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A Mulher Que Morreu Em Mim.

A Mulher Que Morreu Em Mim.

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Sinopse

Aviso: Contém violência e uso de drogas. Toda terça-feira, Emma sobe ao palco de um bar escondido da cidade. Sua voz hipnotiza. Suas canções falam de perdas, de amores que não existiram, de memórias que ela não tem - e ninguém sabe o porquê. Nem ela. Dois anos atrás, Emma acordou em um hospital sem nome, sem passado, sem lembranças. Desde então, vive com a sensação de que há uma parte dela que foi arrancada à força. A única coisa que restou foi a música. Mas ela não é apenas uma cantora. Antes do acidente, ela era uma agente secreta treinada desde criança. Seu nome verdadeiro era Íris - uma sombra, um código, uma arma. Dada como morta após uma missão fracassada, todos os rastros de Íris foram apagados. Inclusive sua própria consciência. Agora, com a plateia crescendo e um estranho observando seus passos, o passado começa a bater à porta. Fragmentos de outra vida emergem, e com eles, verdades que podem destruir a nova existência que ela construiu. Porque a mulher que morreu dentro dela... está prestes a voltar.

Capítulo 1 O início

O cheiro de álcool e cigarro entrou pelas minhas narinas assim que entrei no bar. Não bebo nem fumo, mas gosto de cantar aqui. Ninguém se importa com você - cada um está ocupado demais tentando esquecer os próprios problemas. Se afundar, até sentir que chegou à superfície.

Mas, de um tempo para cá, passaram a me olhar com olhos curiosos. Passaram a apreciar minha voz e a história que conto por trás dela. Aquele pequeno bar, cheio de olhares desconfiados e luzes baixas, agora começava a se encher de pessoas de olhos marejados e sorrisos confiantes.

Subi ao palco, ajeitei o microfone na minha altura e comecei a cantar. As pessoas acompanhavam a melodia com os pés, murmurando baixo a letra. A sensação era que o mundo parava - e só existia eu ali. Minha voz carregava saudade, tristeza, a incerteza de tudo. Ninguém perguntava, mas a dúvida pairava no ar: quem é essa garota? De onde ela veio? Mas os olhares diziam tudo.

Toda semana, toda terça, estou aqui. E a cada nova apresentação, há mais gente. Dizem que é pela minha voz. Dizem que é pela nostalgia que ela carrega, pela forma como acalenta corações em conflito e, quem sabe, para tentar pescar algo sobre mim - a garota misteriosa.

Canto com calma, sentindo o peso da minha própria voz - como se ela fosse escapar se eu me esforçasse demais.

De olhos fechados e sempre gesticulando, eu canto como se um filme sem imagem passasse pela minha cabeça. Quem olha de fora deve pensar que estou revivendo memórias, boas ou ruins. Consigo transmitir tudo o que canto como se fosse verdade. Talvez seja. Mas eu não me lembro.

Sou apenas uma estranha cujo único talento é cantar.

Assim que terminei a segunda música, soltei o microfone e me virei para descer do palco.

Mas o público começou a pedir bis.

Isso me fez sorrir - eles querem me ouvir. Anseiam pelas terças.

Pelo menos em algum lugar, há pessoas que me esperam, que querem me ver e ouvir.

Rapidamente me virei de volta para o microfone, agora o segurando com confiança.

- Que música vocês querem que eu cante agora? - perguntei, animada. Minha voz saiu mais empolgada do que eu esperava.

- Aquela da primeira vez! - disse um rosto familiar, um cliente recorrente do bar.

- Sim! - concordaram outros, em coro.

Acenei em concordância e respirei fundo antes de começar.

Essa música fala sobre estar perdido, sem saber o que fazer. Sobre não entender o que está acontecendo e ainda assim precisar seguir.

Sobre se encontrar em um novo lugar, sozinho, introvertido e, apesar disso, acabar descobrindo onde é o seu lugar no mundo.

Cantei com confiança e cuidado.

Por ser a primeira música que cantei nesse bar, agora ela me traz uma sensação de pertencimento -

e tudo isso graças a essas pessoas.

Depois de três músicas e aplausos ao final de cada uma, desci do palco sendo ovacionada por todos. Esbocei um sorriso e agradeci.

- Nossa menina, devia cantar mais vezes - disse uma mulher cheirando a álcool, meio sóbria.

- Sim! Passei a vir nas terças por sua causa! - exclamou um homem de meia-idade.

- Vou pensar nisso - prometi, sorrindo para eles. Por incrível que pareça, eu voltei a sorrir por causa deles.

Algo no canto me chamou a atenção: o dono do bar acenava para mim. Pedi licença e fui até ele, andando confiante. Ele nunca reclamou de eu vir nas terças - afinal, é entretenimento gratuito. Eu nunca cobrei nada. Venho aqui para espairecer através da música.

- Você deveria vir mais vezes. As pessoas te adoram - disse ele, sorrindo. Até eu sorriria, se ganhasse dinheiro às custas dos outros.

- Só às terças está bom pra mim. Tenho outras coisas pra fazer nos outros dias - menti, tentando parecer casual. Me virei rapidamente, vi aquelas pessoas me olhando e sorri. - Mas vou pensar nisso. - Reconsidere.

O dono do bar me observou por um instante, como se estivesse prestes a perguntar algo mais, mas se conteve. Apenas assentiu, ainda com um sorriso no rosto.

- Tudo bem, pensa com calma. - disse ele, voltando para trás do balcão.

Me afastei, ajeitando o cabelo, colocando uma mecha atrás da minha. O bar voltava lentamente ao seu ritmo normal - copos tilintando, conversas abafadas, uma nova música preenchendo o ambiente e desta vez não era ao vivo e sim algo instrumental que colocaram na caixa de som. Passei pelas mesas sorrindo para alguns rostos familiares, recebi um ou dois acenos discretos. A maioria não sabia meu nome, e eu gostava assim.

Quando cheguei à porta, hesitei. Uma brisa fria atravessou a rua estreita, me fazendo apertar o casaco contra o corpo. Então, senti. Aquela sensação incômoda, como um arrepio na nuca alguém me observava.

Virei lentamente e varri o bar com os olhos. Nada fora do normal. Mas no fundo, encostado em uma parede sombreada, havia um homem. Alto, de terno escuro e olhar fixo. Não sorria. Não bebia. Apenas me encarava.

Engoli em seco e encarei ele de volta, esperando alguma atitude. Não sei desde quando estava ali - talvez tenha assistido ao show inteiro, ou chegou no meio. Não reparei. Ele era o tipo de presença que se esconde bem até decidir se mostrar. Lentamente, desencostou da parede e atravessou o bar com passos longos, determinados. Em um piscar de olhos, estava diante de mim. Alto, de olhar firme, vestindo um terno escuro demais para esse lugar. Não parecia alguém que veio ouvir música. Parecia alguém que veio por mim.

- Você canta bem - disse ele, com a voz baixa, quase rouca. Havia algo de antigo nela, como se ele carregasse segredos demais para um rosto tão calmo.

Fiquei em silêncio. Quis perguntar quem ele era, mas minha intuição gritava para não mostrar interesse.

- É difícil encontrar alguém que cante com tanta dor - continuou ele. - Porque você canta com dor, não canta?

Não respondi. Só encarei.

Ele então deu um meio sorriso, como se tivesse entendido mais do que eu queria mostrar.

- Não se preocupe - disse, dando um passo para trás. - Não vim te causar problema. Só vim lembrar que o passado não some só porque a gente muda de nome.

Meu coração disparou.

Ele virou as costas e foi embora, deixando no ar um rastro de silêncio mais pesado que qualquer nota que eu já cantei naquele palco.

Não o reconheço, não sei quem ele é. Mas ele me conhece e sabe do meu passado. Quem eu era antes de perder a memória?

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