O carro parou em frente àquela mansão enorme, a tinta branca brilhando sob o sol.
Minha mãe apertou minha mão, com os olhos marejados de uma mistura de esperança e medo pela nossa nova vida.
Eu não sentia nada, só um vazio no estômago, enquanto meu novo padrasto, o Senhor Antônio, nos cumprimentava com um sorriso que não alcançava os olhos.
Atrás dele, surgiu Pedro, seu filho, com o mesmo cabelo escuro do pai, mas um olhar duro, cheio de desprezo que me atingiu como um soco.
Ele não disse nada, só me encarou de cima a baixo, e eu soube, naquele exato momento, que eu não era bem-vinda ali.
Mais tarde, ele rasgou meu livro mais precioso, um presente do meu pai biológico, e jogou os pedaços no chão.
"Sua mãe matou a minha. Vocês duas são aproveitadoras. Mas você vai se arrepender de ter pisado aqui."
Aquelas palavras me marcaram mais que o tapa que o Senhor Antônio me deu depois.
"Não provoque meu filho. Apenas seja grata pela oportunidade que sua mãe conseguiu para vocês."
Minha mãe, a mulher que buscou luxo e poder, agora era um fardo, presa a uma cadeira de rodas e com a mente confusa.
Ela me olhava com olhos cheios de raiva impotente, como se eu fosse a culpada pela sua desgraça.
Minha única saída era o estudo, a universidade em São Paulo, e depois, a fuga.
Mas a influência da família dele era longa, e as humilhações continuaram, mesmo na cidade grande.
Um dia, fui encurralada numa rua escura.
De repente, Pedro surgiu, não para me salvar, mas para assistir ao meu terror.
Fui atrás dele, e no meu desespero, bati minha cabeça contra o muro.
"Você é um monstro doente e patético, que se alimenta da dor dos outros porque não consegue lidar com a sua própria."
No hospital, a médica me deu a última notícia que faltava para me destruir.
"Sofia... você está grávida."
Grávida. De Pedro. A vingança dele se completava.
Ele tinha plantado sua semente em mim. Ele me acorrentou a ele para sempre, e eu não queria mais viver.
Me joguei da janela.
Mas Pedro me puxou de volta.
Ele estava tremendo, o rosto desfeito em pânico e fúria.
"Você ia se matar! Você ia matar o nosso filho!"
Mas eu já estava quebrada demais para sentir qualquer coisa.
Depois, na delegacia, a verdade veio à tona, mais dolorosa do que eu poderia imaginar.
Minha mãe não havia sumido.
Seu corpo havia sido encontrado. Ela se jogou da mesma ponte.
E ela não foi a única no carro com a mãe de Pedro naquela noite.
Meu pai, o Senhor Antônio.
O homem que me salvou me destruiu. O amor, o ódio, e a dor se misturaram numa exaustão profunda.
Eu aceitei a morte como uma amiga.
Mas a vida insistiu.
Eu decidi ter o bebê, e seguir em frente.
Deixei Pedro, e com ele, o passado, para trás.