Por quarenta anos, estive ao lado de Cássio Barreto, construindo seu legado desde um simples deputado estadual até um homem cujo nome ecoava com respeito. Eu era Helena Couto, a esposa elegante e inteligente, a parceira perfeita.
Então, uma tarde, eu o vi num café simples no Centro, dividindo uma vitamina verde-limão berrante com uma jovem, Kendi Maia. Seu rosto estava iluminado por uma alegria que eu não via há vinte anos. Não era apenas um caso; era um abandono emocional.
Ele era um homem na casa dos setenta, obcecado por um herdeiro, e eu sabia que ele buscava uma nova vida nela. Eu não fiz uma cena. Apenas me afastei, meus saltos batendo num ritmo firme que não traía o caos dentro de mim. Ele achava que eu era uma frágil professora de história da arte que ele poderia descartar com um acordo medíocre. Ele estava enganado.
Naquela noite, preparei sua refeição favorita. Quando ele chegou tarde, a comida estava fria. Ele queria conversar, dar o golpe final. Eu peguei uma pasta da minha escrivaninha e o encarei nos olhos. "Estou com câncer, Cássio. Pâncreas. Seis meses, talvez menos."
Seu rosto perdeu a cor. Não era amor ou preocupação; era a destruição súbita de seu plano. Uma esposa moribunda não podia ser divorciada. Ele estava preso. O peso de sua imagem pública, de sua reputação cuidadosamente construída, era uma jaula que ele mesmo havia criado.
Ele se retirou para seu escritório, o clique da fechadura ecoando na sala silenciosa. Na manhã seguinte, meu sobrinho Jairo ligou. "Ele a expulsou, tia Helena. Ela estava chorando rios na calçada."
Capítulo 1
Por quarenta anos, estive ao lado de Cássio Barreto. Ajudei a construir seu legado, transformando-o de um deputado estadual júnior em um homem cujo nome ecoava com respeito nos corredores do poder em Brasília. Ele se aposentou com uma pensão generosa e um assento no conselho de três grandes empresas. Seu legado era um monumento que havíamos construído juntos, e eu considerava a glória dele como minha.
Eu era Helena Couto: a esposa elegante, a anfitriã brilhante, a parceira perfeita que suavizava sua arrogância com um sorriso bem colocado. Eu era a arquiteta de seu sucesso social.
Então, uma tarde, o monumento rachou. Ele deveria estar em um almoço do conselho. Em vez disso, eu o vi em um café simples no Centro, seu rosto iluminado por uma alegria juvenil que eu não via há vinte anos. Ele estava dividindo uma única e berrante vitamina verde com uma jovem, dois canudos perfurando seu coração sintético. A cena era tão mundana, tão suburbana, que tornou a traição ainda mais aguda.
Naquele instante, eu soube. Não era apenas um caso. Era um abandono emocional.
Ele era um homem na casa dos setenta, obcecado pelo fato de não termos filhos, desesperado por um herdeiro para levar o nome Barreto. Eu vi isso com uma certeza que gelou meus ossos: ele estava procurando uma nova vida nela. O nome dela, ele mencionara uma vez, era Kendi Maia. Sua instrutora de ioga. "Um sopro de ar fresco", ele a chamara. As palavras agora pareciam ácido.
Eu não fiz uma cena. Virei-me e me afastei antes que pudessem me ver, meus saltos batendo na calçada em um ritmo constante que não traía o caos que se agitava dentro de mim.
Ele achava que eu era uma frágil professora de história da arte que ele poderia descartar com um acordo medíocre e um tapinha condescendente na cabeça. Ele estava enganado.
Minha irmã mais velha, Débora, morrera de complicações no parto, desesperada para manter seu marido poderoso e infiel. Suas últimas palavras para mim se tornaram minha religião. "Homens como ele te deixarão sem nada", ela sussurrou. "Sempre guarde um dossiê, Helena. Para sua própria proteção."
Eu guardei. Por vinte anos, eu mantive um dossiê.
Naquela noite, preparei sua refeição favorita - frango assado com alecrim e limão siciliano. A casa cheirava a conforto, a estabilidade, a tudo que ele estava prestes a jogar fora.
Ele chegou tarde, sua impaciência uma máscara tensa em seu rosto. Ele estava pronto para dar o golpe final. "Helena, precisamos conversar." Sua voz era dura, desprovida de qualquer calor.
Eu não respondi. Levantei-me da cadeira e caminhei até minha escrivaninha, meus movimentos calmos e deliberados. Tirei uma única pasta da gaveta e a coloquei na mesa de jantar entre nós.
Ele a encarou, confuso. Então eu o olhei diretamente nos olhos.
"Estou com câncer, Cássio", eu disse, minha voz firme. "Pâncreas. Os médicos dizem seis meses, talvez menos."
A cor sumiu de seu rosto. Ele tropeçou para trás, uma mão voando para o peito como se tivesse levado um tiro. Eu conhecia aquele olhar. Não era amor ou preocupação. Era a destruição súbita e chocante de seu pequeno plano perfeito. Uma esposa moribunda não podia ser divorciada. Seria uma mancha em seu precioso legado. Ele estava preso na jaula da imagem pública que ele construíra com tanto cuidado.
"Eu... preciso de um minuto", ele gaguejou, seus olhos evitando os meus. Ele se retirou para seu escritório, e o clique da fechadura ecoou na casa silenciosa.
Na manhã seguinte, meu sobrinho Jairo ligou. Ele era meu espião.
"Ele a expulsou, tia Helena", disse Jairo. "Ela estava chorando rios na calçada. E ele ligou para o corretor de imóveis - tirou a casa de campo em Campos do Jordão do mercado."
Eu havia vencido a primeira batalha.