Se encontrava dormente, com o olhar perdido em algum ponto aleatório na estante abarrotada de livros. Não ouviu a porta abrir. Não viu o olhar de espanto que lhe foi dirigido. Não notou a raiva alheia.
Lorena era apenas uma casca vazia. Sua alma estava morta.
–O que aconteceu com você? O que meu pai fez? - Jonathan questionou segurando a ânsia de vômito que lhe acometia.
Ele tinha uma ligeira noção do que havia ocorrido. Só não queria ter a confirmação que seu pai era tão monstruoso. E pior, lembrar que por muito tempo, ele próprio apoiou esse monstro.
A risada fria e seca da garota fez Jonathan estremecer. Seu peito pesou com a culpa e os olhos ardiam de raiva.
Como seu pai pode fazer aquilo? Como ele pode apoiar as punições anteriores?
Como aquela família podia ser tão... Desumana?
Jonathan deu um passo em direção a prima, que o olhou com indiferença e lançou uma faca que tinha escondido ali.
Lorena tinha facas escondidas por todo seu quarto. Era um lugar que ela tinha total vantagem contra qualquer um.
O rapaz parou quando sentiu uma leve ardência no lado esquerdo do rosto. Um filete de sangue escorria de sua bochecha. O olhar azul se encontrou com a garota, que rodava outra lâmina entre os dedos.
–Você não vai terminar o serviço daquele velho nojento. Ninguém mais vai tocar em mim. NINGUÉM. - Fúria e desejo por sangue eram nítidos nas orbes femininas.
Jonathan recuou dois passos, assustado e ligeiramente ofendido, mas não surpreso.
–Não sou um monstro.
–Sim. Sim, você é um monstro. Assim como seu pai e seu irmão. - Rindo sombriamente, completou - Assim como eu.
Com dificuldade, se pôs de pé, ignorando as ondas de dores em seu corpo, bem como o latejar dolorido de sua intimidade.
Seu primo exitou em ajudá-la. Entretanto, não foi preciso ele fazer algo.
–Lory... - O sussurro angustiado fez a morena fechar os olhos com força. Era muito humilhante.
–Annie... Não devia estar aqui. - A garota diz sem olhar para a amiga.
Annie olhava sua companheira com um forte aperto no coração. Seus olhos estavam arregalados e sua respiração era oscilante.
As peças se encaixavam rapidamente em sua mente ágil e, tomada de uma fúria não racional, a loira atacou e dominou Jonathan, acreditando ser ele o culpado.
Seu punho chocou-se contra o rosto do rapaz repetidas vezes. O sangue manchava suas mãos e o chão.
Lorena voltou a cair no chão, se sentindo incapaz de reagir a cena em sua frente. Era como se fosse um filme numa TV distante.
–Annie... - Ela chamou e foi o suficiente para que a outra a olhasse.
O embate dos olhares azuis mostrava a diferença clara do estado de espírito das garotas.
Annie tinha os olhos agitados, furiosos e angustiados.
Lorena tem os olhos tristes, opacos e mortos.
–Controle suas emoções - Lorena termina de forma seca.
A loira notando que ainda estava em cima de Jonathan e com os punhos úmidos de sangue, pulou para longe como se tivesse recebido um choque e se guiou até a amiga.
Arrastou a mesma para o banheiro, colocando-a no banho e separando roupas limpas e confortáveis para ela.
Jonathan levantou com as vistas embaçadas e completamente zonzo.
Ela é tão forte quanto Lorena. Senão mais...
Ele já havia ligado contra a prima e tinha a Teoria que garotas poderiam ser mais fortes que garotos por terem uma determinação grande de provar que eram tão capazes quanto os homens. Quiçá, ainda mais do que homens.
E depois de ter apanhado por outra mulher, essa teoria ganhou um segundo ponto. Garotas são mais fortes defendendo quem amam.
Annie ainda o fuzilava com os olhos. Porém, estava mais preocupada em dar apoio a sua amiga.
A morena andava com dificuldade por causa da dor entre as pernas. Além disso, havia a constante sensação de humilhação.
Por Deus, ela mataria seu tio. Faria ele pagar por tudo.
Os outros dois notaram a mudança em sua fisionomia.
–Vamos te ajudar - Seu primo disse com dificuldade, massageando o maxilar. Annie provavelmente o deslocara. - Não é certo o que ele fez. Lory, desculpa. - Culpa tomou o rapaz que, se ajoelhou em frente da prima e com lágrimas escorrendo, implorou perdão.
Annie observava com frieza, louca para terminar de quebrar a cara daquele inseto infeliz.
Para ela, era muita audácia da parte dele implorar perdão depois de anos torturando a própria prima.
Antes de qualquer pronunciamento, ouviram a porta da entrada bater com certa violência.
Lorena, que sempre foi ágil, fria e corajosa, encontrava-se com os olhos arregalados de pavor, encolhida e trêmula.
Annie, por outro lado, pensava em uma saída rápida e não traumática para a morena. Ela já enfrentou muito e estava sendo incrivelmente forte em seu ponto de vista.
Ficou próxima a beira da cama, onde poderia atacar e se defender com facilidade. Pegou a faca que anteriormente a morena jogara contra o primo e esperou, os músculos tensos, mandíbula trincada.
Jonathan levantou e ficou um pouco mais à frente, atrás da porta, onde poderia atacar por trás e ter melhor domínio.
Começaria a compensar a prima agora.
A respiração de Lorena era rápida e sem ritmo. Ela estava à beira de um Ataque de Pânico. Sua garganta parecia fechar, o corpo tremia e as lágrimas escorriam de seus olhos.
Ela não suportaria mais nada.