O cheiro de desinfetante foi a primeira coisa que Maria sentiu, familiar e sufocante.
Abri os olhos para o teto branco do hospital, e a última lembrança era a escuridão fria, meu corpo cedendo à febre enquanto meu pai, Dr. Carlos, ignorava meus apelos, segurando a mão de Joana.
Eu tinha morrido, disso eu tinha certeza.
Mas agora, eu estava viva, minhas mãos jovens, sem as marcas da doença.
O calendário na parede, um ano antes da minha morte, um ano antes de tudo desmoronar, paralisou-me: eu havia voltado.
Uma enfermeira entrou e disse: "Maria, seu pai esteve aqui mais cedo. Resolvendo os papéis da adoção de Joana."
Adoção, a palavra que iniciou o meu fim.
Dr. Carlos, um cirurgião cardíaco renomado, trouxe Joana da Amazônia, a órfã de um "herói" que supostamente salvou sua vida.
Eu, ingênua estudante de medicina, a acolhi como irmã, mal sabendo que ela queria meu lugar.
Minhas roupas favoritas, meus livros de medicina, tudo começou a aparecer com Joana, enquanto meu pai, cego pela gratidão e pela história heroica dela, a incentivava.
Ele me substituiu por ela em jantares e eventos, celebrando as mínimas conquistas de Joana com um orgulho que antes era meu, e me via apenas como uma sombra.
O golpe maior veio com Pedro, meu noivo e herdeiro de uma grande rede de hospitais.
Joana, com sua fragilidade fingida, o conquistou.
"Maria, Joana precisa de mim. Seu pai apoia nossa união, é o melhor para a família" , foi o que ele disse ao terminar comigo, anunciando o noivado com ela uma semana depois.
A sociedade médica me via como a filha descartada, enquanto Joana, a "filha do herói" , era a protegida do Dr. Carlos.
Então, veio a bolsa de estudos mais prestigiada do país, meu sonho de anos.
Meu nome estava no topo das listas, mas o nome chamado foi o dela.
Meu pai, Dr. Carlos, aplaudia-a com lágrimas nos olhos, enquanto eu descobria que ele usou toda a sua influência para transferir a bolsa para Joana.
"Joana merece mais, Maria. É uma forma de compensar tudo que ela perdeu. Você já tem tudo" , ele justificou, me despojando de tudo.
Fui expulsa de casa, da minha vida, do meu futuro.
Sem pai, noivo ou bolsa, adoeci com uma infecção tratável, mas fui negligenciada e morri sozinha em um quarto de hospital barato.
Agora, de volta, o fogo da vingança queima.
Não sou mais a vítima ingênua, mas sim uma força forjada pela dor.
"Vou pegar de volta tudo o que é meu" , sussurrei, "cada lágrima, cada humilhação, cada pedaço da minha vida que vocês roubaram. Joana, pai... vocês vão pagar."
A porta abriu e ele, Dr. Carlos, entrou.
"Maria, que bom que está bem. Joana está vindo para casa. Finalmente, você terá uma irmã."
Meus olhos eram gelo puro, mas forcei um sorriso.
"Que notícia maravilhosa, pai. Mal posso esperar para conhecê-la."
A caçada tinha começado.