retorno de um funcionário, cuja ausência completava três dias.
- Hoje ele não vem mais... – informou Zeca, passeando os
olhos pelo teto até debruçá-los fixamente no relógio. – Onde se
meteu esse garoto?
- Quem? – indagou a garçonete, que chegara àquele momento, olhando a pia abarrotada de louças sujas.
- Roberto, o lavador de pratos.
Senhor Rodrigues, o cara que teria de lavar toda aquela lou-
ça sozinho, começou a mexer no celular.
- Tá ligando pra quem? – perguntou o Zeca.
- Pra Amanda.
- Amanda? Que Amanda?
- A namorada dele lá de Nova Iorque. Alguma coisa estranha tá acontecendo. Desde que o Roberto sumiu não consigo
falar com essa garota.
O celular chamou, chamou... por fim caiu na caixa de mensagem:
- 我现在无法接听您的电话. 请留言.
- Aí, num tô dizendo?... Agora a mensagem tá em chineis!
- Olha, Rodrigues, não quero te assustar, mas tão dizendo
por aí que o Roberto foi deportado. E onde há fumaça há fogo.
- Então, deixa eu voltar ao trabalho e, a propósito, trata
de colocar um anúncio procurando outro funcionário – disse o
Rodrigues, começando a colocar os pratos na lava-louças.
- Tá bom, mas antes deixa eu ligar pro Zé.
- Zé, que Zé?
- O mineirinho que divide o apartamento com ele em East
Boston. Chegou uma mensagem. Essa notícia vai lhe interessar,
decerto. ...Parece que encontraram o Roberto.
"Roberto vazou", dizia a mensagem (traduzindo o mineirês: "foi embora"); chegou no Brasil só com a roupa do corpo.
Eita homem de coragem! Nem todo mundo tá disposto a voltar a
ganhar em real depois de pôr a mão nas verdinha$.
Escolhas à parte, agora podemos responder à questão:
"WHERE´S ROBERTO"2
?
- ...Tô falando com ele agora, me liga outra hora – respondeu o Zé, inconformado, voltando do trabalho, puto pra caralho.
- Roberto voltou para o Brasil??? Puta que pariu!!!!!!
Pois, é. Viajou sem visto, sem lenço e sem documento (literalmente). Comprou uma passagem só de ida. "Oh, vida!"
- He's crazy!3
- I know.4
Brincou com a sorte, se enrolou. Ou estava prestes a se enrolar? (Eehhhh... isso não vai prestar.) É o que o Zé, com muito custo, por celular, tentava explicar – caminhando apressado,
touca cobrindo-lhe os olhos, mochila nas costas, empacotado.
A jaqueta era do Boston RedSox, time de beisebol local muito
aclamado – nove graus negativos, um frio lascado – pelo menos
pra mim, que não estou acostumado –, mas pro Zé aquele frio
não era nada, que com naturalidade falava ao celular e gesticulava. Passava despercebido em meio a tanta gente, também apressada que, como ele, ia pro trampo ou voltava pra casa. Chineses,
coreanos, guatemaltecos, indonésios, armênios, colombianos e
mexicanos; hondurenhos, marroquinos, haitianos, salvadorenhos, paquistaneses, cubanos e dominicanos; gente de toda parte, dos mais diversos continentes. A maioria jamais pensava em
voltar pro seu país novamente. Já Roberto, minha gente... ah!!!
A realidade era bem diferente.
- Eu sabia, isso não ia acabar bem. Você vivia com o corpo
na América, a cabeça no Brasil e o coração também... ou então
vivia em outro mundo! E depois que começou a namorar pela
internet... aí lascou tudo. Até filmes você assistia dublado em
português! Como queria aprender inglês?
- Calma, Zé! Pensa no lado bom. Pelo menos, ele não foi
deportado.
- Unbelievable!5
– exclamou o dono do restaurante onde
Roberto havia trabalhado, sem entender a deserção do funcioná-
rio, de quem ele chegou, inclusive, a assinar os papéis para ele
ter se legalizado.
- What fuck he's doing in Brazil?6
- I don't know.7
Só sei que o Zé, agora dentro do seu apartamento, faltava
pouco para se descabelar de vez, enquanto o Roberto, mais precisamente no saguão de embarque do Aeroporto Internacional de
Goiânia, buscava argumentos para justificar a burrada que fez.
- "Preferi a língua universal do amor ao inglês."
- Ih, lá vem você com essas frases desses livros que não te
ajudaram pra nada. Você não aprende mesmo...
- "Amar se aprende amando."
- Eu sei, criatura, mas até quando você vai continuar errando?
- "Se eu errar que seja por muito, por amar demais, por me
entregar demais, por ter tentado ser feliz demais."10
- ...E por ser trouxa demais... por acreditar nesses namoros
virtuais que nunca dão certo. ...Como a Amanda, linda trapezista
morena de Chicago, que você conheceu, aliás, também na sala
de bate-papo, mas que na verdade era a mulher barbada do circo.
Sem falar da Amanda manicura, que a gente fez até vaquinha pra
trazê-la com o cunhado do Brasil, e depois descobrimos que ela
queria trazer o marido, um tremendo folgado...
Era assim mesmo, não tinha jeito. Nos namoros virtuais do
Roberto, sempre algo dava errado. Por isso, ele resolveu sair de
trás do computador e ir em busca de seu grande amor, que até
então ele só sabia o nome.
- Eu só não entendi uma coisa: se a sua namorada era de
Nova Iorque, como você foi parar no Brasil?
Ô, Zé! Cada coisa em seu lugar. O homem acabou de chegar. Deixa, pelo menos, ele esfriar "os pé", parar na cafeteria,
tomar um café. Com certeza, esse assunto ele vai esclarecer e
a gente, enfim, o desenrolar dessa história vai entender. Onde
ela começa e, principalmente, a forma surpreendente em que ela
termina.