- Minhas janelas estão abertas, o ar está entrando. Eu ando bastante dentro de casa, e na editora também. - Ela revira os olhos.
- Você precisa voltar sua vida ao normal, você precisa se animar.
- Eu estou em minha vida normal. De casa para o trabalho, do trabalho para casa. Quer mais normalidade que isso?
- Vamos, Nina. É só um passeio pela praça.
Eu hesito antes de concordar. Não estou muito animada, mas não custa nada sair um pouco. Pelo menos daqui a algumas horas poderei voltar ao meu estado vegetativo sem que Sandy me enlouqueça.
Chegamos na praça e o cheiro das folhas molhadas devido ao dia chuvoso logo entra em minhas narinas, por alguns segundos eu sinto um tranquilidade tão grande que não consigo evitar de sorrir. Olho para minha amiga que está me encarando e com um sorriso de canto dos lábios no rosto, quando estou prestes a agradecê-la, ela agarra minha mãe e me puxa para andarmos mais rápido em direção a barraquinha. Não demora para estarmos sentadas em uma mesa, devorando o cachorro quente que faz minha boca salivar de tão gostoso.
- De novo, não. - ouço o vendedor de cachorro quente reclamar. Olho em volta para ver o que está acontecendo, ao perceber meu olhar ele explica: - De vez em quando um cheiro ruim tem se manifestado aqui na rua. Não sabemos ao certo do que se trata, nem de onde está saindo exatamente.
- Não estou sentindo nada - Sandy diz tentando tranquilizar o homem.
- Eu também... - começo a dizer, mas sou tomada por um vontade intensa de vomitar quando começo a sentir o cheiro do qual ele se referia.
- Nina? - Sandy olha preocupada pra mim.
Levanto-me e corro em direção a lixeira mais próxima, chego bem a tempo de jogar tudo para fora.
- Você está bem? - Sandy pergunta. Sandy e o vendedor perguntam quase no mesmo momento.
- Sim, bom... Na verdade, eu tenho me alimentado mal demais nesses últimos dias. Eu sabia que comer somente macarrão instantâneo e sorvete não era coisa boa. - respondo fazendo graça e tentando tranquilizá-los.
- Você deve estar com alguma infecção alimentar. Vamos para o hospital.
- Não precisa, tenho minha melhor amiga para cuidar de mim - tento brincar.
- Nina, eu jamais deixaria você sozinha. Mas você sabe que é algo sério sair vomitando as tripas por ai, não custa dar uma passada pelo médico e dormir de consciência tranquila depois. - Sandy me repreende.
- Tudo bem, vamos!
Chegamos no hospital e para nossa sorte a emergência está vazia, sou atendida rapidamente. O que demora mesmo é esperar o resultado dos exames que o médico pediu e tomar um soro com vitaminas.
- Sério! Eu não entendo por que não podem me colocar um acesso, tirar sangue e colocar o soro por um único buraco, sem ter que me furar milhares se vezes! - Digo assim que saio da enfermagem e me sento em uma maca para tomar o soro.
- Deixa de ser dramática, Nina! Foram somente duas agulhadas!
- Podia ter sido apenas uma! - Sandy revira os olhos e não responde.
- Quantas vezes sua irmã já te deu sermão sobre acesso ser somente para internação? - Pergunta Sandy algum tempo depois.
- Literalmente, umas mil vezes. Acho que desde a primeira aula dela de enfermagem. - Sandy sorri.
O médico entra na sala de enfermagem, ele olha para mim e para Sandy e a cumprimenta, antes de passar pela porta da lateral com pressa.
- Deve ter chegado mais alguma emergência. - digo.
- Ele é um gato, não é?
- Quem? O médico?
- Ele que é o médico? Se eu soubesse o médico era tão gato eu teria feito um barraco pra poder entrar com você na sala, ou melhor, teria passado mal para entrar sozinha!
- Ah! Ele é bonitinho.
- Bonitinho?! Ele é um colírio para os olhos! - Ela diz parecendo incrédula ao meu comentário.
- Calma, não estou desmerecendo o seu gosto, é só que não estou à procura de nenhum tipo de colírio no momento.
- Sei, melhor não furar meu olho mesmo. Qual o nome dele mesmo?
- Ele se apresentou como Arthur.
- Arthur... - Ela sussurra sorrindo antes de pegar seu celular e se calar. Aposto que já está procurando por ele nas redes sociais.
Quando meu soro termina, vou ao laboratório pegar o resultados dos meus exames. Pego o envelope da mão da enfermeira, até penso em abri-lo curiosa, mas como já vou retornar com o médico, decido esperar um pouco e não passar vergonha.
- Eai, eu estou bem? - Pergunto após o médico abrir o envelope e olhar os papeis por poucos minutos.
- Pelo que estou vendo aqui, você está ótima!
- Então por que eu passei mal?
- Meus parabéns, você está grávida. - As palavras dele são um choque para mim, como assim grávida?
- Grávida?
- Pra tentar tirar todas as minhas dúvidas, eu solicitei um teste de gravidez e o resultado foi positivo.
- Eu não esperava por isso. - Não mesmo! - Eu já posso ir?
- Claro, é só pedir pra uma enfermeira retirar o acesso e já pode ir. Aqui está um encaminhamento para a obstetrícia. Você pode marcar sua consulta na recepção.
Pego o papel de sua mão ainda sem acreditar.
- Muito obrigada, tenha uma boa noite, doutor.
- Eu agradeço, você também. Mais uma vez, meus parabéns.
Vou para a sala de medicação e a enfermeira tira meu acesso, quando estou saindo da sala Sandy aparece na porta toda sorridente.
- Adivinha?! Tenho um encontro com o médico gostosão na próxima sexta-feira.
- Isso é ótimo, Sandy. - Digo confusa, tenho quase certeza de que não pareci feliz o suficiente e o olhar da minha amiga encontra o meu, eu não sei o que dizer.
- Ei, me desculpe. Qual foi o resultado? O que você tem? Por que está com essa cara?
- Eu estou grávida, Sandy.
- Isso é maravilhoso! Parabéns, amiga! - Ela me abraça.
- Sim, é mesmo maravilhoso! Eu só não esperava que fosse acontecer desse jeito. - Ela se afasta e me olha com compaixão.
- Eu te entendo, amiga. Mas nós vamos dar um jeito. Você sabe que pode contar comigo, não sabe?
- Sei sim, muito obrigada, Sandy.
- Não precisa me agradecer, só estou te usando, afinal, é sua obrigação me dar sobrinhos, já que sou filha única.
Somente Sandy com seu jeito seria capaz de me arrancar um sorriso no momento mais confuso da minha vida.
- Você vai ficar bem? - Sandy pergunta assim que chegamos em casa e sentamos no sofá.
- Vou sim, só preciso dormir um pouco, tenho que trabalhar amanhã. Preciso dar um jeito nas coisas, afinal, tenho um filho ou filha para criar agora. - Ela sorri com compaixão e me puxa, coloca minha cabeça em seu ombro e me abraça.
Fico deitada no colo da minha amiga tentando pegar no sono, não sei exatamente que horas eram quando eu dormi, nem muito menos como fui parar na cama, mas sei que quando consegui, minha mão descansava sobre minha barriga.
***
Enquanto aguardo na recepção da clínica da obstetra, para qual o hospital me encaminhou, sinto que estamos parados no tempo, é como se os ponteiros do relógio demorassem três vezes mais para passar do que o normal. E quando a recepcionista me chamou foi como se quebrasse o transe que em que eu havia me enfiado sem nem perceber.
- Sim?
- É a sua vez. Poderia me acompanhar? - pergunta ela.
- É claro. - respondo antes de olhar para Sandy que está ao meu lado para que ela entenda que será obrigada a entrar comigo. Minha amiga somente revira os olhos e com um sorriso zombeteiro mal contido, me acompanha.
Acompanho a recepcionista até uma sala não muito longe da recepção. Ao entramos nos deparamos com uma mulher aparentemente madura, seus cabelos castanhos e olhar educado, faz com que eu me sinta um pouco menos nervosa.
- Boa tarde. Sou a Dra. Alice. Você é a Nina, certo?
- Sim, e essa é minha melhor amiga, Sandy. - Elas se cumprimentam e sorriem.
- É um prazer conhece-las. Vou te fazer algumas perguntas e depois iremos fazer um ultrassom, para saber como está seu bebê. - Eu concordo.
Depois de perguntas que seriam consideradas extremamente inapropriadas se fossem feitas em outro contexto. Estou sentada sobre uma maca, ainda na mesma sala, e com um gel muito gelado em minha barriga enquanto olhamos para uma tela preta da qual eu não entendo nada.
- Ainda é muito cedo para saber o sexo do bebê, mas pelo tamanho e pelas informações que você me deu, minhas suspeitas foram confirmadas, acredito que você esteja de oito semanas.
- Oito semanas?
- Sim. Em alguns casos, conseguimos ver o sexo do bebê na décima sexta semana, outros demoram um pouco mais, isso é completamente normal, costumo brincar que alguns bebês são mais tímidos que outros.
Eu sorrio sem saber o que dizer, Sandy está com um olhar amoroso ao meu lado, fico muito feliz por ela estar comigo, mesmo ser ter dito nenhuma palavra além do oi, desde que entramos, não sei o que faria sem ela.
Após marcamos as datas de algumas consultas do meu pré-natal, Sandy me leva para casa, durante todo o caminho eu pensava se continuaria cumprindo o último pedido de Alex para mim, ou ligaria para ele. Eu pensei em não ligar, pensei mesmo nisso, mas eu sabia que no futuro eu me arrependeria imensamente. Então assim que cheguei em casa, disse para Sandy que iria para o banheiro e liguei para ele.
Como eu esperava, ele não atendeu, acabei deixando recado: Oi, sou eu, Nina. Eu... eu preciso falar com você, é muito importante! Me retorna quando poder, tchau.
Não precisava pensar muito para saber que a criança é dele, Alex foi o único homem com quem tive relação sexual em toda a minha vida, ele foi meu primeiro e único. Com o próximo ultrassom marcado para o mês seguinte, eu me perguntava se até lá conseguiria falar com ele. Até cogitei falar com Rose, sua mãe, mas temia que nem mesmo ela quisesse falar comigo.
- Você ligou para ele? - Sandy me pergunta assim que retorno para a sala.
- Está tão na cara assim?
- Eu imaginei que você tentaria falar com ele depois desse ultrassom. Na verdade, achei que tentaria falar com ele no dia em que descobriu.
- Eu queria, mas tentei ao máximo cumprir o seu último pedido para mim, esperei até hoje por que precisava ter certeza de que realmente tinha um bebê dentro de mim e que não era qualquer outra coisa.
- O que mais você pensou que seria?
- Não faço ideia! No fundo eu sabia que era um bebê, mas estava enrolando para ligar. Acho que estava tentando adiar sentir o que estou sentindo agora. - uma lágrima escorre em meu rosto, meu peito ardia desde o momento que entrei no banheiro, mas agora ardia de uma maneira diferente, parecia que os remendos que eu havia feito tinham se rompido de vez.
- Vem aqui, Nina. Não fica assim. - Minha amiga dizia enquanto me abraçava e as lagrimas marcavam sua blusa marsala.
- Eu não sabia o que fazer! - eu dizia em meio ao chororô - A única coisa que eu sabia era que se eu não ligasse, se eu pelo menos não tentasse falar com ele, eu me arrependeria no futuro, quando meu bebê perguntasse sobre o pai dele ou quando Alex descobrir sobre ele, eu só...
- Você fez o certo, amiga.
- Eu não quero que meu filho cresça sem um pai, Sandy.
- E ele não vai, nem que para isso eu tenha que me tornar o pai dele. - Ela riu, como se eu não estivesse em seus braços aos prantos. - Já pensou, nós duas como marido e mulher? Eu seria o homem, pelo amor de Deus, você seria um marido insuportável demais.
- Sandy! - tento repreendê-la, mas falho miseravelmente quando começo a gargalhar junto com ela.
- Eu consegui! Você sorriu! Não aguento ver você chorando.
- Obrigada, Sandy.