem, ninguém é fofoqueira, somos comentaristas da vida alheia!
Começamos a rir feito duas retardadas caminhando pelos corredores vazios do Salud.
- Fofoqueiras ou não, o babado é quente! - me aproximei ainda mais na intenção de obter as informações necessárias - Antes pedirei um sanduíche de peito de peru e você?
- Frango com cream cheese e molho agridoce. - fizemos nossos pedidos e para beber, escolhi um suco de laranja e ela do sabor uva - Me conta, logo!
- Vamos nos sentar ali. - balançou a mão com euforia direcionando o fundo do refeitório.
Nos acomodamos e antes de abocanhar meu delicioso sanduíche favorito, exigi, as valiosas informações.
- Vem rolando um boato que o Dr. Salvani escolheu sua nova vítima! Está de olho na Amanda, a residente do Dr. Bertoni.
- Juan é um misógino narcisista, temos que dar um jeito de falar com ela! - declarei abertamente, por sabe que não gosto dele - Às vezes solta umas piadinhas ridículas na minha direção dizendo que não tenho privilégios por ter meu nome na porta do Salud.
- Por que não conta para o gostoso do seu irmão? Sei que o Dr. Lazzaro dará um jeito nele, Pillar.
- Precisamos de provas de que suas enfermeiras são assediadas, parece que de alguma forma elas têm medo do Juan! - ela coçou o pescoço, deixando claro sua inquietação - O que foi?
- É complicado, ele é um médico famoso e bem requisitado, nós enfermeiras - suspendeu os ombros como se tomasse coragem para finalizar a frase -, em quem vão acreditar?
- Na verdade! Manu ou Alejandro farão alguma coisa, só precisamos de uma prova, tenho certeza que se uma denunciar, as outras tomam coragem. - ela concordou em um aceno e sei que não fará nada - Sinto que essa conversa não chegará a lugar algum, o jeito é falar com Amanda, porque aqui o que predomina é o H maiúsculo, uma vez que todo o conselho é composto por homens e os chefes de setores também.
- Infelizmente, somos a minoria, acha que não te idolatramos? - questionou com tristeza - Você é a única médica que não deixa ninguém pisar em você, Pillar, e não digo isso por ser umas das donas do Salud e, sim, por não aceitar que eles tirem proveito de ser do sexo feminino!
- Deixe-me concluir meu último estágio, mudarei muita coisa nesses hospitais!
- Esse é o nosso maior desejo! - me deu um sorriso fraco - Vamos focar na Amanda, ela é a nossa melhor opção no momento.
Não sei porque, mas sinto que não estou sabendo de tudo e depois conversarei com ela. Se é necessário mudança tenho que saber por onde começar
Me dediquei a comer meu sanduíche pensando que pode ser pior do que imagino. Tiane finalizou o dela primeiro que eu e o silêncio caiu sobre nós até me olhar com seriedade.
- Bom doutora, fofoca feita e mais uma missão para tentar nos livrar das garras do Idiota do Salvani. - seu comando tocou e senti um frio na espinha quando me encarou com os olhos arregalados.
- O que aconteceu?
- Corre para entrar, o trauma que está chegando é para você, doutora! - mordi meu último pedaço de sanduíche e me coloquei de pé - Traumatismo cranioencefálico grave, acidente de carro na rodovia 45, paciente bateu gravemente a cabeça.
- Como queria que fosse o Dr. Matteralla como o cirurgião da noite - desabafei abertamente enquanto corremos para a entrada de emergência -, já faz um tempo que não paramos juntos.
- Sinto te dizer, mas ele estará contigo hoje. - parei para encará-la - é ele, olha.
- Onde? - mirei a entrada e só vi a maca entrando as pressas com o meu atendimento - Cadê?
- Na maca! - minhas pernas travaram quase me jogando no chão - Sinto muito, mas será ele seu paciente.
Voltei a caminhar sentido aos socorristas, com meu coração batendo na garganta.
- Anda Pillar, vamos! - sai do transe com Juan estalando os dedos na minha frente - Não é o pupilo do Alejandro, sua pedrinha preciosa? Já era para estar na entrada somente pelo jeito como baba ao falar de você dizendo ser a melhor residente deste hospital.
- O que aconteceu com seu rosto? - perguntei notando uma vermelhidão no seu olho esquerdo que com toda certeza ficará roxo.
- Não é da sua conta, fuxiqueira insolente. - estranhei as palavras tão agressivas - Veremos se é mesmo tudo o que Alejandro vive dizendo por aí.
Suas palavras me deixaram sem graça e meio trêmula, peguei o prontuário da mão do socorrista que me adiantou seu estado.
- Será você a salvar sua vida, porque é a plantonista da noite. - rude declarou o que já sei - Não intendo como ele e seu irmão permitam que fique como responsável se ainda faltam meses para finalizar sua residência! Acho isso uma...
- Cala a boca! - exigi colocando o tablet em cima da maca, sabendo que não posso perder tempo discutindo com ele - Deixe de me insultar, afinal, nem neuro você é para colocar na balança se sou boa ou não!
Segui para a sala cirúrgica que tem na ala de emergência e fui me preparar. Estava lavando minhas mãos quando Juan entrou na sala de higienização. Ele colocou um avental cirúrgico e decidi ignorá-lo para não iniciar uma cirurgia com os nervos à flor da pele.
Ele entrou e ficou quase em cima de mim, e só não me distrai por aprender a focar somente no paciente à minha frente, já que meu mentor fazia isso com muita frequência só para que me acostumar em operar sob pressão.
Quando iniciei a cirurgia, sua pressão intracraniana estava muito elevada, indicando hematomas subdurais. Fiz uma trepanação para drenagem dos coágulos e após 7h consegue liminar, 90% deles.
Foram necessários mais 40 minutos de drenagem para que os sinais se normalizarem.
- Não seria nenhuma novidade se tivesse se deitando com ele, afinal, só não vê que Alejandro estava trepando contigo, quem é cego.
Suas palavras baixas em meu ouvido me deixaram tão irada que me virei para ele disposta a dar um basta nessa situação.
- Me respeite! Pensa falar com quem? Acredita que por ser uma residente pode se referir a mim desse jeito? - questionei em alto e bom-tom - Não sussurra suas piadinhas no meu ouvido Dr. Salvani, não se esqueça que o nome em cada um dos 200 hospitais espalhados por toda Europa é o meu, então, não me venha com essa merda de intimidação, posso ser uma residente no final da minha conclusão que ainda, sim, não lhe dá o direito de me ofender dessa forma ou pensa que me sinto ameaçada por você?
Deu um passo para trás, entendendo que não gostei das suas atitudes, ele olhou a nossa volta se dando conta que não aturarei suas gracinhas, como as demais mulheres desse hospital!
- Pensa que é quem para falar assim comigo? - o ignorei - Acredita que tem privilégios por ter o nome na porta?
- Fique sabendo que não tenho medo de você! Saiba que a residente aqui pode estalar os dedos e estar no olho da rua, afinal você pode ser o médico requisitado lá na esquina, é só me ofender mais uma vez!
- Sua filha...
- Cale sua boca! Dentro da minha sala cirúrgica quem fala alto sou eu, você não deveria nem estar aqui! - o interrompi antes que seguisse com à ofensa - Acha mesmo que não posso te colocar para fora daqui e digo mais, falta isso aqui. - lhe mostrei a ponta do meu dedo mindinho bem diante da sua cara - Para colocar seu nomezinho na lama, ainda não sei de tudo, mas quando descobrir, pode ter certeza que não será mais um médico!
Seus olhos faltaram pouco voar da cara e me sentindo grande por dar um jeito nesse filho da puta, decidi também colocar para fora as palavras que vivem entaladas na minha garganta!
- Escuta bem o que vou te dizer! Tenho o maior privilégio de ser uma das donas desse hospital, me formei em medicina para comandar junto ao meu irmão e o Dr. Matteralla esse grande império, então, sim! Tenho privilégios por ter meu nome na porta, nunca se esqueça disso!
Engoliu seu orgulho e saiu pisando firme. Assim que me vi sozinha com minha equipe, tentei segurar o choro, mas não foi bem isso que aconteceu.
- Parabéns, doutora! Finalmente, alguém que coloca esse homem em seu lugar. - foi a minha enfermeira cirúrgica a declarar isso - Não chore... esse inconveniente mereceu cada palavra.
Ela iniciou uma salva de palmas que os demais acompanharam e de certo modo essa aclamação fez eu me sentir bem.
- Bom, chega desse assunto e podem levá-lo para o pós-operatório.
Fiquei admirando Alejandro ser encaminhado pelos enfermeiros e quando me vi sozinha na sala cirúrgica tirei minha touca e alisei meus cabelos.
- Chega! Faltam apenas quatro meses para o final da minha residência e não baixarei minha cabeça nunca mais. Se esse miserável estiver assediando alguma das minhas enfermeiras ou alguma médica, vai se ver comigo.