- Ela também é minha amiga... - Se defendeu.
As três melhores amigas olhavam para Catherine no meio da praça de alimentação do shopping.
- Ah... eu vou embora! Que passeio chato. - Carol se levantou, batendo seu par de tamancos no chão. Se soubesse que Catherine viria, não teria vindo. No final, passaram duas horas apenas acompanhando essa patricinha loira a fazer compras.
- Irei com você. Me espera! - A amiga também se levantou, seguindo Carol, deixando para trás Catherine e Pâmela.
As duas pareciam estranhas, mesmo sendo amigas desde a infância, mas Catherine não se incomodava.
- Sou loira padrão, né? - Kathy perguntou com um sorriso e a amiga concordou.
- Sim...
- Você também é linda, Pami. - Catherine segurou a mão da amiga e olhou a hora no relógio de pulso. - Tenho que ir. Marquei um compromisso e não posso atrasar.
- Ok. Até a noite na faculdade... - Pamela sorriu, pegou o milkshake e levantou-se. - Vou buscar meu irmãozinho. Tchau!
Acenou com a mão, deixando Catherine e suas diversas sacolas de compras para trás. Pâmela saiu da praça de alimentação e foi até a área de recreação onde tinha deixado seu irmãozinho de seis anos brincando com supervisores.
A patricinha foi deixada para trás e abandonou seu milkshake com um sabor horrível. Catherine Sanches saiu elegantemente pela entrada do amplo estacionamento do shopping RIOSUL, no lado sul do Rio de Janeiro. Ela carregava várias sacolas com roupas e objetos caros em suas mãos, usando um caríssimo Ray-Ban preto em seu rosto.
Kathy era considerada uma verdadeira patricinha. Ela adorava usar roupas caras e coloridas, sendo frequentemente comparada a uma boneca Barbie. À primeira vista, poderia ser confundida com uma menina mimada de dezesseis anos, mas na realidade, ela já tinha completado vinte anos de idade. Filha de papai, Kathy nunca precisou limpar a casa, repetir roupas ou cozinhar. Ela era péssima na cozinha e nem sabia fritar um ovo.
Catherine, por outro lado, era loira natural, com olhos azuis como o céu e pele branca como leite ninho. Apesar de ser pálida, ela tinha sua beleza, mas quando abria a boca, revelava sua falta de habilidade para viver sozinha neste mundo cru. Catherine não se preocupava com isso, pois tinha seus pais para cuidar dela e guiá-la até que um dia ela aprendesse a voar sozinha. Enquanto isso, no ano de 2021, ela aproveitava a companhia dos pais como seu porto seguro.
Ela sorria enquanto caminhava até o seu carro adorável, um Fiat 500, da cor pêssego. Seu salto fino tocava o chão de cimento enquanto ela caminhava despreocupadamente e cantarolava uma música qualquer que invadiu sua mente. Tudo estava seguindo normalmente; nada de bizarro ou sobrenatural iria acontecer, certo? Bem... de repente, a ponta de seu salto ficou presa em um pequeno buraco no chão, fazendo-a perder o equilíbrio. Catherine levantou os braços para o alto, sentindo que poderia cair, suas sacolas voaram para o ar e seu corpo foi rapidamente para frente. Certamente, naquele momento, ela perdeu a compostura diante das pessoas que passavam, mas as coisas não terminaram por aí.
Kathy não esperava que houvesse um carro com um gancho de ferro preso no porta-malas bem à sua frente; ela não conseguiu evitar bater violentamente a cabeça nele. Tontura tomou conta de seus olhos. Ela se sentiu completamente tonta e, para completar a estranheza, uma luz branca brilhou diante dela; tudo à sua frente desapareceu e essa luz dominou seus olhos. [Sistema iniciando... Sistema inic... Sistema.] Ouvir essa voz em sua cabeça fez Catherine perceber que aquele momento poderia ser o seu fim. Mas, como assim? Que morte estranha era essa? Afinal, ela simplesmente tropeçou e bateu a cabeça. Isso não era grave o suficiente para tirar a vida de alguém de imediato. Como seus pais reagiriam a essa notícia? Ela nem mesmo se despediu! Pensar nisso fez ela ter uma vontade enorme de gritar, então simplesmente foi isso que ela fez.
De repente, ela gritou enfurecida. O branco que invadiu os seus olhos uns segundos atrás deu passagem para uma parede cheia de bambus. Quando ela gritou, seu corpo se dobrou para frente e se sentou em algo que parecia uma cama gelada. Seu grito foi alto, mas, no mesmo momento, Kathy se calou e uma sensação de que estava viva invadiu o seu coração.
[ᕦ(ツ)ᕤ - Nós damos boas-vindas à sua entrada no sistema]
[Você foi abençoada com uma segunda chance de mostrar o seu valor. Pedimos desculpas pela sua época de transmigração, tivemos um problema no sistema. Antes que pergunte: eu sou um sistema que controla o tempo de transmigração entre passado, presente e futuro e dá uma nova chance de concluir o seu destino. Para você ganhar essa 'nova vida', precisa conquistar méritos.] [NT: Pessoal, vocês devem saber o que é Transmigração e méritos, né?]
- Quê? - Ela disse, atordoada, enquanto escutava aquela voz de mulher, que parecia como um Google tradutor em sua mente.
"Espera aí... Que voz é essa? Um anjo? Eu estou no céu?" Ela olhou ao redor e percebeu estar num lugar escuro, iluminado pela luz do dia, parecia estar em um barraco de madeira. Ao baixar a cabeça, percebeu que suas pernas não eram mais brancas como leite, estavam morenas como se tivessem sido cobertas por Nescau, do branco ao marrom.
Isso a deixou em alerta, rapidamente se levantou de onde estava deitada e deu um giro completo enquanto tentava se olhar. A situação não parava por aí: ela estava quase nua e seu corpo estava coberto apenas por pedaços de panos rasgados, lembrando os trajes do grupo rebelde mexicano. Além do 'sutiã' e saia, também usava penas coloridas de galinhas nos braços e pernas.
Kathy gritou de nojo e removeu rapidamente as penas que certamente eram de aves mortas. Com os braços livres e lágrimas transbordando dos seus olhos, ela levou as mãos até o rosto, mas não teve tempo de continuar seu drama, pois percebeu que a franja que tanto amava não estava mais em sua testa. Nesse momento, ela pegou seu próprio cabelo negro, longo até as nádegas. Já não eram mais loiros, essa cor que ela tanto amava e herdara de sua mãe, que combinava com os azuis de seus olhos.
- Aiyra, Aiyra! - Dois meninos pequenos, vestidos apenas com palhas que cobriam seus quadris e com desenhos de tintas vermelhas e azuis pelo corpo, entraram na oca. Kathy parou para observar os meninos; sentiu-se chocada e nem notou que estavam chamando por ela. Um sentimento de desespero tomou conta de si, afinal, onde ela estava? Onde estavam seu pai e sua mãe? Onde estava seu corpo? Ela mudará de feição? Isso a deixou nervosa, ela precisava urgentemente ver como era seu rosto. Como poderia viver se nem sequer conhecia sua própria aparência? Sua pressão subiu e a barriga doeu. Gritou novamente e saiu correndo para fora daquela oca.
A luz do dia invadiu seus olhos negros, o céu estava azul e ela ficou imóvel ao vislumbrar tudo aquilo à sua frente. Ela estava numa aldeia? Havia várias casinhas de madeira, algumas com palha que podia contar nos dedos sem se perder. Alguns índios passaram por ela, quase nus e cobertos de tintas. Novamente, suas mãos taparam sua boca e o pânico se instalou em sua garganta. QUE. LOUCURA! ERA. ESSA?
- Aiyra, vamos brincar no Aratuípe? - As mesmas crianças abraçaram suas coxas, deixando Kathy completamente surtada. Brincar? Ela queria voltar para seu mundo real. Que lugar era esse? [NT: Aratuípe é o rio dos caranguejos.]
[Esse lugar é a tribo Macuxi e estamos no século XV. Você viverá nesse mundo a partir de agora. Seu nome é Aiyra e você precisa proteger os aldeões da sua tribo, pois essa é a sua missão. Se não conseguir, irá deixar esse mundo e seguirá para o mundo espiritual. Daqui a um mês, pessoas ruins destruirão esse lugar e matarão todos. Para evitar isso, você precisa se aproximar do seu 'pajé' e o ajudar a defender todos.] [NT: Pajé significa chefe.]
"Quê? Estou enlouquecendo? Só pode. Não tem outro motivo. Estou doida, muito doida..." Ao pensar nisso, sua pressão caiu, seus olhos viraram para trás e Aiyra desabou com tudo no chão, ao desmaiar.
⇜⇝
Primeiro dia...
Aiyra resmungou por conta da dor de cabeça e aproximou a mão até a testa enquanto seus olhos permaneciam fechados. Suas sobrancelhas se franziram em caretas e, ao fundo, ela ouvia vozes. Seu coração desejava que os que estavam falando fossem seus pais; isso a deixaria feliz, muito feliz.
- ... Então, por que ela desmaiou? - percebeu ser uma voz masculina.
- Não sei, Senhor. Anori e Avaré disseram que, do nada, ela caiu no chão. As crianças estão assustadas - uma mulher disse baixo, mas Aiyra começou a entender. Finalmente, ela começou a aceitar. Imediatamente, a protagonista ergueu o tronco, sentou-se e assustou os índios que estavam distraídos. Ela olhou para os três estranhos que a encaravam. Esses olhares a deixaram amedrontada e uma expressão de choro invadiu seu rosto. Ela não podia se enganar, havia realmente sido transportada para o passado. Esse sistema, que afirmava controlar o tempo - presente, passado e futuro - foi a causa de sua situação atual.
[Kaluanã. Seu significado: guerreiro. Um rapaz disposto a proteger todos os que estão na sua tribo. Justo e fiel ٩(♡ε♡)۶.]
A voz eletrônica falava em sua mente, ao mesmo tempo, apontava uma seta azul para um índio de pele chocolate que aparentava ter vinte e sete anos. Além de bonito, ele também era o pajé da tribo. Estava vestindo apenas uma saia verde-escura curta que tapava suas partes íntimas, seu corpo todo estava pintado de azul e vermelho. Usava pulseiras de penas em seus braços e pernas grossas, seu cabelo liso e negro era grande, chegando até o seu peitoral nu. Kaluanã arqueou a sobrancelha e se mostrou sombrio ao perceber que Aiyra o encarava atentamente.
[Aiyra e Kaluanã tiveram uma história digna de livro, a qual no final ficou um tanto abalada. Os dois são companheiros de batalhas contra inimigos, além disso, se ajudavam em tudo. Certo dia, Kaluanã se apaixonou pela companheira, mas foi dispensado, o que o deixou ressentido. Sua missão agora é recuperar a amizade dele e, com isso, ganhará méritos].
"Entendi... então foi por isso que ele me encarou como se eu fosse uma inimiga." Aiyra sorriu e sua atenção voltou para as pessoas que falavam com ela naquele barraquinho.
- Estou bem! - Ela respondeu e observou Kauã virar de costas para sair, mas, no mesmo momento, a índia se levantou da cama de palha e agarrou o braço esquerdo dele. Afinal de contas, ela tinha que se aproximar desse rapaz e, quando o assunto era jogar seu charme, era o que ela mais sabia fazer.
- O que está fazendo? - Perguntou ríspido.
- Sou uma garota desamparada. Poderia me fazer companhia nesta noite sombria? Afinal, não somos amigos?
[Não, não são]
Além da voz eletrônica em sua cabeça, Kaluanã também disse que não. Ela jurava que eles eram melhores amigos, afinal, ambos lutavam juntos, ajudavam reciprocamente e certamente a amizade não acabaria só porque o cara recebeu um fora. Isso não era motivo, afinal, na época de 2021, levar um não no amor era muito normal. Ela mesma, Catherine, dispensava vários homens que corriam atrás de si.
- Mas, Aiyra, aqui é a sua casa. Você nunca se preocupou com isso - ouvir aquilo fez seu coração parar. Ela, uma patricinha, realmente iria morar naquele quartinho que não tinha nada além de uma cama de palha? Isso nunca aconteceu antes, ela sempre viveu e cresceu rodeada de luxo. Como iria sobreviver? Ao pensar nisso, a fez se agarrar mais em Kaluanã. Naquele momento, ele era o seu porto seguro, afinal, esse índio era o chefe daquele lugar e iria protegê-la de todo mal.
- Me solta - ele tentou se soltar e, ao mesmo tempo, estranhava essa atitude de Aiyra. Ela não era assim, nunca! Ela jamais o abraçaria desta forma. Ele a empurrou e a olhou, hoje ela estava estranha e era melhor ficar longe. Então, Kaluanã saiu, deixando-a sozinha naquele lugar. Já era noite e tudo assustava aquela novata, pois Catherine nunca ficou sozinha em toda sua vida. Para piorar, a cama era dura e coçava muito.
Sentada sozinha, Catherine tentou entender tudo o que estava acontecendo. Primeiro, ela se lembrou de suas amigas. Todas elas se encontraram no shopping, fizeram compras e tomaram milkshake. Será que, ao bater a cabeça, acabou ficando em coma e agora está sonhando?
É... pode ser isso... A única explicação plausível que existe nessa situação. Mas... e essa voz do Google?
- Ei... Moça?
Ela chamou e acreditava estar louca. Imagina, uma índia de pele chocolate, sentada na cama de palha, sobre as chamas da tocha, falando sozinha. Claro que Aiyra está louca.
[( ꈍᴗꈍ) Oi, oi... que surpresa me chamar.]
Catherine ouviu a voz e olhou ao redor. Sua perna começou a balançar de nervosismo.
- Eu estou em coma? Como posso voltar?
[( ╹▽╹ ) Você não está em coma, isso é real. Os méritos também. Aliás, me chame de Mini. Como você está se sentindo?]
- Me sinto louca. Estou com medo... se eu dormir, irei acordar no meu corpo de Barbie?
[( ٥↼_↼) Não... Mas tente dormir. Amanhã será outro dia.]
Catherine queria sua cama fofinha. Aquela em que ela estava parecia de pedra e habitavam vários bichos nojentos. Como dormir assim? Ela tentou falar novamente com a tal Mini, mas a voz em sua cabeça não lhe respondeu e, desta forma, a noite se passou em claro como num filme de terror.