Renasci e encontrei Guilherme com amnésia, profundamente apaixonado por Carla. Para lhe dar a felicidade que ele realmente desejava, escondi meu próprio diagnóstico de ELA precoce e rompi nosso noivado, dizendo aos pais dele: "Não vou acorrentá-lo a uma mulher moribunda por um senso de dever que ele nem se lembra."
Apesar dos meus esforços, a insegurança de Carla a levou a me incriminar, acusando-me de jogar fora seu anel de noivado e de incendiar a mansão. Guilherme, acreditando nela, me jogou em um poço de lama e mais tarde me sufocou, rosnando: "Você não vale nem um cachorro. Pelo menos um cachorro é leal."
Durante um sequestro, salvei Carla, quase morrendo no processo, apenas para acordar em um hospital e descobrir que Guilherme não poupou despesas por ela, enquanto eu fui deixada para morrer.
Por que ele a escolheu, mesmo quando seu corpo instintivamente se estendia para mim? Por que ele acreditou nas mentiras dela? Eu havia lhe dado tudo, até minha vida, para libertá-lo.
Agora, eu estaria verdadeiramente livre. Casei-me com meu irmão, Jonas, que sempre me amou, e deixei Guilherme para trás, sussurrando: "Seja feliz, Guilherme. Estamos quites agora. Nunca mais vou te ver."
Capítulo 1
Em São Paulo, todos sabiam que Guilherme Almeida vivia por mim, Emília Vasconcelos.
Era uma história que a cidade adorava contar. Desde o momento em que meus pais morreram e os Almeida me acolheram, Guilherme foi minha sombra, meu protetor, meu mundo.
Ele era quem segurava minha mão em cada pesadelo, quem brigava com os garotos que me olhavam torto, quem prometeu se casar comigo quando éramos apenas crianças construindo fortes de cobertores.
Conforme crescíamos, essa promessa de infância se solidificou em um anel de diamante e um futuro que todos viam como inevitável. Ele era o poderoso herdeiro do Grupo Almeida, e eu era o seu tudo.
Essa devoção nunca vacilou, nem mesmo quando fui diagnosticada com ELA.
Na minha primeira vida, ele passou anos ao meu lado na cama, uma presença constante e inabalável. Ele pesquisou cada tratamento experimental, demitiu médicos que perdiam a esperança e segurou minha mão enquanto meu corpo me traía, um músculo de cada vez.
Eu morri acreditando que era a mulher mais sortuda do mundo, por ser amada tão completamente.
Mas em meus momentos finais, enquanto o mundo se apagava, eu o ouvi sussurrar.
Ele segurava minha mão, sua voz embargada por uma dor que não era por mim.
"Emília, meu dever com você está cumprido", ele murmurou, seu hálito um fantasma contra minha orelha. "Eu paguei minha dívida. Se houver uma próxima vida, eu rezo para poder ficar com a Carla. Eu vou compensá-la."
O choque foi um golpe físico, mesmo para o meu corpo moribundo.
Minha mente, lenta e enevoada pela medicação, lutava para juntar as peças.
Carla. Carla Pires.
Eu me lembrei então. Um período de alguns meses, anos atrás, quando Guilherme desapareceu após um acidente de carro. Ele havia perdido a memória.
Quando o encontramos, ele estava com uma mulher, uma musicista chamada Carla. Ele estava apaixonado por ela.
Mas sua memória voltou e, com ela, sua vida como meu noivo. Ele voltou para mim.
Carla, eu soube mais tarde, havia tirado a própria vida.
Todo esse tempo, pensei que a devoção de Guilherme era amor. Não era. Era culpa. Uma penitência de uma vida inteira pela mulher que morreu por causa dele.
Seu amor por mim era uma jaula construída de responsabilidade. Seu coração pertencia a um fantasma.
A escuridão me levou, seu último e desesperado desejo ecoando em meus ouvidos.
Então, luz.
Pisquei, meus pulmões se enchendo de ar, meus membros fortes e firmes sob mim. Eu estava sentada em uma poltrona de luxo no escritório dos Almeida.
Do outro lado, o Sr. e a Sra. Almeida falavam com o chefe de segurança.
"Você tem certeza de que o médico não pode simplesmente... forçar a memória dele? Uma abordagem mais agressiva?", perguntou a Sra. Almeida, sua voz carregada de preocupação.
"Senhora, o médico disse que qualquer tentativa de forçar a memória de volta poderia causar danos cerebrais permanentes", respondeu o chefe de segurança. "Temos que ser pacientes."
Era exatamente a conversa que eu tinha ouvido no dia em que encontraram Guilherme, o dia em que a tragédia da minha vida anterior foi posta em movimento.
Eu estava de volta.
A antiga eu estaria frenética de alegria, desesperada para vê-lo, para tê-lo de volta.
Mas a mulher que morreu ouvindo que sua vida era uma mentira não sentia nada além de uma clareza calma e arrepiante.
Guilherme estava vivo. Ele tinha amnésia. E em algum lugar lá fora, Carla Pires também estava viva.
Este era o desejo dele. Uma chance de fazer certo. Uma chance de ficar com a mulher que ele realmente amava.
Eu não ficaria em seu caminho novamente.
Meu primeiro ato nesta nova vida foi detê-los.
"Não", eu disse, minha voz baixa, mas firme.
O Sr. e a Sra. Almeida se viraram para mim, surpresos.
"Emília, querida, temos que fazer alguma coisa", disse a Sra. Almeida gentilmente.
"Não", insisti. "Não o forcem. Deixem-no em paz por enquanto."
Eu precisava ter certeza de que, desta vez, o resultado seria diferente. Para todos nós.
No dia seguinte, fiz um check-up completo. Os resultados vieram como uma confirmação amarga. ELA de início precoce. O monstro ainda estava lá, esperando no meu sangue.
Com o laudo médico guardado na bolsa, fui até os Almeida. Encontrei-os no jardim de inverno, seus rostos marcados pela preocupação. Não perdi tempo.
"Eu quero cancelar o noivado."
As palavras pairaram no ar, pesadas e chocantes.
A Sra. Almeida ofegou, a mão voando para o peito. "Emília, o que você está dizendo? Você e o Guilherme..."
"É por minha causa, não é?", perguntou o Sr. Almeida, sua voz grave. "Porque ele está com amnésia, porque ele está com aquela mulher agora?"
"Sim", eu disse, minha voz uniforme. "Mas não do jeito que vocês pensam."
Coloquei o laudo médico na mesa entre nós. "Eu tenho ELA. Na melhor das hipóteses, tenho alguns anos. Guilherme tem a vida inteira pela frente."
Olhei para os dois, meus guardiões, as pessoas que me amaram como sua própria filha.
"Ele me esqueceu. Neste momento, ele está apaixonado por outra pessoa. Não serei um fardo para ele. Não vou acorrentá-lo a uma mulher moribunda por um senso de dever que ele nem se lembra."
Isso não era uma mentira. Era a coisa mais verdadeira que eu já havia dito. Na minha última vida, eu fui seu fardo. Uma obrigação linda e trágica.
"Isso é um absurdo!", chorou a Sra. Almeida, lágrimas brotando em seus olhos. "Guilherme te ama mais que a própria vida! No momento em que ele se lembrar, ele voltará correndo para você! Ele nunca te veria como um fardo!"
Suas palavras eram um eco doloroso de uma vida que eu não queria mais.
Peguei meu celular e mostrei um vídeo. Era do detetive particular que contratei no momento em que renasci.
A filmagem era granulada, feita à distância. Mostrava Guilherme sentado à beira de um lago. Uma jovem com olhos brilhantes e esperançosos, Carla Pires, veio e sentou-se ao lado dele.
O rosto de Guilherme, que sempre fora reservado e estoico para o mundo, se transformou. Ele a olhou com uma ternura, uma adoração visceral que eu nunca tinha visto. Nenhuma vez, em uma vida inteira dele ao meu lado.
Ele colocou uma mecha de cabelo solta atrás da orelha dela. Ele sorriu um sorriso real, desprotegido.
O vídeo terminou. O jardim de inverno ficou em silêncio, denso com o peso de verdades não ditas. O Sr. e a Sra. Almeida encaravam a tela em branco, seus rostos pálidos.
"Ele a ama", eu disse suavemente. "Não é apenas a amnésia. É um amor que vem da alma. O tipo que não se pode forçar ou fingir."
Juntei as mãos no colo, minha decisão uma coisa sólida e pesada dentro de mim.
"Por favor", eu disse. "Deixem-no ir. Deixem-me ir. É o melhor para todos."
O Sr. Almeida finalmente ergueu os olhos, cheios de uma tristeza profunda. "O que você vai fazer, Emília?"
"Meu irmão está fazendo os arranjos", eu disse, o pensamento de Jonas um pequeno ponto de calor no frio. "Vou para o exterior para tratamento. Para tentar ganhar um pouco mais de tempo."
Olhei pela janela, para a vida que estava prestes a deixar para trás.
"Eu quero viver", eu disse, mais para mim mesma do que para eles. "Pelo tempo que eu puder."